segunda-feira, 7 de maio de 2012

Histórias de Uma Vida

Histórias de uma vida.

Júlio S. Mutisse

Ideiassubversivas.blogspot.com

Julio.mutisse@gmail.com



PC Mapengo, esse irmão que a vida me deu.

Não te estou a substituir nas cartas. Tenho consciência de que os melhores são insubstituíveis e, a nós, pobres mortais, nada mais nos resta a não ser fazer um grande esforço para sermos tão bons como os melhores. Quem visitar o seu cantinho de Cartas a Moda Antiga (abandonado há quase um ano) confirmará que estou a leguas de distância nesta arte de escrever cartas. Mas não é só em escrever cartas que me deixas para trás. A sua escrita tem flow. Eu tenho que aprender a dar esse flow. É a sina.

Mesmo assim tomei a decisão de te escrever. Infelizmente a decisão não foi acompanhada do consenso comigo mesmo sobre o que abordar nesta carta para ti. De que deveria falar uma carta para ti? É difícil. A dificuldade nem se quer deriva da falta de assuntos entre nós. É por serem tantos.

Podíamos falar de economia. Mas como abordar um tema desses quando a nossa inteligência não pesca nada de economia? Lá que seria interessante, não tenho dúvidas e acho que devíamos fazer um esforço para percebermos essa ciência que tem reflexos incríveis nas nossas vidas. Já viste o raciocínio por detrás dos últimos aumentos salariais? Todos giram a volta do desempenho económico em tempo de crise.

Se calhar, como disseste um dia, “os heróis devem ser constantemente renovados para se adaptarem aos contextos.” Concordo consigo, é importante ver como é que em pleno século XXI, na era da globalização, de mercados comuns, do carvão de Tete, do Gás de Temane e da Bacia do Rovuma, do possível petróleo, da madeira que só se pode exportar processada etc., podemos usar a figura dos heróis que exultamos, como catalisadores nas várias batalhas que ainda temos que travar. Já imaginaste o Plano Prospectivo Indicativo nesta era? Como teria sido a transição da economia centralizada para a de mercado se conhecéssemos todo este potencial nos recursos naturais? Como teriam laborado as mentes por detrás do PPI? Estes seriam pontos de partida para analisarmos as opções de hoje e seu impacto para o futuro. É que eu quero, e acredito que também queiras, que tudo isso garanta, a breve trecho, um bem estar económico (seja lá isso o que for) e social e que nossos filhos, potenciados pelas opções que forem tomadas hoje, transformem Moçambique num país melhor que a Suiça para se viver.

Nós somos sonhadores irmão. Sabes disso, o 13 de Outubro que compartilhamos deu nos isso de comum. E por sonhar não pagamos nada. Aliás, nos nossos tempos livres devíamos investir em sonhar. É uma actividade interessante e, melhor ainda, de borla ao contrário de algumas a que nos entregamos. Quando os tempos livres cessassem deveríamos procurar realizar esses sonhos. Sei que aqui as coisas vão mudar de figura mas, de que vale poupar no sonho se não podemos investir na sua materialização?

Poderíamos falar da trapalhada patética que a PRM nos dá a assistir. É mesmo necessário aquilo tudo? Os pronunciamentos recentes do Comandante Geral da Polícia (por acaso jurista como eu) soaram a quem perdeu a razão e a força é a única coisa que lhe resta. Ninguém no seu perfeito juízo vai pôr em causa a necessidade do procedimento disciplinar que visa determinar o grau de envolvimento e a culpa para, em face disso, aplicar (ou não) as medidas disciplinares previstas nos regulamentos em vigor. O que não se percebe é todo o espetáculo e o atropelar de tudo que é norma que o Comandante Geral da Polícia, pelo seu estatuto e formação, deveria conhecer. Infelizmente, pela voz do Comandante Khalau, os visados já estão condenados, são culpados e já se sabe tudo o que se deveria fazer em face de procedimentos próprios quer administrativos quer judiciais. Está condenado aquele homem e seus colegas.

