quarta-feira, 21 de setembro de 2011


Azias

Júlio S. Mutisse



Nos meus últimos textos de opinião tenho me referido com insistência à necessidade de deixarmos de lado a forma acrítica como abordamos determinadas matérias isto, claro, se nas nossas opiniões tivermos em vista produzir ideias tendentes ao melhor para este país.

O Professor Lourenço do Rosário referiu numa entrevista recente ao jornal o País edição fim de semana há alguns meses que  “somos muito horizontais na abordagem das coisas, não somos capazes de ver as várias nuances de um mesmo problema.” Acrescentou ainda que as pessoas “ouvem um determinado discurso; lêem uma determinada matéria; ou vêem um determinado acontecimento e apreendem como um todo. Não são capazes de partir isto e tentar analisar o quê compõe este todo e interpretar cada uma das partes, que é uma atitude normal para uma postura daqueles que querem ser analistas.” Não podia estar mais certo o Professor do Rosário nessa entrevista.  Colocamo-nos sempre em extremos e, não poucas vezes, as nossas teses são baseadas num senso comum de tal forma superficial que chega a bradar aos céus.

Sobre a nossa postura no debate público de ideias o Professor Elísio Macamo já havia sugerido a necessidade de “identificar uma plataforma comum de discussão que não elimine as naturais diferenças de opinião que existem, nem as legítimas sensibilidades políticas que enformam essas diferenças.” Entendo que quando identificarmos essa plataforma, as ideias do outro não terão validade apenas porque enunciadas por quem leu os mesmos livros, viu os mesmos filmes e/ou porque senta na mesma sala em reuniões políticas; serão válidas por aquilo que encerram. Quando identificarmos essa plataforma, valorizaremos, de facto, a diversidade sem procurarmos entricheirarmo-nos em pros e contras qualquer coisa. Quando identificarmos esse espaço saberemos reconhecer éxitos e criticar o que vai mal independentemente de pertencermos ao mesmo clube ou partido político.

Reza a história que a Constituição da República de 1990 foi dos marcos mais importantes da viragem até ao estágio em que no encontramos de profunda abertura politico democrática, económica e social. Foi a partir daí que ficaram consagradas, por exemplo, as liberdades de opinião, expressão de imprensa etc que, inclusive, propiciaram o conglomerado de jornais, revistas e outros meios que hoje veiculam informação. São coisas aplaudidas, que todos gostamos de gozar e usufruir. Não tenho dúvidas que o país, quando comparado com muitos, e mesmo com o período anterior ao advento da constituição de 1990, é um exemplo no que tange às liberdades de imprensa, expressão e/ou opinião. Mesmo aqueles que negam estes princípios, de alguma forma, se beneficiam deles. Usam-nos. Interpelam, difundem e exprimem as suas ideias sem “algemas nas palavras” usando emprestadas as palavras de alguém.

Recentemente, por exemplo, o filósofo moçambicano Severino Ngoenya, homem de respeitável e reconhecida ossatura intelectual, foi citado pelo Jornal o País como tendo dito que o país está “muito longe de atingir a verdadeira independência nacional, por ainda não se exercerem efectivamente as liberdades de expressão, pensamento, informação, entre outras, que estão previstas na legislação nacional.” Infelizmente alegou e não demonstrou por factos (pelo menos o artigo publicado é omisso quanto ao assunto) o que, para mim, soou como o filosofar sobre o material sem dar exemplos. A emissão da sua opinião no sentido acima referido, reportada por um jornal pertença de em empresa privada, contraria essa mesma opinião; está em contradição consigo mesmo, algo logicamente inaceitável. Ironicamente é esta abertura política propiciada pela nossa independência e pelas leis que adoptamos que permitiu o surgimento de jornais privados e de todos os espaços onde conscientemente muitos de nós emitimos opinião sobre os mais diversos assuntos nacionais e internacionais.

