segunda-feira, 29 de setembro de 2008

CONJECTURAS - Há ou Não Lugar a Indemnização às Vítimas da Xenofobia na RSA

Apresento abaixo um email no qual fui gentilmente copiado por um amigo e colega, bem como o debate que se seguiu via email. Trago o para aqui tentando, na medida do possível, alargar o debate e reflectirmos um pouco mais sobre esta questão tão delicada.
"Bom dia meus compatriotas,

Certamente que alguns de vós terão assistido a um debate em que participei ontem na TVM, logo depois do telejornal.
Houve uma controvésia entre eu e os outros dois participantes sobre um pretenso direito à indemnização a ser paga pelo Estado Sul-Africano aos moçambicanos vítimas de xenofobia.

Eu entendo que só haveria dever de o Estado Sul-Africano indemnizar aos moçambicanos se os actos de xenofobia tivessem sido perpetrados por funcionários ou agentes do Estado Sul-Africano.

Tendo sido cidadãos os autores daqueles actos criminosos, o Estado não tem qualquer responsabilidade civil pelos actos criminais cometidos por aqueles. Daí que eles tenham sido julgados e condenados a penas de prisã pesadas e a indemnizarem às vítimas.

Entretanto, entendem os outros compatriotas que o Estado Sul-Africano deve indemnizar aos moçambicanos e que o Governo Moçambicano deveria exigir uma indemnização à Africa do Sul. Sustentam essa posição porque na Alemanha as pessoas também foram e ainda hoje estão a ser indemnizadas por terem sido vítimas do holocausto (massacre de Judeus e outros cidadãos que não fossem da raça ariana).

Entendo eu que esta-se a misturar o trigo e o joio. Isto porque na Alemanha quem massacrou os judeus foram funcionários do Estado, daí que o Estado tenha o dever de indemnizar às vítimas dos actos praticados pelos seus funcionários. Facto completamente diferente daquilo que aconteceu na África do Sul.

Bom, mais vale ser ignorante por um minuto do quer burro para sempre. Humildemente vos peço que me dêm a vossa posição sobre esta "vexata quaestio", em nome da verdade e do dever que, como cidadãos, temos para com o povo moçambicano.

Podemos ou não exigir indemnização ao Estado da África do Sul pelos crimes cometidos por qualquer cidadão daquele povo irmão contra os nossos irmãos moçambicanos?

Tenham um bom dia de trabalho."
O primeiro comentário foi nos seguintes termos:
"Em minha opinião o Estado Sul-africano tem o dever de indemnizar aos moçambicanos. uma vez que, foi praticado um crime por agentes não do Estado, mas invocando a nacionalidade daquele Estado. E a RSA deve proteger todos os estrangeiros devidamente autorizados a residir lá. E esse caso teve contornos a nivel do Estado, pondo até em causa o poder do Estado, deautorizando as autorizações do Estado. Enfim. É situação diferente de ser assaltado na RSA por um cidadão sul-africano."
O Seguinte:
"A meu ver, o Estado sul-Africano tem o dever de proteccao tanto aos Sul-Africanos assim como a qualquer estrangeiro admitido legalmente no seu territorio. Naturalmente, o Estado Sul-Africano nao pode ser responsabilizado pelo bem estar de alguem que entrou ilegalmente no seu territorio, faz uso dos bens publicos e nao paga impostos etc.

Se eu tivesse sido vitima "material" da xenophobia teria naturalmente direito a processar o Estado Sul-Africano pelo incumprimento do seu dever.

A Constituicao Sul-Africana nao distingue os Estrangeiros dos Sul-Africanos quanto aos (seus) direitos, deveres e liberdades.

O Estado nao eh apenas responsabilizado por (in)accao mas tambem por omissao."
O terceiro:
"esta questão é um bocado sensível. A priori me parece absurda a ideia de solicitar a indemnização, mas há aspectos que deveriam ser analisados antes de se decidir sobre se pode ou não exigir indemnização, nomeadamente:

i) se houve ou não negligencia “grossa” das forças de segurança (protecção civil, etc.) ou de qualquer outro agente do Estado relevante (que tivesse poder/obrigação para eliminar/estancar/minimizar os actos criminosos) durante a ocorrência dos actos cometidos;

ii) é preciso averiguar se foi feito um trabalho por parte do Governo Sul-africano (maxime de um agente relevante) para acautelar que os direitos dos moçambicanos afectados/em risco de ser afectados fossem devidamente protegidos de eventuais continuações de agressões;

iii) é ainda necessário saber se o Estado Sul-africano cuidou de processar os agentes perpetradores após as agressões cometidas ou não, e que consequências práticas eventuais condenações teriam sobre os direitos ora ofendidos.

A tese de fundo é a seguinte: os Estados possuem obrigações para com os seus cidadãos, em seu território e em território estrangeiro, e, para com os cidadãos estrangeiros que se encontrem dentro do seu espaço territorial. Nestes termos, há duas questões subjacentes:

1. Será que o Governo Sul-africano cumpriu para com as suas obrigações para com os cidadãos moçambicanos que se encontravam em solo sul-africano?

2. Será que - caso se prove que o Governo Sul-africano não fez (atempadamente) o que deveria ter feito (entenda-se: se não tiver feito o suficiente) e se prove que tal omissão tenha contribuído para que as consequências dos crimes cometidos tenham sido maiores do que poderiam ter sido – o Estado moçambicano deverá simplesmente actuar representando aquela famosa simbologia dos macacos com as mãos nos ouvidos, olhos e bocas, se escondendo da verdade (8?) ou deverá agir em conformidade com as suas obrigações para com os seus cidadãos?

Ontem vi um documentário na RTP Africa, denominado “The Burning Man - Ernesto Alfabeto Nhamuave” filmado parcialmente na África do Sul e em Moçambique (uma iniciativa da FAR – Filmakers Agaisnt Racism) e retratou um pouco sobre os ataques xenófobos, com maior ênfase para o caso do Sr. Ernesto Alfabeto Nhamuave (o homem que foi queimado), e da sua família (mulher, e dois filhos) que o mesmo deixou em Homoíne, Inhambane. O efeito social, moral, político, psicológico, etc., causado por alguns “cidadão [s] daquele povo irmão contra os nossos irmãos moçambicanos” exige resolução apropriada para que possamos continuar a caminhar no sentido de alcançar as metas de um estado de direito.

Os ataques xenófobos constituem crimes, o crime não pode ficar impune, e o Estado Sul-africano tem o dever de criar condições para que estes crimes não fiquem impunes, e, acima de tudo, o Estado Moçambicano tem o dever de garantir (acompanhando o processo, pelo menos) que o Estado Sul-africano assegure que os crimes não fiquem impunes."
Expressei a minha opinião nos seguintes termos: "Em que é que se fundaria o tal dever de indemnizar? Na acção de um conjunto de arruaceiros que o Estado deve perseguir e punir? Não vejo que nestes termos haja razão para indemnizar.

Agora, se tivermos em conta que a acção da polícia e considerarmos que o Estado omitiu o seu dever de proteger os cidadãos através de mecanismos próprios criados então, posso concordar que haja razão para os nossos concidadãos e outros exigirem tais indemnizações.

Pelos actos xenófobos como tais, não vejo nada que possa fundamentar um pedido de indemnização ao estado sul africano."
Qual é a sua opinião?