quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Manifesto Político

No site da Internet www.mozmundo.com (temporariamente fora do ar) Policarpo Mapengo, meu amigo (talentoso escritor e jornalista cultural), escreveu e publicou um texto com o título em epígrafe. A partir desse texto, surgiu um debate que pretendo estender através deste canal em torno dos seguintes assuntos:

Ø O descrito no texto é dramatismo ou realidade?
Ø Deixamos de ter um Xiconhoca ou este se adaptou aos novos tempos e a nova realidade política, económica e Social?
Ø É na verdade, a globalização a nova face da colonização ou o que nos atormenta é a nossa fraca preparação para a enfrentar?
Ø A Utopia morreu ou perdêmo-la neste percurso dada a nossa incapacidade de a reinventar em face dos novos desafios?

Eis o Texto:

Manifesto Político

Por: PC Mapengo

“No meu país já não há Xiconhoca.

O capitalismo mostrou-se mais forte, recolonizou-nos pela globalização e não seguimos os princípios de igualdade simbolizados por um quilo de arroz por pessoa.

Aqui vivemos nesta liberdade simplesmente reservada aos mais fortes, estamos na selva, aliás na economia do mercado.

Esqueceram-se os princípios utópicos que nos fizeram rasgar as mangas da balalaica por um Moçambique melhor, por um país soberano!

Mas o que é soberania? Este conceito é determinado pelos mais fortes e, a nós, só resta repetir o que nos mandam.

Levamos anos a combater a burguesia. Mas sabíamos que não podíamos vencer e o nosso hino que proclamava essa luta contra a burguesia, já não fazia sentido, era uma vergonha nacional, todos nós queríamos ser burgueses e como combater o que queremos ser? O melhor era combater esse hino para não proclamarmos (até no parlamento) o nosso próprio fim!

Abaixo a burguesia!

Escutamos com saudade a voz forte num velho aparelho gravador. Saudades sim mas ninguém quer voltar porque não podemos esquecer o tempo que passou. Mas vamos nos deleitar ouvindo. Alguém comenta sobre a criminalidade e outro completa: naquele tempo isto não era possível.

Não era possível sim, eram bons tempos aqueles que ninguém quer mais voltar, todos queremos andar, queremos uma parcela para montarmos a nossa banca, violar as leis e contar com o apoio incondicional (se tiveres uma notinha) da polícia.

Independência ou morte, venceremos!

Essa é outra utopia, a nossa independência é muito cara, nem morte nem vitória conseguimos, ou não queremos mais essa luta, queremos pão, mas dizem que o combustível está caro e as coisas também devem subir, o dólar também não nos perdoa, nós dependemos do rand da vizinha Jhone. Mesmo com esta dependência económica somos realmente independentes.

A luta continua!

Isso não. Lutaremos pelo pão, lutaremos por dinheiro para transporte, lutaremos por levar nossos filhos a escola, mas não queremos mais lutar por ideologias, não nos metam nessa história de democracia!

Alguém me pergunta o que é democracia.

É a oportunidade que o povo tem de escolher a quem vai alimentar de cinco em cinco anos!”






Promover a Cultura em Moçambique: um Imperativo Nacional

O que é Cultura?

Segundo os dicionários cultura significa: Conjunto de costumes, crenças e actividades de um grupo social.

Com suas raízes na história, influenciada por inúmeros factores, podemos dizer que cultura é A FORMA DE SER de um povo. Todo ser humano nasce com características individuais que serão moldadas de acordo com a cultura vigente a seu redor.

A criança moçambicana nascida no agreste Pafuri aprenderá a lidar com cabras e dormirá ouvindo canções de embalar em Changana ancestral, cultura que sobreviveu a chegada do colonizador europeu que impôs por estas latitudes sua cultura a ferro e fogo.

A criança urbana do centro de Maputo e a campesina que brinca em Mandlakazi são ambas moçambicanas, porém é inegável que irão crescer sob estímulos radicalmente diferentes. Assim, cada individuo será determinado, marcado indelevelmente desde cedo tanto nos traços físicos como nos emocionais e mentais por esta “forma de ser”. Ao mesmo tempo que recebe esta carga cultural que o modela, ele próprio se torna o agente continuador dela. Curioso por natureza, o homem viajou entrando em contacto com outros povos aos quais influenciou sendo também por ele influenciado, disseminando costumes diferentes que hoje são mostrados em tempo real pelos quatro cantos da terra via meios de comunicação de massa.

São estes meios que nos trazem o Hip Hop das Américas, o zouk e a passada de França, Cabo Verde ou Angola, o samba do Brasil e outras formas ou representações que vão se enraizando na realidade moçambicana.