Mas não são só estas negações contraditórias deste género que me preocupam. Me preocupa uma certa azia que se abate sobre muitos que assumem que ter sentido crítico é dizer tudo contra o Governo do dia ou que, ser politicamente correcto, é dizer tudo pro esse mesmo Governo. Gente que faz de uma ou outra situação uma fonte de credibilidade. Estranha forma de estar num país que precisa de todas as mentes a pensar o país que queremos ser, dentro da tal plataforma comum de discussão que não elimine as naturais diferenças de opinião que existem, nem as legítimas sensibilidades políticas que enformam essas diferenças.

Cabe aqui uma referência à sobreba de alguns opinion makers nacionais, alguns dos quais travestidos de jornalistas e outros de “académicos” que  dizem  quase toda a barbaridade para um povo que não pode reagir senão bater palmas não pelo coerência do discurso, mas pelo grau de redundância e aparência da lógica. É nesta saga de busca de aplausos que muitos dos comentadores e/ou “académicos” que temos encontram um jornalista(?) apático e meramente perguntador acrítico, incapaz de aprofundar qualquer assunto porque igual ao entrevistado ou completamente a leste de qualquer preparo, de qualquer ciência que lhe permita, mais do que perguntar, entrevistar e produzir saber, conhecimento, ciência e informação.

Disse Egídio Vaz num comentário algures: “ há uma coisa que o PR diz sempre: auto estima. Só que só autoestima-se quem sabe. Portanto, sabe quem tem conhecimento. O conhecimento é uma relação entre o objecto e a ideia sobre ele. Muitos lêem ou consomem informação externa ou mesmo interna. Mas poucos são os que dela produzem conhecimento. Para comentar ou acreditar em algo é preciso algum conhecimento sobre o objecto. E esse não é acessível a todos. Perdoa-os."

Infelizmente é difícil assobiar para o ar e fingir que nada está a acontecer.

É que, muitas vezes, na tal horizontalidade ou no extremismo referidos pelo professor do Rosário, muitos estacionam no simplismo analítico e se recusam o aprofundamento de qualquer ideia que defendam em público. Alguns deixam se ultrapassar pela realidade que insiste em demonstrar que, às teorias, é necessária uma dose adequada de adaptação à realidade. Assumir esta realidade poderia ajudar alguns a relativizarem as críticas e as verdades absolutas que debitam nos comentários que fazem. Ajudaria, por exemplo, o comentador Regendra a reconhecer que, por mais bom gestor que se possa ser, e das melhores decisões que se possam tomar, há factores que fogem, de alguma forma, do nosso controlo com influência directa nas nossas actividades. Poderia ver isso a partir de uma empresa e projectar de certa forma para um nível mais global como a gestão de um país.

Esta forma de estar no debate público de ideias é eminentemente perigosa à sociedade, à esfera pública e ao país real que é "onde se forma a opinião pública" como disse alguém pois, muitos, incapazes de olhar o país, a região, o continente e o mundo com profundidade, recorrem a argumentos  fáceis e sugestivos com aparência de análise profunda. A sua incapacidade e limitação impede-os de olhar para além do superficial ou do que um qualquer “guro” “credível” alguma vez disse; o palavreado difícil e a referência constante a relatórios e ao mesmo autor de que, em muitos casos, não se leu mais nada para além da capa leva os incautos a acreditarem na douta sabedoria do nosso opinion maker improvisado a quem falta alguma humildade em reconhecer a sua ignorância sobre determinadas matérias. Falta também o sentido de responsabilidade de que as suas palavras, com aparência de argumento válido, podem se tornar mais letais que um médico despreparado, porque o grosso do povo não pode e não tem como fazer interpretações correctivas do discurso destes. O povo, não poucas vezes, acredita na autoridade e na verdade evangelizada pelos insuspeitos “doutores” e não se predispõe a  ver que os argumentos que aqueles usam, só são realizáveis apenas no plano das ideias muitas vezes descontextualizadas de toda a realidade circundante.

O país tem muitos desafios a que todos devemos estar focados. Não podemos ficar atados a teorias desencontradas da realidade nem a diabolização do outro com argumentos descontextualizados e perdidos do país real de onde se deve formar a opinião.