Podiámos retomar a nossa discussão sobre a necessidade de adequação do nosso sistema de ensino às actuais necessidades do país. Mais do que dotar o país de quadros, há que formar tendo em vista o rumo que, em termos de estratégia de desenvolvimento futuro, o pais vai tomar. Isso requer planificação e trabalho de equipa. Não me parece que seja tarefa do Ministério da Educação apenas. Será que vale a pena (mesmo considerando a necessidade de quadros formados na Administração Pública) o esforço que o Estado faz para formar pessoas em Administração Pública em 3 ou 4 instituições públicas? Interessa a quantidade ou qualidade? Porque não considerar a concentração do esforço despendido na UEM, ISRI numa instituição como ISAP exclusivamente especializada a isso e libertar recursos para o reforço de cursos como geologia, minas, petróleo, agronomia, medicina etc? É um mero exemplo. Sei que vamos bater boca sobre isto mas, pelo menos, a meio, lembraremos a nossa meninice, o rabo pregado ao chão duro e gelado e a iniciação ao desenho feita com os cadernos apoiados aos joelhos e/ou no chão. Não admira que não sejamos arquitetos nem engenheiros. Não se podia exigir isso de nós. Podemos, por isso, fazer um esforço para entender a insistência do Ministro da Educação com as carteiras alternativas pese embora seja difícil aceitar aquele tipo, considerando a quantidade de madeira que se exporta que depois nos faz falta para pôr nossos filhos sentados.

Teríamos consensos falando de música. Podiamos falar do homem de causas que foi o Lucky Dube, que deu a cara denunciando o apartheid e pregando a união racial. Isso foi num período (o das panelas como dizes). Depois podemos falar da era pos apartheid e do seu envolvimento com temas pro-cidadania, pregando a não violência, a felicidade, o amor etc.. É uma pena que um homem que falou do crescimento das estatísticas de assassinatos tenha se tornado parte dessas estatísticas. Podemos falar das “divas” moçambicanas. Por mais que divaguemos tenho certeza que acabaremos por reconhecer esse estatuto à Mingas e olharemos para a paisagem à sua volta e encontraremos pretendentes a esse estatuto. Vamos discutir o negócio que é a música e as oportunidades que se perdem de toma-la como tal. A propósito, disse me um amigo habituado a idas e voltas para Angola que o estágio actual da música mangolé foi potenciado pela fixação de quotas nas rádios daquelas bandas que devem, na maior parte do tempo, passar música local. Eu sou obrigado a pagar uma taxa de radiodifusão para o carro e em cada compra de energia e tenho canais da rádio pública a passar tanta música estrangeira (angolana e cabo-verdiana) em detrimento da nossa. Para calar essa revolta socorro me da “Cada vez mais ouvida”índico que consegue presentear me com muito de nós. Eles deviam merecer parte dessa taxa que a polícia nos exige e ameaça nos multar como se de um imposto se tratasse.

Podíamos falar de tudo meu irmão. Tudo mesmo. Gosto quando falas da primazia do trabalho. Por essa razão, emularíamos aqueles aqueles que, mesmo sem emprego (sorte de muito poucos em Moçambique) dão o melhor de si, garantindo bem estar para si e para os seus; garantindo renda e melhoria das suas condições de vida. A esses todos, do Rovuma ao Maputo, daríamos um BAYETE sonoro na semana dos trabalhadores.

Um abraço meu irmão.

Cantando ODE ao Trabalho

Cantando ODE ao Trabalho

Júlio S. Mutisse

Ideiassubversivas.blogspot.com

Julio.mutisse@gmail.com


Pensei em escrever uma carta ao trabalhador moçambicano felicitando-o pelo 1º de Maio. Desisti. Acho que já não sei escrever cartas. A globalização recolonizou-me e as novas tecnologias de comunicação e informação tomaram conta de mim e os clicks abreviados nas mensagens de texto por telefone, as mensagens rápidas no Facebook e outras plataformas mataram o hábito interessante de escrever cartas mesmo para aqueles que estão distantes de nós.

Desisti também porque acho que o trabalhador moçambicano não merece um simples SMS ou mesmo um texto no Facebook. Qualquer desses pode depois ser redifundido, inclusive com edições que podem matar o seu sentido original. O alcance dessas mensagens também contribuiu para a minha desistência. Quero que o meu BAYETE aos heróis do trabalho seja ouvido, sentido e lido não só por aqueles que têm o benefício da telefonia móvel, do computador e similares, mas, também, por aquele trabalhador que tem na enxada, no serrote, catana, plaina, o seu instrumento de trabalho; quero alcançar aquele trabalhador sem sindicato, que não se importa com mínimos salariais por não ser por isso que se bate, que passa horas com os pés mergulhados na lama, sem botas ou qualquer instrumento de protecção, plantando o indispensável arroz à mesa de qualquer um de nós, ou aquele carpinteiro anónimo com o corpo moldado pelos movimentos repititivos manuseando os seus instrumentos de trabalho fabricando o indispensável para nossa comodidade e segurança e, até, para darmos dignidade aos nossos mesmo na hora da morte. Olho para todos esses e digo: o trabalhador moçambicano merece muito mais do que um SMS, ou uma mensagem no Facebook. Ele tem que saber que eu sei que ele existe, esteja ele onde estiver, assalariado ou não.

