Durante aproximadamente 60 dias o assunto mais recorrente em vários canais foi o relativo ao momento eleitoral que atravessámos.
Não faltaram as habituais adjectivações.
Não faltaram as manifestações de patriotismo.
Não faltaram manifestações de amor e fidelidade partidária.
Não faltaram projecções de revoluções.
Não faltaram prognósticos e até “sondagens e ou inquéritos” (sobre quem é o candidato ou partido favorito) proibidos pelo artigo 24 da Lei n.º 7/2007, de 26 de Fevereiro, no período que medeia o início da campanha eleitoral e a proclamação do resultado das eleições, como bem referiu o Nero.
Até as representações diplomáticas tiveram o seu “tempo de antena” pelas razões, quanto a mim, mais indecorosas e descabidas: imiscuir-se nos assuntos internos de um Estado, quais professores se contradizendo já que o motivo de tal “imiscuicência” (se esta palavra não existia acabo de a inventar e patentear) era o cumprimento da legalidade que deve fundar um Estado de Direito que todos nós, com ajuda deles, queremos que Moçambique seja e se fortaleça. Neste caso queriam o contrário.
Não faltaram notícias de observadores tendenciosos.
Mas, o mais importante, é que as eleições realizaram-se e todos são unânimes em afirmar que foram livres e justas; o povo expressou a sua vontade sem constrangimentos de nenhuma ordem. A FRELIMO e Guebas cilindram os adversários sinal de que o povo pensa diferente do que muitos compatriotas andaram aqui a perspectivar: o divórcio do povo (em nome de quem diziam falar) com o seu partido e o seu presidente.
Este processo fez me rever os debates sobre a corrupção muitas vezes baseados no: toda a gente sabe. Confesso, fiquei preocupado. Muito preocupado diga-se. Não que tenha constatado um acto corrupto em si mas por ter nascido em mim a dúvida sobre a base a partir da qual muitos compatriotas discutem o fenómeno (preocupante sublinhe-se) que é a corrupção no nosso país.
Acredito que há aqui muita ignorância sobre o assunto.
Fiquei preocupado por pensar que, se calhar, muitos tomam a gestão de fundos públicos a imagem da mala de Afonso Dhlakama. Não seria de estranhar afinal, algumas vozes mais audíveis um dia carregaram aquela mala (ou ajudaram a que quem a carregasse não a perdesse).
A mala está ali, recheadinha, disponível e, a qualquer momento podemos lançar mão dos fundos, comprar carros para nós e nossos filhos, viajar para as praias paradisíacas desta pérola do Índico, escondermo-nos algures (escondidinhos não faltam), etc.
Mas não é assim. Os fundos públicos têm normas e sistemas próprios de gestão. Seria interessante desmistificar a plataforma a partir da qual muitos olham este fenómeno. E vi com preocupação o exemplo da mala reportado pelo Savana. Espero que desta vez, também, não estivesse enganado.
PS:
Uma das formas de criar “monstros” é deixar que coisas erradas sejam tomadas por certas. As palmadinhas nas costas do tipo “és bom” têm, muitas vezes, o condão de criar estes “monstros” que, do ponto de vista intelectual, é extremamente perigoso. Não poucas vezes deparamos aqui com “teses” cuja base de sustentação é tão frágil ou inexistente que brada aos céus e, não poucas vezes também, quando se procura essa tal base quem o faz é acusado de estar a escamotear a verdade e a não querer “ver o óbvio” que ainda ninguém mostrou. Criamos assim o ceguinho e o oftalmologista que tem que o fazer ver… comecemos a sustentar o que dizemos.
9 comentários:
Esta foi a doer.
Tocaste nalgumas feridas que teimam em nao sarar. Como vai ficar o debate na blogosfera neste momento de ressaca?
Só podemos esperar para ver. MAs creio ser esta a altura correcta de revisitarmos as bases com que fundamentamos todos os nossos argumentos.
