sábado, 21 de maio de 2011

Contratação de Mão de Obra Estrangeira Para a Função Pública: Algo Que Devemos Temer?

Apesar de já ser independente há mais de 35 anos, Moçambique continua a enfrentar desafios vários no que tange a pessoal qualificado em quantidade e qualidade que o país precisa para fazer face aos desafios do seu desenvolvimento, sem desprimor do muito esforço e investimentos feitos no sector da educação desde 1975 (atrapalhados pela guerra dos 16 anos) que tiveram como resultado a formação de muitos quadros, porém, apesar de milhares de quadros que as universidades públicas colocam no mercado anualmente, continuamos carentes em diversas áreas.


Só para citar alguns exemplos, o país continua com um índice baixo no que toca ao número de médicos por habitante e só há muito pouco tempo o sector conseguiu colocar um médico em cada sede de distrito do país; continuamos com falta de especialistas ao mais diverso nível e mesmo de professores catedráticos para a tão almejada qualidade de ensino que ajude na formação dos quadros que este país precisa. Poderíamos multiplicar estes exemplos numa lista sem fim.


Na verdade o país tem, na função pública, diversos estrangeiros a seu serviço. A escassez de profissionais qualificados na administração pública moçambicana, sobretudo nas áreas da Saúde e educação, levou a que o Governo de Moçambique, após a independência nacional, recorresse à profissionais estrangeiros, muitos dos quais vindos de países essencialmente do bloco socialista, principais parceiros de cooperação nesse período.


As transformações políticas económicas e sociais que o país e o mundo experimentou nos últimos tempos colocaram ao país uma mudança de paradigma no recrutamento de pessoal estrangeiro de que necessita para a função pública. Assim, urge em face das carências conhecidas, definir o regime quadro do trabalho do cidadão estrangeiro na função pública.


A discussão deste tema nunca foi pacífica. No quadro da lei do trabalho por exemplo, os empregadores queriam mais flexibilidade na contratação de mão de obra estrangeira. O Estado sempre vincou a necessidade de só se abrir espaço aos estrangeiros com as qualificações de que o país não dispõe ou que sejam escassos. Aliás, diga-se, são as carências do ponto de vista de recursos humanos que têm determinado a definição dos regimes de trabalho de pessoal estrangeiro em Moçambique. Foi esse o princípio que foi usado na definição do quadro legal do trabalho do cidadão estrangeiro em Moçambique previsto na Lei do Trabalho. Ao referir no número 1 do artigo 33 da Lei do Trabalho que o trabalhador estrangeiro deve possuir as qualificações académicas ou profissionais necessárias e a sua admissão só pode efectuar-se desde que não haja nacionais que possuam tais qualificações ou o seu número seja insuficiente, o legislador quis salvaguardar a ideia de que só se recorre a contratação de estrangeiros nos casos de falta ou insuficiência de profissionais.


Portanto, creio não haver o que temer neste processo; para ser coerente e manter a coerência do sistema o Governo deverá manter os princípios acima referidos inalterados no caso da contratação de trabalhadores estrangeiros para a função pública vincando, uma vez mais, a ideia de que a mão de obra estrangeira visa suprir as insuficiências do país e nunca uma forma de escancarar as portas aos estrangeiros em detrimento dos nacionais aqui formados que devem ser valorizados e constituírem-se como destinatários das políticas e oportunidades de emprego que se abram no país, vincando ainda mais a ideia de sermos nós, moçambicanos, os donos do nosso destino e gestores da coisa pública.


Acrescentar que, mesmo nas situações de carência referidas para fazer face às necessidades de contratação para o sector privado, o contrato é sempre por tempo determinado até 2 anos findos os quais se requer nova autorização não sendo aplicável ao estrangeiro o previsto no número 2 do artigo 42 da Lei do Trabalho sobre a transformação do contrato a prazo em contrato por tempo indeterminado.


Estamos pois perante o desafio de o Governo determinar normas claras e práticas para esse desiderato, ao mesmo tempo que aquilata mecanismos de controlo de modo a garantir que, na função pública e até mesmo no sector privado, o país só tenha a seu serviço os estrangeiros com a formação de que o país ainda não dispõe. O Diploma legal a ser aprovado deve reflectir a visão do estrangeiro como alternativa de reforço do perfil técnico profissional dos recursos humanos do Estado, através de transferência de conhecimentos aos técnicos nacionais.


Mas, mais do que reconhecer insuficiências e regular a contratação de estrangeiros, como sugere Lázaro Mabunda na sua coluna no jornal O País, e a par do investimento no ensino a todos os níveis, o nosso Governo deve intensificar o rubricar de acordos para a formação de seus quadros em áreas pré-definidas como fundamentais para o desenvolvimento socioeconómico. Cresce mais ainda o desafio de conhecer as insuficiências e planificar coerentemente a forma do seu suprimento. Não podemos estar na mesma daqui há 10 anos. O país precisa ter uma visão de como descalçar esta bota da insuficiência de quadros de modo a que o nosso evoluir faça cair em desuso o instrumento a aprovar nos próximos tempos.


Espero que os critérios salariais a observar para o pagamento dos estrangeiros na função pública não sejam mais um factor de frustração para os muitos e bons quadros de que o Estado dispõe, que dão o seu melhor apesar dos salários reconhecidamente baixos que auferem. Que os estrangeiros, igualmente, não venham impostos pelos nossos vários financiadores como garantia de que o dinheiro investido/emprestado a Moçambique retorne aos seus países via esses “especialistas” de que não dispomos de momento.


Que o país tenha capacidade fará inspeccionar e sancionar fugas aos princípios que determinar. A contratação de estrangeiros por si só não nos deve assustar; deve nos assustar, isso sim, se essa for a única solução a vista para resolver o problema da escassez de quadros no país. Não me parece que seja o caso também.