Para frente é o caminho.


AzIa

Nos meus últimos textos de opinião tenho me referido com insistência à necessidade de deixarmos de lado a forma acrítica como abordamos determinadas matérias isto, claro, se nas nossas opiniões tivermos em vista produzir ideias tendentes ao melhor para este país.

O Professor Lourenço do Rosário referiu numa entrevista recente ao jornal o País edição fim de semana há alguns meses que “somos muito horizontais na abordagem das coisas, não somos capazes de ver as várias nuances de um mesmo problema.” Acrescentou ainda que as pessoas “ouvem um determinado discurso; lêem uma determinada matéria; ou vêem um determinado acontecimento e apreendem como um todo. Não são capazes de partir isto e tentar analisar o quê compõe este todo e interpretar cada uma das partes, que é uma atitude normal para uma postura daqueles que querem ser analistas.” Não podia estar mais certo o Professor do Rosário nessa entrevista. Colocamo-nos sempre em extremos e, não poucas vezes, as nossas teses são baseadas num senso comum de tal forma superficial que chega a bradar aos céus.

Sobre a nossa postura no debate público de ideias o Professor Elísio Macamo já havia sugerido a necessidade de “identificar uma plataforma comum de discussão que não elimine as naturais diferenças de opinião que existem, nem as legítimas sensibilidades políticas que enformam essas diferenças.” Entendo que quando identificarmos essa plataforma, as ideias do outro não terão validade apenas porque enunciadas por quem leu os mesmos livros, viu os mesmos filmes e/ou porque senta na mesma sala em reuniões políticas; serão válidas por aquilo que encerram. Quando identificarmos essa plataforma, valorizaremos, de facto, a diversidade sem procurarmos entricheirarmo-nos em pros e contras qualquer coisa. Quando identificarmos esse espaço saberemos reconhecer éxitos e criticar o que vai mal independentemente de pertencermos ao mesmo clube ou partido político.

Reza a história que a Constituição da República de 1990 foi dos marcos mais importantes da viragem até ao estágio em que no encontramos de profunda abertura politico democrática, económica e social. Foi a partir daí que ficaram consagradas, por exemplo, as liberdades de opinião, expressão de imprensa etc que, inclusive, propiciaram o conglomerado de jornais, revistas e outros meios que hoje veiculam informação. São coisas aplaudidas, que todos gostamos de gozar e usufruir. Não tenho dúvidas que o país, quando comparado com muitos, e mesmo com o período anterior ao advento da constituição de 1990, é um exemplo no que tange às liberdades de imprensa, expressão e/ou opinião. Mesmo aqueles que negam estes princípios, de alguma forma, se beneficiam deles. Usam-nos. Interpelam, difundem e exprimem as suas ideias sem “algemas nas palavras” usando emprestadas as palavras de alguém.

Recentemente, por exemplo, o filósofo moçambicano Severino Ngoenya, homem de respeitável e reconhecida ossatura intelectual, foi citado pelo Jornal o País como tendo dito que o país está “muito longe de atingir a verdadeira independência nacional, por ainda não se exercerem efectivamente as liberdades de expressão, pensamento, informação, entre outras, que estão previstas na legislação nacional.” Infelizmente alegou e não demonstrou por factos (pelo menos o artigo publicado é omisso quanto ao assunto) o que, para mim, soou como o filosofar sobre o material sem dar exemplos. A emissão da sua opinião no sentido acima referido, reportada por um jornal pertença de em empresa privada, contraria essa mesma opinião; está em contradição consigo mesmo, algo logicamente inaceitável. Ironicamente é esta abertura política propiciada pela nossa independência e pelas leis que adoptamos que permitiu o surgimento de jornais privados e de todos os espaços onde conscientemente muitos de nós emitimos opinião sobre os mais diversos assuntos nacionais e internacionais.

