sexta-feira, 26 de junho de 2009

O Caos Anunciado

Anuncia-se para os próximos (pouquíssemos) dias o aranque das obras de reabilitação do troço Jardim/ Benfica da EN1; a Praça dos Combatentes (vulgo Xiquelene) está em obras; a Joaquim Chissano está, igualmente, em obras. Isto é, as únicas vias de acesso ao grande Maputo estarão, simultaneamente, em obras.

É o anúncio do Caos se esta agenda não for repensada. Se já é difícil passar o Benfica dada a pressão rodoviária naquele troço, agravado pelo fechamento do Xiquelene o que é que nos reserva o futuro se este projecto de obras avançar?

Que soluções alternativas viáveis temos para chegar a cidade? Para além do contentamento de, brevemente, podermos transitar em estradas em boas condições e mais largas (caso da EN1) e sem o caos do Xiquelene, não deveríamos questionar os nossos governantes da exequibilidade destes empreendimentos em simultâneo para a natureza da nossa capital?

Tenho dito.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Um Povo Nunca Morre

A História de um país através do cinema

Por Policarpo Mapengo (in Jornal "Escorpião" 22 de Junho de 2009)

Um povo precisa de uma fonte de inspiração para sobreviver. Abrir a mostra de cinema dos Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, CPLP, com filme retratando Eduardo Mondlane, poucos dias antes da celebração dos 34 anos da independência é homenagear um povo que teve de aprender a viver entre todas as dificuldades. É com esse filme “Um Povo Nunca Morre”, que percorremos a história de Moçambique, os seus heróis, a sua arte e terminamos com notas soltas sobre o cinema angolano. Para este artigo recorremos a discursos do Presidente da República, Armando Guebuza e entrevista com os actores Gilberto Mendes, de Moçambique, e Nguxi dos Santos, de Angola.

A história deve começar do princípio. No cinema nem sempre é assim, mas quase sempre volta-se ao princípio. No ano que se comemoram 40 anos de morte de Eduardo Mondlane, e dois dias antes de se celebrar 89 anos que os faria se estivesse vivo, a “I Mostra do Cinema e Audiovisual da CPLP” que está a decorrer em Maputo, voltou ao passado para fazer uma devida vénia à figura mais importante da luta armada de libertação de Moçambique.

“Um Povo Nunca Morre” é uma história que nos faz andar pelos corredores de um povo através de um homem que Armando Guebuza, Presidente de Moçambique, soube definir em Janeiro quando exaltava as suas qualidades, dizendo que foi uma pessoa que “levou uma juventude vulgar mas com uma visão extraordinária.”

Eduardo Mondlane veste essa capa de “unanimidade” e é resgatada por diferentes partidos políticos. Para além dos seus camaradas da Frente de Libertação de Moçambique, que olham para ele como a maior fonte de inspiração na luta contra um exército bem armado, PIMO de Yá-Qub Sibindy, procura recuperar a sua imagem como base para novas frentes.

Sibindy recorre a Mondlane para sugerir “uma trégua política” como forma de enfrentar um inimigo comum que curiosamente, já foi identificado pelo actual presidente da Frelimo e da República de Moçambique, Armando Guebuza que é a “pobreza absoluta”.

“Quando surgiu a consciência política, Mondlane fez ver que era preciso unidade. Nós também propomos que se use a fórmula Mondlane para vencermos o inimigo comum que é a pobreza”, defendeu Sibindy numa conversa que tivemos com ele, onde expunha a sua teoria de “triângulo de poder”.

O mesmo discurso é usado pelo Presidente da República de Moçambique, quando fala de auto-estima. Ele recorre a Eduardo Mondlane para o que já tínhamos definido antes como “inspiração.” Num país como o nosso que “precisa de correr” para atingir o desenvolvimento, os heróis vão funcionar como modelos de integridade e de luta. São exemplos daquilo que um povo deve ser. É esse o discurso de Armando Guebuza em todas as esferas. Ao longo do seu mandato procurou resgatar a imagem dos heróis esquecidos como Filipe Samuel Magaia e polir os que sempre estiveram visíveis nas prateleiras mas que só eram recordados nos feriados de 3 de Fevereiro.

Mondlane e auto-estima

O discurso de Guebuza na abertura da Conferência Nacional de Administração Pública sob o tema “Boas Práticas no Âmbito da Reforma no Sector Público” procurava demonstrar essa necessidade de “aprender de exemplos”:

“Este é o ano dedicado ao Presidente Eduardo Chivambo Mondlane, filho amado desta bela pátria de heróis, nacionalista irreticente e dirigente carismático que, com muita clarividência, forjou a unidade nacional, a consciência de moçambicanidade e o sentido de auto-estima.”

Com este discurso o PR procura lembrar que em pátrias como a nossa, onde constantemente se precisa lutar por um motivo para viver, nascem sempre heróis. Não só na luta armada como durante anos pareceu por serem aqueles “bravos jovens” a ocuparem espaço na cripta. Nos últimos tempos foram para aquela “casa” da veneração de espíritos comuns, figuras como o poeta José Craveirinha que “profetizou” um país livre, assim como o maestro Justino Chemane que soube cantar as glórias desta pátria.

Abrir um festival internacional de cinema com história de Eduardo Mondlane é lembrar que esta sempre começa do princípio se nos basearmos no discurso do PR:

“O Presidente Eduardo Mondlane também configurou a Nação moçambicana e deu conteúdo ao Estado moçambicano, logo no seu alvor, estruturando-o e conferindo-o uma direcção popular de servidor do nosso maravilhoso povo. O presidente Mondlane deixou claro, em palavras e actos, que esse Estado deveria ser servido por moçambicanos patriotas, íntegros e com comprovada entrega à causa de Moçambique e do seu brioso povo.”