É impossível ouvir rádio hoje em Moçambique sem que passe o semba de Angola, o samba do Brasil ou o Hip Hop dos EUA. Inclusive, assistimos a uma americanização dos jovens moçambicanos em função desses estilos ao invés da sua moçambicanização a exemplo do projecto Mabulo.

Nas várias “nações” que Moçambique comporta dentro de si floresceram inúmeras culturas, que adquiriram forte personalidade, sendo famosas algumas características que as diferenciam das demais, com destaque para: alegria, hospitalidade e criatividade.

Esses valores não sendo estáticos foram sendo modificados em função dos estágios porque passamos ao longo da nossa história mas permanecem vivos e actuais, prontos para a miscigenação que se advinha com o processo irreversível da globalização.

A questão que se coloca é: estamos preparados para a globalização cultural?

A aculturação é um risco real ou é uma cisma na cabeça de alguns (inclusive na minha) longe de poder acontecer em Moçambique?

Nesta época do florescimento de uma verdadeira “indústria” cultural (se é que assim a podemos chamar) estarão os agentes dessa indústria preparados para manejar os instrumentos legais ao dispor e em seu benefício?

Tenho os meus receios que não!

Precisamos dar passos no sentido da preservação dos nossos valores. Precisamos valorizar as instituições que já existem e fortalecê-las no sentido de não nos deixarmos arrasar pelo Tsunami que a globalização pode constituir caso não estejamos preparados.

Incumbe a todos nós a preservação dos nossos valores; da nossa cultura. Longe de entrar no debate da “nacionalidade” do que se faz musicalmente ou noutras áreas culturais, é necessário estimular e valorizar o conjunto de manifestações culturais tipicamente moçambicanas promovendo-as e disseminando-as.

Moçambique tem um quadro legal que, longe de ser perfeito, permite o aparecimento de promotores culturais com ganhos reais para todos. Esse quadro legal precisa ser promovido e reforçado. Precisamos levar os “fazedores” da cultura e os empresários culturais a usar esse quadro a seu favor. Tentaremos, através deste espaço, promover esse quadro.

Mas esse quadro precisa ser reforçado de modo a que mais empresários se interessem pela promoção cultural.

Tentemos usar a criatividade que nos caracteriza como povo para encarar a globalização de peito aberto recebendo dela mas, oferecendo ao mundo a riqueza cultural que Moçambique patenteia.
Usemos os instrumentos ao nosso dispor para nos fortalecer.

O mundo não nos deve conhecer por fazer mal Hip Hop tem que nos conhecer por fazer bem o que é nosso. Olhemos para o que melhor se fez em Moçambique para promover a cultura desde as leis existentes até acções concretas, buscando inclusivamente experiências de outros que definiram claramente as suas políticas de Cultura.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Projecto de Regulamento do Trabalho Doméstico (1)

Prometi em tempos que traria para este espaço o projecto de regulamento do Trabalho Doméstico. Eis me aqui. Pela sua extensão, publica-lo-ei de forma faseada. Vão aqui, e agora, os capítulos I e II (até a secção III).

CAPÍTULO I

Disposições gerais

Artigo 1
(Objecto)
O presente diploma regula as relações laborais emergentes do contrato de trabalho doméstico.

Artigo 2
(Âmbito de aplicação)

O presente regulamento aplica-se aos empregados domésticos que prestam trabalho doméstico a um agregado familiar ou equiparado.

O regime previsto neste diploma aplica-se também aos empregados domésticos, que prestam actividade aos agregados familiares ou equiparados, quando contratados por conta pessoas colectivas sem fim lucrativo, sem prejuízo de as partes acordarem a aplicação do regime previsto no número seguinte.

O presente diploma não se aplica ao trabalhador por conta de outrem que, apesar de prestar trabalhos domésticos, possua vínculo com uma pessoa singular ou colectiva de fim lucrativo, ou ao agregado familiar, por conta daquela.

Artigo 3
(Trabalho doméstico)

1. Considera-se trabalho doméstico o serviço subordinado, prestado, com carácter regular, a um agregado familiar, no domicílio deste, compreendendo nomeadamente:

a) Confecção de refeições;
b) Lavagem e tratamento de roupas;
c) Limpeza e arrumo de casa;
d) Vigilância e assistência a crianças, pessoas idosas e doentes;
e) Tratamento e cuidado de animais domésticos;
f) Realização de trabalhos de jardinagem;
g) Execução de tarefas externas relacionadas com as anteriores;
h) Outras actividades acordadas.

