segunda-feira, 7 de maio de 2012

Cantando ODE ao Trabalho

Cantando ODE ao Trabalho

Júlio S. Mutisse

Ideiassubversivas.blogspot.com

Julio.mutisse@gmail.com


Pensei em escrever uma carta ao trabalhador moçambicano felicitando-o pelo 1º de Maio. Desisti. Acho que já não sei escrever cartas. A globalização recolonizou-me e as novas tecnologias de comunicação e informação tomaram conta de mim e os clicks abreviados nas mensagens de texto por telefone, as mensagens rápidas no Facebook e outras plataformas mataram o hábito interessante de escrever cartas mesmo para aqueles que estão distantes de nós.

Desisti também porque acho que o trabalhador moçambicano não merece um simples SMS ou mesmo um texto no Facebook. Qualquer desses pode depois ser redifundido, inclusive com edições que podem matar o seu sentido original. O alcance dessas mensagens também contribuiu para a minha desistência. Quero que o meu BAYETE aos heróis do trabalho seja ouvido, sentido e lido não só por aqueles que têm o benefício da telefonia móvel, do computador e similares, mas, também, por aquele trabalhador que tem na enxada, no serrote, catana, plaina, o seu instrumento de trabalho; quero alcançar aquele trabalhador sem sindicato, que não se importa com mínimos salariais por não ser por isso que se bate, que passa horas com os pés mergulhados na lama, sem botas ou qualquer instrumento de protecção, plantando o indispensável arroz à mesa de qualquer um de nós, ou aquele carpinteiro anónimo com o corpo moldado pelos movimentos repititivos manuseando os seus instrumentos de trabalho fabricando o indispensável para nossa comodidade e segurança e, até, para darmos dignidade aos nossos mesmo na hora da morte. Olho para todos esses e digo: o trabalhador moçambicano merece muito mais do que um SMS, ou uma mensagem no Facebook. Ele tem que saber que eu sei que ele existe, esteja ele onde estiver, assalariado ou não.

No 1º de Maio as imagens televisivas mostraram o colorido do dia dos trabalhadores; a festa misturada com mensagens de ordem de trabalhadores assalariados exigindo melhores condições de trabalho, melhores salários etc. Tudo legítimo, o 1º de Maio serve para isso também, afinal o dia simboliza a luta e conquistas dos trabalhadores.

Mas os 1ºs de Maio dão, no nosso país em particular, uma imagem parcial do mosáico de trabalhadores do país. Nesse dia, as centrais sindicais e, no geral, os trabalhadores assalariados reclamam para si os holofotes e passam as suas mensagens, as suas reclamações e suas sugestões. É justo, reconheço. Porém, há que prestar uma atenção maior aos herois do trabalho anónimos, não sindicalizados, que não se batem pelo salário mínimo e que, mesmo assim, trabalham.

E trabalham duro esses heróis. O 1º de Maio é, em tudo, deles também. No 1º de Maio deveríamos ouvir as suas mensagens, as suas reclamações e as suas sugestões. Deveríamos ouvir as suas histórias de vida, quem sabe não influenciariam esse jovem que conheces que passa horas na barraca, entregue a todos os vícios sob pretexto de falta de emprego. Sim, há pouco emprego mas o país está cheio de trabalho. É só olharmos para o lado.

Deveríamos emular os esforço daquela mamana que, faça sol faça chuva, de enxada na mão lavra mais do que um pedaço de terra; lavra a vida, o sustento para os seus e a garantia não só de um prato de comida, mas a esperança e a certeza de um futuro simbolizado nos filhos que alimenta. Não reclama de salário: não é isso que a move. Não reclama nem do sol, nem da chuva que descarregam sobre o seu corpo; antes pelo contrário, trabalha mais e mais e se regozija com a chuva que rega as suas esperanças. Anseia, eventualmente, pela estrada que pode facilitar o escoamento da sua produção e pede que a escola que alberga o filho tenha classes mais adiantadas para que esse não saia tão cedo do seu lado.

Deveriamos cantar odes ao carpinteiro e ao serralheiro da esquina. Esses heróis do trabalho sempre disponíveis principalmente nos nossos dias de folga. Esses heróis que, sem serem médicos nem bombeiros, trabalham quando os outros descansam, construindo mais do que os objectos de que precisamos mas sonhos de um amanhã melhor, o desejo de fazer cada vez melhor numa arte aprendida na escola da vida e aperfeiçoada em cada trabalho. A estes heróis temos que dar espaço para nos falarem do seu período normal de trabalho. Pode ser que nos envergonhemos pelas horas extras que vamos reclamar a seguir. A estes heróis do trabalho há que dar espaço para falarem das nossas janelas lindas, da segurança que nos garantem e do dinheiro que, não poucas vezes, protelamos pagar e, mesmo assim, encontram forças para levantar e recomeçar.

É tempo de dar voz a todos esses que não cabem na estatística dos empregados em Moçambique mas que, mesmo assim, merecem os nossos odes, merecem que lhes prestemos atenção, merecem que se atendam às suas solicitações, na maior parte das vezes mais simples e mais sustentáveis do que um aumento de salário de 50%. Merecem a festa do 1º de Maio até por, muitas vezes, serem os produtores da comida que comemos e, não poucas vezes, nos damos ao desplante de jogar fora quando, bem ao lado, há quem passa fome.

Bem hajam os heróis do trabalho. Assalariados ou não, o país assenta no vosso trabalho e na vossa capacidade criadora. Como diz o nosso hino, é pedra a pedra que construimos o amanhã e o esforço despendido num local, em conjunto com outros milhões, nas empresas, nas oficinas caseiras, nas machambas familiares, nas cooperativas, nos aviários, nos pastos e nas várias tarefas que se tem que abraçar para cumprir o desígnio divino de vivermos pelo nosso esforço.

Bem hajam heróis do trabalho. Bem hajam aqueles que, mesmo sem emprego (sorte de muito poucos em Moçambique) dão o melhor de si, garantindo bem estar para si e para os seus; garantindo renda e melhoria das suas condições de vida. A esses todos, do Rovuma ao Maputo, o meu BAYETE sonoro; que os bancos ouçam o seu apelo e se fixem mais perto de si; que a estrada sinuosa vire um tapete, que a nossa Cahora Bassa ajude a lua e ilumine as suas casas reformando xipefos e velas, que as orientações do Presidente da República sejam prontamente cumpridas, que a rede móvel nos aproxime e a rádio e a televisão nos ajudem na troca de experiências. Este é o meu desejo para si, meu herói do trabalho.

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