“Um Povo Nunca Morre” vem lembrar que com a morte do guia, como eram muitos dos líderes da frente e Mondlane em particular, ele deve continuar. No entanto essa continuidade é dada com base na estrutura montada antes do desaparecimento físico do líder. Depois da sua morte ele serve de exemplo, de inspiração, como diz Guebuza, Eduardo Mondlane “configurou a Nação” e deu “conteúdo ao Estado moçambicano”. Não seria com a sua morte que o povo iria morrer.

O melhor exemplo é dado por uma canção muito interpretada até à primeira metade da década de 1990 pelas crianças da escola primária:

“Mataram Mondlane pensando que já venceram, Samora respondeu a luta continua…”

O documentário “Um Povo Nunca Morre” surge como uma homenagem a uma “pátria de heróis” que aprende sempre a sobreviver.

O exemplo de sobrevivência é também o cinema dos países africanos de língua portuguesa. “Um Povo Nunca Morre” foi o escolhido para a abertura da “I Mostra do Cinema e Audiovisual da CPLP” que, como disse o antigo governador da província de Gaza e director do Instituto Nacional Audiovisual e

Vento soprou de norte

Se “um povo nunca morre”, ele produz os seus próprios ídolos, heróis e arte. Ao longo dos 34 anos da independência, a arte de representar, teatro e cinema, lutar por conquista de um espaço. Começando já por um clássico do cinema moçambicano “Tempo dos Leopardos”, esta arte voltava a contar a história de um povo que teve de aprender a lutar.

“Tempo dos Leopardos” é muito mais que uma história de guerra, é uma história de vitória. O filme na altura que ainda levantávamos a bandeira do nosso orgulho que começou a se desenhar com o “Nó Górdio”.

É também no tempo em que se acreditava em tudo, que surge o filme “O Vento Sopra de Norte”, rodado em 1985 e estreado em 1986, que traz actores como Gilberto Mendes e Lucrécia Paco.

Ao olhar para esse tempo, Gilberto Mendes procura fugir de comparações e pautar pelos momentos na realidade que se vive hoje:

“Na altura o presidente era Samora Machel, e tu te davas ao luxo de sonhar tudo. Ele era homem de cultura, apadrinhava cinema, a arte, o desporto.”

Esse Moçambique ainda sentia “o vento de norte” e todos acreditavam que tinham algo para dar para que a revolução não morresse. E Gilberto Mendes sentia isso:

“Eu fazia parte da selecção de natação e ele (Samora Machel) privava com os desportistas. É por isso que tínhamos boa selecção de natação, é por isso que ganhávamos aos Camarões em futebol, é por isso que batíamos Angola em basquetebol. Era possível sonhar.”

Tínhamos entrado com o actor para o campo de sonhos e para ele não era com um país assim que o vento da liberdade vindo de norte depois de sair de Dar-es-Saalam soprava.

“Não se sonhava com o país assim como está. Sonhava-se com um país equilibrado, sonhava-se que iríamos enriquecer juntos.”

No entanto os sonhos devem também ser contextualizado porque, como lembra Gilberto Mendes, “mudam-se os tempos e as vontades.” Quando Samora Machel morre o vento já soprava de Ocidente.

O país tinha que se adaptar à nova realidade. Joaquim Chissano assume o poder e assiste a queda do murro de Berlim e o fim da União Soviética. Condiciona o surgimento de uma imprensa privada e a arte, neste caso o cinema e o teatro, se perdem nessa onda de globalização. O país traça novas prioridades e novas políticas são definidas. Apesar de aceitar a nova realidade Mendes não concorda com a forma como é enfrentada:

“As políticas não podem ser definidas de forma ad hoc. Para a área artística, por exemplo “tem que se envolver os fazedores. Nesta mostra há muita gente que está descontente com o cinema.”

Contudo, a saída para demonstrar o seu descontentamento não se retira, pelo menos é o que pensa Mendes, pois “o Governo através do INAC, decidiu fazer qualquer coisa para que esta mostra fosse cá. O Governo fez seu papel e vai registar como algo feito.”

Segundo Gilberto Mendes é preciso que os fazedores do cinema se unam para travar uma guerra comum. Participando “nestes eventos você aproveita fazer contactos.”

Se Samora Machel, para Gilberto Mendes, apadrinhava a arte e o desporto, os dois últimos presidentes de Moçambique, assumiram uma outra postura.

“Samora apoiava o cinema, Chissano privatizou as salas e Guebuza quer trazer cinema de volta”.

Filmar guerra para esquecer a dor

Com uma história quase igual à nossa está Angola, país que pode contar os mesmos tormentos que nós passamos mudando apenas dos espaços geográficos. O cinema angolano parece justificar a ideia dos entrevistados pelo moçambicano Nelson Saúte para “Os Habitantes da Memória”. E segundo Saúte, os momentos de crise são férteis para a criatividade artística.

O actor Nguxi dos Santos diz também que o cinema deles ainda tem a guerra como a base, não para lembrar as suas maldades mas que fique claro que “nunca mais haverá guerra em Angola. Todos nós estamos doentes por causa da guerra. É uma realidade que temos de falar.”

A guerra, segundo Nguxi está sempre presente e deve ser vista também como responsável pelo atraso do cinema angolano.

“Metade do orçamento foi para a guerra. Não podemos fugir disso e nem fazer tabu.”

No entanto, há uma certeza “nunca mais haverá guerra em Angola porque a paz foi feita por angolanos”.