quinta-feira, 17 de abril de 2008

Lei do Trabalho - Contratação de Estrangeiros

Em tempos escrevi e postei neste blog um artigo ("Nova Lei do Trabalho - Regulamentação ") no qual expressava a minha preocupação pela demora na regulamentação da Lei 23/2007, de 1 de Agosto, a Lei do Trabalho. Seis meses depois da sua entrada em vigor continuamos sem regulamentação o que, no sector da contratação de estrangeiros por exemplo, traz alguma confusão.

O Advogado Carlos Martins escrevendo no jornal "O País" há semanas atrás levantou diversas questões igualmente levantadas no seminário do dia 16 de Abril sobre a contratação de estrangeiros, que serviu para o sector privado colocar as suas preocupações sobre a matéria e no qual o Ministério do Trabalho, através dos serviços respectivos, reconhecer a demora e as fraquezas existentes.

Reproduzo abaixo o artigo de Carlos Martins:

Permissão e Autorização de Trabalho. A confusão se instalou.
Recentemente entrou em vigor a nova Lei do Trabalho (Lei 23/07 de 01 de Agosto), que trouxe uma modalidade mais flexível de contratação de trabalhadores estrangeiros. Pelo menos era essa a intenção do legislador, quando estabeleceu no artigo 31º n.º 5 do referido diploma legal que “O empregador, consoante o tipo de classificação de empresa, previsto no artigo 34º da presente Lei, pode ter ao seu serviço trabalhador estrangeiro, mediante comunicação ao Ministro do Trabalho ou a quem este delegar, de acordo com as seguintes quotas:”. Ao contrário do que muitos defendem, este regime passou a ser a regra, porque só depois de estar preenchida a quota é que podemos contratar trabalhadores estrangeiros ao abrigo do Decreto n.º 57/2003 de 24 de Dezembro, isto é, com a autorização de trabalho.

Quando o legislador introduziu a nova forma de contratação de trabalhador estrangeiro, não indicou a documentação e nem avançou outros requisitos para a sua materialização, que não fosse o princípio de quotas, segundo os tipos de empresa. Embora a Lei do Trabalho não tivesse, expressamente, referido quais os documentos que acompanham o requerimento de comunicação de admissão automática de trabalhador estrangeiro, era pacífico que essa matéria seria objecto de regulamentação específica.

Só que, surpreendentemente e contra todas as expectativas, o Ministério do Trabalho emitiu um comunicado de imprensa indicando os documentos que devem acompanhar o requerimento de comunicação de admissão automática. Acontece, porém, que o Ministério do Trabalho fez deste comunicado um instrumento jurídico, informando todos os interessados que é este que serve de base para regular a contratação no regime de quotas e ainda, sem base legal, informa verbalmente que a presente lei revogou tacitamente o regime das permissões, daí que os documentos a apresentar são os mesmos da autorização automática. Nada mais errado.

Convém elucidar, porque é importante, que este comunicado é apenas instrumental, porquanto não tem valor jurídico acrescido (destaque e sublinhado meu), uma vez que o artigo 13º da Lei do Trabalho elenca as fontes de direito do trabalho, não se prevendo, como é evidente, comunicados de imprensa.

Mas não é tudo. É absurdo vir-se dizer que, como a nova Lei do Trabalho não regula a permissão de trabalho, tal significa que a mesma revogou tacitamente este regime (destaque e sublinhado meu). Teremos que fazer algum exercício de exegese, com recurso à hermenêutica, para esclarecer que revogar - significa retirar a validade por meio de outra norma, sendo certo que a norma revogada sai do sistema interrompendo o curso da sua vigência. Posto isto, pergunta-se o que é então revogação tácita ou quando é que ela se verifica? Fazemos a pergunta, mas temos a resposta. A norma é revogada de forma implícita e a revogação resulta, da incompatibilidade entre normas.