Por exemplo, sobre a corrupção (que existe e é um mal a combater) se nos basearmos nas normas do SISTAFE UTRAF, normas do procurement etc podemos identificar fraquezas e, quiçá, influenciar formas de tapar furos que se identifiquem dos quais muitos se aproveitam. Mas se continuarmos com tiros no escuro, com riscos de ricochet em alguma parede que não vemos, corremos o risco de nos afundarmos a nós mesmos.
Chega de senso comum.
Gostaria de ver o Reflectindo, o Jonathan, o Shirangano e outros a comentarem os resultados, a MALA, a corrupção etc.
Há algum tempo atrás eu ficava "irritado" com as avaliações sem fundamento sobre a corrupção. Quanto mais se acusava sem fundamento, eu ficava mais "irritado" ainda.
Mas as eleições de Angola, ganhas esmagadoramente pelo MPLA, mostraram-me uma realidade. As acusações sobre corrupção, semelhantes às acusações de feitiçaria que se fazem na aldeia onde nasci, é assunto que diz respeito a alguns "iluminados". É assunto de alguns racistas que não querem ver os pretos a viverem numa casa decente. A andar num carro decente. Quando essas acusações são infundadas o povo não liga. Daí a vitória avassaladora do MPLA em Angola.
Essa percepção veio a ser confirmada pela realidade moçambicana. Neste país é comum ouvir pessoas como Mia Couto a dizerem que a economia é controloda por algumas poucas famílias ligadas àquilo a que chamam nomeclatura. Mas não nos diz, por exemplo, que a empresa dele exerce um monopólio sobre os estudos de impacto ambiental em Moçambique. A maior parte de "doadores" direccionam os concursos para a empresa desse senhor. Nesse sentido, ele controla a economia que gira à volta dos estudos ambientais. Isso nunca é dito. Só se fosse um Mandlate, um Nkaima, um Karonga, um Kavona, um Chipande a controlar esse negócio. Teríamos reportagens jornalísticas, crónicas e contos a expor com severidade a corrupção dos africanos.
Como dizia, as recentes eleições em Moçambique confirmaram a percepção que eu já havia tido com o caso angolano. O povo não liga a esses delírios.
Por isso já não me irrito.
Heheheh Anónimo essa do monopólio é tuff. Há uns anos no antigo espaço de debate no Blog de Carlos Serra estes senhores se escandalizavam com a quantidade de 4X4 que circulam na cidade. O que também não diziam era que eles também os usam como veículos do dia a dia. Presumo que eles queiram ser os únicos em tudo: empresas, uso dos meios disponíveis como carros etc.
É por isso que o debate sobre a corrupção em Moçambique ora é "moralizado" ora é romancisado. Isto é assim devido, penso eu, a dificuldade de encontrar factos concretos que justifiquem as acusações de corrupção contra muitos que levam os rótulos de corruptos.
Não é que negue a existência de corrupção mas as "evidências" que muitas vezes pegamos são paupérimas por demais. Temos que ir a fundo.
Anónimo,
Gostei da análise que fazes em relação ao Mia Couto e outros pseudos-moralistas.
Para eles os membros do Conselho de Ministros não deveriam ter carros de luxo, mas eles andam nos melhores mercedes, bmws ou volvos. Será que os membros do Conselho de Ministros são inferiores a eles por serem Moçambicanos?
Dizem que os membros do conselho de Ministros vivem em casas demasiadamente luxuosas? Será que eles vivem nos Ghettos?
As suas empresas ganham concursos para avaliar ambientalmente a Mozal, Mpanda Nkua, carvão mineral, etc, etc...mas se fosse empresas do Nkutumula seriam manchetes na imprensa nacional e internacional.
São os tais que inundam as nossas salas quando há conferências sobre o blackempowrment.
Nos seus escritórios empregam filhos, irmãos, sobrinhos, primos, amigos de infância, conterrâneos da Europa, etc...se fosse escritório dum Muthisse diriam que é nepotismo.