2. Não se considera trabalho doméstico a prestação dos trabalhos, previstos no número anterior, quando se realize de forma acidental, intermitente, com autonomia ou voluntariamente.

Artigo 4
(Empregado doméstico)

1. Considera-se empregado doméstico aquele que presta trabalho doméstico por conta de outrem, na habitação ou local de residência deste, mediante remuneração.

2. É vedado aos empregadores admitir ao trabalho doméstico menores que não tenham completado 15 anos de idade, salvo os casos de autorização do respectivo representante legal.

Artigo 5
(Carteira de trabalho)

Os que pretendam exercer a sua actividade como empregados domésticos deverão possuir carteira de trabalho, que será emitida em moldes a regulamentar.


CAPÍTULO II

Do contrato de trabalho doméstico

SECÇÃO I

Das cláusulas contratuais

Artigo 6
(Contrato de trabalho doméstico)

Entende-se por contrato de trabalho doméstico o acordo pelo qual uma pessoa se obriga a prestar a outra, com carácter regular, sob a sua direcção e autoridade, actividades destinadas a um agregado familiar, ou equiparado, e dos respectivos membros, mediante remuneração.

Artigo 7
(Forma)

1. O contrato de trabalho doméstico não está sujeito a forma escrita.

2. O contrato de trabalho doméstico deverá ser reduzido a escrito quando se destine à prestação de trabalhos domésticos por um determinado prazo, certo ou incerto.

O acordo escrito pode ser celebrado sob a forma de contrato ou de simples declaração, Modelo I em anexo, devendo conter os seguintes elementos:

a) A identificação do empregador e do seu domicílio;
b) A identificação do empregado;
c) O local de trabalho;
d) A duração do contrato;
e) A remuneração e a forma do seu pagamento;
f) O número de beneficiário de segurança social;
g) A data de celebração e a assinatura das partes.

O contrato de trabalho doméstico considera-se celebrado por tempo indeterminado, sempre que não tenha sido acordada, por escrito, a existência de um prazo.

Artigo 8
(Contrato a prazo certo ou incerto)

O contrato de trabalho doméstico pode ser celebrado a prazo certo ou incerto.

O contrato de trabalho doméstico é celebrado a prazo certo, por escrito, desde que a sua duração, incluindo as renovações, não exceda 1 ano.

O contrato de trabalho doméstico só pode ter duas renovações, considerando-se automaticamente renovado, se o empregado doméstico se mantiver ao serviço para além do prazo estabelecido.

O contrato de trabalho doméstico a prazo certo converte-se em contrato por tempo indeterminado, se o empregado doméstico continuar ao serviço por um prazo superior a 15 dias, a contar da data do termo ou da sua última renovação.

O contrato de trabalho doméstico é celebrado a prazo incerto, quando, por escrito, as partes fazem depender a sua cessação da verificação de um facto ou acontecimento futuro e incerto.

Artigo 9
(Modalidades)

O contrato de trabalho doméstico pode ser celebrado com ou sem alojamento e com ou sem alimentação.

Considera-se alojado, para os efeitos do presente diploma, o empregado doméstico que, para além da remuneração em dinheiro, possui uma contraprestação em espécie, que compreende o alojamento ou alojamento e alimentação.

O contrato de trabalho doméstico pode ser celebrado a tempo inteiro ou a tempo parcial.

O contrato de trabalho doméstico pode ser celebrado para a realização do “trabalho a dias”.

Artigo 10
(Período probatório)

O empregado doméstico poderá ser submetido a regime probatório não superior a 3 meses, findo o qual, se não for dispensado, considera-se admitido, com efeitos a partir da data de início da actividade.

O período probatório pode ser excluído ou reduzido pelas partes, mas nunca alargado, desde que a cláusula de exclusão ou redução seja estabelecida por escrito.

Qualquer das partes, durante o período probatório, pode fazer cessar o contrato, imediatamente, sem alegação de justa causa e nem direito a qualquer indemnização.

O empregado doméstico alojado, em caso de cessação do contrato durante o período probatório, pode ser desalojado imediatamente, se as circunstâncias assim o aconselharem, ou ser-lhe concedido um prazo não superior a 1 dia para que abandone o alojamento.

O período probatório conta para efeitos de antiguidade.

SECÇÃO II

Dos direitos e deveres das partes

Artigo 11
(Direitos do empregador)

São direitos do empregador:

a) Exigir do empregado doméstico a prestação do trabalho que tiver sido acordado;
b) Dirigir e fiscalizar o modo como o serviço é prestado;
c) Determinar as medidas de higiene e segurança no trabalho e de prevenção de acidentes de trabalho e doenças profissionais;
d) Manter a disciplina.