Donde se conclui, sem mais, que o regime da permissão do trabalho continua em vigor e a orientação do Ministério do Trabalho consubstancia uma situação clara de violação da lei, porquanto a nova Lei do Trabalho, que define as linhas gerais sobre a contratação de trabalhadores, não contraria, não é incompatível e nem revoga o Decreto n.º 57/03 de 24 de Dezembro, nomeadamente nos seus artigos 31º e seguintes e 272º, antes se conjugam, como resulta da interpretação do artigo 33º nºs 2 e 3 da Lei do Trabalho.

Mais. Do recente Conselho Consultivo Alargado do Trabalho saiu mais uma directiva, porquanto constatou-se que a maioria dos processos submetidos no regime das autorizações automáticas não vinham acompanhados do parecer do comité sindical. Com mão pesada, determinou-se que na falta de comité sindical, o parecer deve ser emitido pelo delegado sindical ou sindicato do ramo, sendo que estes últimos, para emitirem o aludido parecer, cobram 25% da remuneração mensal do contratado ou do mandatário. Um verdadeiro negócio (destaque e sublinhado meu).

A materializar-se esta orientação imposta pelo Ministério do Trabalho poderemos assistir, a breve trecho, a actuação divergente dos tribunais laborais, porquanto é jurisprudência assente no Tribunal Supremo que os mandatários e representantes legais não são trabalhadores dependentes, porquanto a actividades deles não preenche os requisitos de um contrato de trabalho, nomeadamente quanto à subordinação e direcção, entre outros (destaque e sublinhado meu). A remuneração é condição essencial para a existência da relação laboral. O mandatário pode ser remunerado ou não.

Quando um mandatário ou representante legal de uma sociedade propõe uma determinada acção nos tribunais de trabalho, estes dão como improcedente a acção, absolvendo a contra parte da instância, por se verificar a excepção dilatória de incompetência do tribunal em razão da matéria, porquanto é o Tribunal Comum o competente, isto é, mais precisamente, é a Secção Comercial que deve julgar casos referentes ao incumprimento dos mandatos ou denúncia dos mesmos. Os Tribunais do Trabalho, para além de outras matérias, julgam questões emergentes da relação laboral e não da relação de mandato que é regulada pelo Código Civil.

Se assim é, como se justifica que o Ministério do Trabalho exija, para aprovação de uma permissão de trabalho, os mesmos requisitos que o comunicado de imprensa estipula para os casos de contratação automática mediante simples comunicação, nomeadamente: carta da empresa comunicando a admissão do trabalhador, cópia autenticada da folha de remuneração relativa ao mês anterior à admissão do trabalhador estrangeiro, devidamente carimbada pelo INSS, parecer do comité sindical sobre o grau de realização da quota e três cópias do contrato de trabalho? Não nos parece razoável!

Convém esclarecer, em primeiro lugar, que os mandatários não são obrigados a ter contratos de trabalho, já que a nomeação pode decorrer de Acta da Assembleia-Geral, dos estatutos da sociedade e ainda por procuração noutros casos (destaque e sublinhado meu). Segundo, qual é a relevância do parecer do comité sindical na nomeação de mandatário ou representante legal e/ou sobre o grau de realização da quota, se estes não são trabalhadores dependentes? Poderá com alguma lógica admitir-se que o parecer de um comité sindical se possa sobrepor a uma deliberação de assembleia geral quanto à nomeação de mandatário?

Na realidade é caso para perguntar se uma empresa que acaba de se constituir e ainda não tem trabalhadores, também não pode ter mandatário, nem representante legal, só porque ainda não tem trabalhadores inscritos no INSS, muito menos comité sindical. Como se concluirá, uma vez mais, fizemos a pergunta, mas também temos a resposta. Obviamente deve ser aplicado, para o caso dos mandatários e representantes legais o previsto no Decreto n.º 57/03 de 24 de Dezembro.

Não faz sentido algum a directiva que está a ser imposta pelo Ministério do Trabalho. A Lei do Trabalho nos seus artigos 31º e seguintes, fala de trabalhador estrangeiro e não de mandatários e/ou representantes legais de sociedades, porquanto estes não são e nem podem ser considerados trabalhadores. Quando o legislador introduziu a contratação no regime da autorização automática, certamente tinha em vista ultrapassar as barreiras impostas no regime da autorização. Enganou-se.

Carlos Martins
Advogado e Consultor