Algumas ONGs dirigidas por estes senhores gastam 60% do seu orçamento em custos administrativos e os cônjuges têm direito a 25% do salário dos respectivos cônjuges, incluindo carro, combustível e prémios de final do ano. Se o Governo Moçambicano aprovasse a mesma politica em relação aos quadros superiores do estado diriam que é despesismo excessivo.
Dizem que o PR não pode comprar jactos, mas eles utilizam jactos até para irem as compras em Nelspruit.
Muthisse,
peço desculpas por ter-me desviado do tema. Simplesmente quis desabafar algo que me vai na alma.
Nuno
O que está a passar-se com a blogosfera? Os debates amainaram! O que será que está para acontecer? Esta paz repentina me deixa apreensivo. Tenho ido a vários blogs e não encontro pista para aterrar o meu Antonov-AN12 para comentar. Até o blog mais comentado dos últimos tempos anda às moscas? Algo está para acontecer. Anda por aí um cocktail molotov político com pavio longo, mas prestes a explodir.
Caro Mutisse, não vou entrar na onda do “todo mundo sabe”, concordo contigo quando dizes que acreditas existir muita ignorância em torno do assunto “corrupção”, mas quando li onde dizes passo a citar,
“Mas não é assim. Os fundos públicos têm normas e sistemas próprios de gestão. Seria interessante desmistificar a plataforma a partir da qual muitos olham este fenómeno.” Fiquei com a impressão(me conceda a liberdade de estar errado por favor) que dás crédito exagerado as tais “normas e sistemas próprios de gestão”.
No momento em que descutimos esse assunto, temos, a ver o sol aos quadradinhos, a “malta” Manhenje/Cambaza, acusados de terem “conseguido furar” as nossas “normas e sistemas próprios de gestão” de fundos públicos. Esta claro para mim que a sua culpabilidade ainda não está provada pelo facto de ainda não terem sido julgados e condenados, mas o simples facto de terem sido acusados prova a “furabilidade” das nossas “normas e sistemas próprios de gestão” de fundos públicos. Alguns do comentários(desabafos) são bem do mesmo nível que procuramos negar.
Penso que volto ao assunto.
Nelson, há uns meses uns hackers conseguiram entrar no sistema informático do pentágono que se considerava um dos mais seguros do mundo. Isso foi, quanto a mim, uma demonstração de que não há nada infalível, totalmente perfeito.
O SISTAFE não é infalível e, de longe, pode não estar perto da perfeição mas, é o sistema que temos e que permite uma gestão mais eficiente de recursos.
Como moçambicanos temos que acreditar nos sistemas que se criam e, a medida das nossas possibilidades, ajudar na sua implementação, consolidação e sucesso. Para Moçambique não havia outra saida senão introduzir o SISTAFE, para, até onde sei, substituir o anterior sistema que já se configurava arcaico e com mais de 100 anos de vigência.
O SISTAFE, aprovado pelo Parlamento moçambicano em 2002, integra cinco subsistemas, nomeadamente o Orçamento do Estado, Contabilidade Pública, Tesouro Público, Património do Estado, e Controlo Interno e tem um conjunto de princípios próprios tais como a regularidade financeira, legalidade, economicidade, eficiência.
É evidente que mesmo que reforcemos as normas e procedimentos outros estarão a reforçar a capacidade de o violar pelo que não há porque retroceder é manter os olhos bem abertos e, podes crer, haverá quem sempre irá a cadeia por o tentar JUMPAR.
Anónimo, Matsinhe & Nuno
Tenho medo que, por exemplo, o Anónimo já não se irrite, que ache normais certos barulhos mas é fundamental que continue a preocupar-se. Há discursos e discursos; há ditos e ditos com um alcance invejável fora de portas e em círculos com algum poder de "ajudar". É necessário não despresar esses camaradas são ouvidos lá fora
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