Mas não são só estas negações contraditórias deste género que me preocupam. Me preocupa uma certa azia que se abate sobre muitos que assumem que ter sentido crítico é dizer tudo contra o Governo do dia ou que, ser politicamente correcto, é dizer tudo pro esse mesmo Governo. Gente que faz de uma ou outra situação uma fonte de credibilidade. Estranha forma de estar num país que precisa de todas as mentes a pensar o país que queremos ser, dentro da tal plataforma comum de discussão que não elimine as naturais diferenças de opinião que existem, nem as legítimas sensibilidades políticas que enformam essas diferenças.

Cabe aqui uma referência à sobreba de alguns opinion makers nacionais, alguns dos quais travestidos de jornalistas e outros de “académicos” que dizem quase toda a barbaridade para um povo que não pode reagir senão bater palmas não pelo coerência do discurso, mas pelo grau de redundância e aparência da lógica. É nesta saga de busca de aplausos que muitos dos comentadores e/ou “académicos” que temos encontram um jornalista(?) apático e meramente perguntador acrítico, incapaz de aprofundar qualquer assunto porque igual ao entrevistado ou completamente a leste de qualquer preparo, de qualquer ciência que lhe permita, mais do que perguntar, entrevistar e produzir saber, conhecimento, ciência e informação.

Disse Egídio Vaz num comentário algures: “ há uma coisa que o PR diz sempre: auto estima. Só que só autoestima-se quem sabe. Portanto, sabe quem tem conhecimento. O conhecimento é uma relação entre o objecto e a ideia sobre ele. Muitos lêem ou consomem informação externa ou mesmo interna. Mas poucos são os que dela produzem conhecimento. Para comentar ou acreditar em algo é preciso algum conhecimento sobre o objecto. E esse não é acessível a todos. Perdoa-os."

Infelizmente é difícil assobiar para o ar e fingir que nada está a acontecer.

É que, muitas vezes, na tal horizontalidade ou no extremismo referidos pelo professor do Rosário, muitos estacionam no simplismo analítico e se recusam o aprofundamento de qualquer ideia que defendam em público. Alguns deixam se ultrapassar pela realidade que insiste em demonstrar que, às teorias, é necessária uma dose adequada de adaptação à realidade. Assumir esta realidade poderia ajudar alguns a relativizarem as críticas e as verdades absolutas que debitam nos comentários que fazem. Ajudaria, por exemplo, o comentador Regendra a reconhecer que, por mais bom gestor que se possa ser, e das melhores decisões que se possam tomar, há factores que fogem, de alguma forma, do nosso controlo com influência directa nas nossas actividades. Poderia ver isso a partir de uma empresa e projectar de certa forma para um nível mais global como a gestão de um país.

Esta forma de estar no debate público de ideias é eminentemente perigosa à sociedade, à esfera pública e ao país real que é "onde se forma a opinião pública" como disse alguém pois, muitos, incapazes de olhar o país, a região, o continente e o mundo com profundidade, recorrem a argumentos fáceis e sugestivos com aparência de análise profunda. A sua incapacidade e limitação impede-os de olhar para além do superficial ou do que um qualquer “guro” “credível” alguma vez disse; o palavreado difícil e a referência constante a relatórios e ao mesmo autor de que, em muitos casos, não se leu mais nada para além da capa leva os incautos a acreditarem na douta sabedoria do nosso opinion maker improvisado a quem falta alguma humildade em reconhecer a sua ignorância sobre determinadas matérias. Falta também o sentido de responsabilidade de que as suas palavras, com aparência de argumento válido, podem se tornar mais letais que um médico despreparado, porque o grosso do povo não pode e não tem como fazer interpretações correctivas do discurso destes. O povo, não poucas vezes, acredita na autoridade e na verdade evangelizada pelos insuspeitos “doutores” e não se predispõe a ver que os argumentos que aqueles usam, só são realizáveis apenas no plano das ideias muitas vezes descontextualizadas de toda a realidade circundante.

O país tem muitos desafios a que todos devemos estar focados. Não podemos ficar atados a teorias desencontradas da realidade nem a diabolização do outro com argumentos descontextualizados e perdidos do país real de onde se deve formar a opinião.

Para frente é o caminho.