Artigo 12
(Deveres do empregador)

São deveres do empregador:

a) Pagar pontualmente a remuneração convencionada;
b) Tratar o empregado doméstico com correcção e fornecer-lhe os meios necessários à execução do seu trabalho;
c) Facilitar ao empregado doméstico assistência médica por acidentes de trabalho ou doenças profissionais e satisfazer as respectivas indemnizações;
d) Zelar pela elevação profissional e cultural do empregado doméstico.

Artigo 13
(Direitos do empregado doméstico)


São direitos do empregado doméstico:

a) Receber a remuneração na forma convencionada;
b) Ter assegurado o descanso semanal e férias anuais remuneradas;
c) Beneficiar de assistência médica e medicamentosa em caso de acidente de trabalho ou doença profissional;
d) Ser tratado com correcção e respeito.

Artigo 14
(Deveres do empregado doméstico)

São deveres do empregado doméstico:
a) Cumprir com diligência e honestidade o trabalho acordado;
b) Prestar obediência e respeito ao empregador, às pessoas de sua família e às que vivam ou estejam transitoriamente no seu lar;
c) Observar as medidas de higiene e segurança no trabalho estabelecidas pelo empregador e pelas entidades competentes;
d) Proceder lealmente com o empregador e manter boas relações com os outros empregados domésticos e terceiros, se os houver, de modo a não prejudicar o serviço de cada um e a tranquilidade da vida doméstica;
e) Zelar pelos interesses do empregador.

Em caso de perigo iminente de pessoas e bens, e sem prejuízo da sua integridade física, o empregado doméstico deverá prestar o serviço que lhe for determinado.

SECÇÃO III

Da disciplina do trabalho

Artigo 15
(Poder disciplinar)

O empregador tem poder disciplinar sobre o empregado doméstico que se encontre ao seu serviço.

Para a aplicação de qualquer sanção disciplinar não é necessária a elaboração de processo disciplinar.

A aplicação da sanção disciplinar de despedimento deve ser feita por escrito, com a indicação dos factos que a fundamentam.

Em caso algum poderão ser aplicadas ao empregado doméstico, por violação dos seus deveres, castigos corporais ou outros que ponham em causa a sua integridade física ou moral.

Artigo 16
(Infracções disciplinares)

Considera-se infracção disciplinar todo o comportamento culposo do empregado doméstico, que viole os seus deveres laborais, nomeadamente:

a) A recusa, omissão ou negligência em executar o trabalho convencionado;
b) A ausência do posto de trabalho sem permissão ou motivo justificado;
c) A desobediência às ordens dadas pelo empregador ou outros membros do agregado familiar, em objecto de serviço;
d) A prática de ofensas corporais, de injúrias, mau trato, ou de outras ofensas sobre o empregador, membros do agregado familiar e pessoas das relações do agregado familiar;
e) A embriaguez, o estado de drogado ou quaisquer hábitos ou comportamentos que não se coadunem com o ambiente normal do agregado familiar;
f) A introdução abusiva no domicílio do agregado familiar de pessoas estranhas ao mesmo;
g) O furto ou roubo de bens alimentares, objectos ou demais pertenças do empregador, do seu agregado familiar, hóspedes ou terceiros;
h) O abandono do trabalho.

Não constitui infracção disciplinar a desobediência a ordens ilegais ou as que ponham em causa a integridade moral do empregado doméstico.

O assédio sexual praticado pelo empregador, no local de trabalho ou fora dele, confere o direito à indemnização correspondente a 10 salários do empregado doméstico ofendido.

Artigo 17
(Abandono do trabalho)

Considera-se abandono do trabalho a ausência do empregado doméstico ao serviço sempre que for acompanhado de factos que, com toda a probabilidade, revelem a intenção de o não retomar.

Presume-se abandono do trabalho a ausência do empregado doméstico ao serviço por um período de 5 dias, sem que o empregador tenha recebido a comunicação do motivo da ausência.

A presunção estabelecida no número anterior pode ser afastada pelo empregado doméstico mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência.

O abandono do trabalho corresponde à rescisão do contrato e constitui o empregado doméstico na obrigação de indemnizar o empregador, nos termos do n.º 5 do artigo 31 deste diploma.

Artigo 18
(Sanções disciplinares)

O empregador tem poder disciplinar sobre o empregado doméstico, a quem poderá aplicar as seguintes sanções disciplinares:

a) Repreensão verbal ou escrita;
b) Suspensão temporária do empregado doméstico, até ao limite de 3 dias, sem direito a remuneração;
c) Despedimento.