sexta-feira, 29 de julho de 2011

O Desabafo de Custódio Duma

Num texto que pode ser lido aqui (igualmente debatido no seu mural no Facebook) Custódio Duma debruça-se sobre as más práticas de funcionários públicos que, no exercício das suas actividades, vivem prejudicando o cidadão. Diz, e bem, o Custódio Duma que “um funcionário público é um servente. É verdade sim! Um funcionário público é servente do cidadão, ele é contratado pelo Estado para servir aos cidadãos. Os cidadãos, através dos impostos que pagam ao Estado, contribuem para o ordenado que mantêm os funcionários no activo.”
Infelizmente, e vale aqui reconhecer, há funcionários públicos que desvirtuam esta grande máxima. Duma descreve algumas práticas de polícias, enfermeiros, funcionários do atendimento ao público em guichets, etc. etc. Poderíamos acrescer à lista do Duma aqueles que desviam fundos públicos e que vão sendo, exemplarmente, condenados um pouco por todo o lado neste nosso Moçambique amado. O texto em referência termina com uma provocação segundo a qual “precisamos encontrar outro conceito para os fins do Estado, já que estes agentes não prosseguem o fim para que foram contratados, garantir a justiça, a segurança e o bem-estar dos cidadãos. Já que caminhamos para uma possível revisão Constitucional, porque não propormos acrescentarem nos fins do Estado o seguinte: “O Estado também visa extorquir o cidadão, prejudicar o cidadão e realizar os objectivos dos seus representantes?””
Forte.
Este debate lançado pelo Custódio Duma fez me recordar tantos outros que correram no passado. Foram debates acesos envolvendo figuras ilustres como Gabriel Muthisse, Elísio Macamo, Machado da Graça e muitos outros. Tal como nessa altura, no debate lançado por Custódio Duma, o funcionário está no centro do furacão, relegando-se para plano secundário o que propicia os fenómenos descritos no texto do Duma que, para mim, resumem-se ao deficit na procura e oferta de serviços públicos.
Para além da secundarização do que julgo ser o cerne da questão, notei uma excessiva generalização no texto. De certeza que existem funcionários públicos que encaixam ou podem encaixar na descrição que faz. Mas, por outro lado, existem tantos zelosos e bons que põem a máquina administrativa pública a funcionar.
Aliás, como bem disse o Duma no seu espaço no Facebook, o texto constitui um desabafo de um pacato cidadão (daí o título do texto) e a ideia foi colocada, segundo ele, na convicção de que uma boa parte dos funcionários são realmente prejudiciais ao Estado e ao Cidadão. Esses, segundo ainda Duma, “encontro todos os dias, nas estradas e nos guichés, mancham os bons que menciona!! Mancham os bons que fazem de tudo para manter a nossa função publica a funcionar.” Pergunta o Duma “porque esses bons não expurgam os maus?”
É pois esta ideia que me assusta. Parece que bastaria “expurgar os maus” para que tudo ficasse bem. Nesta visão, esquecemos quase sempre, de indagar o porque do aparecimentos destes “maus” que temos que “expurgar”.
Este debate, como já se sugeria nos debates passados a que fiz alusão acima, não pode ser visto unicamente do ponto de vista MORAL como se o moçambicano, subitamente, tivesse perdido o senso e todos os valores.
Muito do que o Custódio Duma refere no texto em alusão, de facto, acontece na função pública. Mas na minha perspectiva acontece devido ao enorme desequilíbrio entre a procura e a oferta de serviços públicos. Assim, se nos concentrarmos unicamente nas pessoas (do ponto de vista de os bons eliminarem os maus) corremos o risco de perder grande parte do foco da coisa.
Entendo que mesmo que pagássemos principescamente aos funcionários públicos se o foço entre a procura e a oferta de serviços públicos continuar tão elevado como acontece actualmente este fenómeno continuará real. Uma maior oferta em quantidade e qualidade de serviços públicos poderá contribuir para a eliminação destas práticas. Entendo que se a nível do investimento em serviços públicos (e isto envolve tudo: meios, pessoas, infra-estruturas etc) continuarmos na mesma, os problemas continuarão. Enquanto os serviços públicos forem escassos e todos nos apinharmos nos poucos que existem o funcionário público sem sentido de missão que se lhe espera verá nessa demanda uma grande fonte de renda e não hesitará na prática de actos corruptos.
Portanto, a escassez de serviços públicos em quantidade e qualidade desejada torna os sítios onde esses serviços existem em autênticos viveiros onde algumas pessoas fazem florescer a corrupção. É um facto que os funcionários públicos ganham mal, mas como disse, mesmo que TODOS fossem pagos a medida do que consideraríamos justo, com serviços públicos escassos e deficitários, os viveiros continuarão a florescer.
É evidente que esta minha visão pode não encerrar tudo o que está por detrás do fenómeno corrupção mas, as oportunidades que tornam este fenómeno possível são enormes num cenário de carência como o que vivemos.