No 1º de Maio as imagens televisivas mostraram o colorido do dia dos trabalhadores; a festa misturada com mensagens de ordem de trabalhadores assalariados exigindo melhores condições de trabalho, melhores salários etc. Tudo legítimo, o 1º de Maio serve para isso também, afinal o dia simboliza a luta e conquistas dos trabalhadores.

Mas os 1ºs de Maio dão, no nosso país em particular, uma imagem parcial do mosáico de trabalhadores do país. Nesse dia, as centrais sindicais e, no geral, os trabalhadores assalariados reclamam para si os holofotes e passam as suas mensagens, as suas reclamações e suas sugestões. É justo, reconheço. Porém, há que prestar uma atenção maior aos herois do trabalho anónimos, não sindicalizados, que não se batem pelo salário mínimo e que, mesmo assim, trabalham.

E trabalham duro esses heróis. O 1º de Maio é, em tudo, deles também. No 1º de Maio deveríamos ouvir as suas mensagens, as suas reclamações e as suas sugestões. Deveríamos ouvir as suas histórias de vida, quem sabe não influenciariam esse jovem que conheces que passa horas na barraca, entregue a todos os vícios sob pretexto de falta de emprego. Sim, há pouco emprego mas o país está cheio de trabalho. É só olharmos para o lado.

Deveríamos emular os esforço daquela mamana que, faça sol faça chuva, de enxada na mão lavra mais do que um pedaço de terra; lavra a vida, o sustento para os seus e a garantia não só de um prato de comida, mas a esperança e a certeza de um futuro simbolizado nos filhos que alimenta. Não reclama de salário: não é isso que a move. Não reclama nem do sol, nem da chuva que descarregam sobre o seu corpo; antes pelo contrário, trabalha mais e mais e se regozija com a chuva que rega as suas esperanças. Anseia, eventualmente, pela estrada que pode facilitar o escoamento da sua produção e pede que a escola que alberga o filho tenha classes mais adiantadas para que esse não saia tão cedo do seu lado.

Deveriamos cantar odes ao carpinteiro e ao serralheiro da esquina. Esses heróis do trabalho sempre disponíveis principalmente nos nossos dias de folga. Esses heróis que, sem serem médicos nem bombeiros, trabalham quando os outros descansam, construindo mais do que os objectos de que precisamos mas sonhos de um amanhã melhor, o desejo de fazer cada vez melhor numa arte aprendida na escola da vida e aperfeiçoada em cada trabalho. A estes heróis temos que dar espaço para nos falarem do seu período normal de trabalho. Pode ser que nos envergonhemos pelas horas extras que vamos reclamar a seguir. A estes heróis do trabalho há que dar espaço para falarem das nossas janelas lindas, da segurança que nos garantem e do dinheiro que, não poucas vezes, protelamos pagar e, mesmo assim, encontram forças para levantar e recomeçar.

É tempo de dar voz a todos esses que não cabem na estatística dos empregados em Moçambique mas que, mesmo assim, merecem os nossos odes, merecem que lhes prestemos atenção, merecem que se atendam às suas solicitações, na maior parte das vezes mais simples e mais sustentáveis do que um aumento de salário de 50%. Merecem a festa do 1º de Maio até por, muitas vezes, serem os produtores da comida que comemos e, não poucas vezes, nos damos ao desplante de jogar fora quando, bem ao lado, há quem passa fome.

Bem hajam os heróis do trabalho. Assalariados ou não, o país assenta no vosso trabalho e na vossa capacidade criadora. Como diz o nosso hino, é pedra a pedra que construimos o amanhã e o esforço despendido num local, em conjunto com outros milhões, nas empresas, nas oficinas caseiras, nas machambas familiares, nas cooperativas, nos aviários, nos pastos e nas várias tarefas que se tem que abraçar para cumprir o desígnio divino de vivermos pelo nosso esforço.

Bem hajam heróis do trabalho. Bem hajam aqueles que, mesmo sem emprego (sorte de muito poucos em Moçambique) dão o melhor de si, garantindo bem estar para si e para os seus; garantindo renda e melhoria das suas condições de vida. A esses todos, do Rovuma ao Maputo, o meu BAYETE sonoro; que os bancos ouçam o seu apelo e se fixem mais perto de si; que a estrada sinuosa vire um tapete, que a nossa Cahora Bassa ajude a lua e ilumine as suas casas reformando xipefos e velas, que as orientações do Presidente da República sejam prontamente cumpridas, que a rede móvel nos aproxime e a rádio e a televisão nos ajudem na troca de experiências. Este é o meu desejo para si, meu herói do trabalho.