quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Despedimento Colectivo art. 132 - um problema de terminologia?

A minha inquietação de hoje relativamente ao conteúdo da Lei do Trabalho reside no regime do despedimento colectivo. Já me explico.

O artigo 63 da Lei 23/2007, de 1 de Agosto, Lei do Trabalho refere no seu nº 1 que o empregador pode aplicar, dentro dos limites legais, as seguintes sanções disciplinares:

a) Admoestação verbal;
b) Repreensão registada;
c) Suspensão do trabalho com perda de remuneração, até ao limite de 10 dias por cada infracção e de 30 dias, em cada ano civil;
d) Multa até 20 dias de salário;
e) Despromoção para a categoria profissional imediatamente inferior, por um período não superior a 1 ano;
f) Despedimento

Portanto, nos termos do nº 1 do artigo 63, o Despedimento é uma sanção a aplicar em caso de cometimento de uma infracção disciplinar. O artigo 67, no seu nº 1 refre que o "comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, confere ao empregador o direito de fazer cessar o contrato de trabalho por despedimento" acrescentando o nº 2 do mesmo artigo que "aplicação da sanção disciplinar (de despedimento), nos termos do artigo 65, n.º 1 da presente lei, é obrigatoriamente precedida da instauração de processo disciplinar"

Entende-se que assim seja. Afinal o indivíduo teve um comportamento "feio" e antes de o pormos no "olho da rua" devemos dar-lhe a oportunidade de defesa.

O despedimento colectivo definido no artigo 132 como sendo aquele que "abranja, de uma só vez, mais de 10 trabalhadores em médias e grandes empresas" e funda-se em razões distintas do "comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, confere ao empregador o direito de fazer cessar o contrato de trabalho por despedimento" referido no nº 1 do art. 67.

O despedimento colectivo funda-se "em motivos estruturais, tecnológicos, ou de mercado e se mostre essencial à competitividade, saneamento económico, reorganização administrativa ou produtiva da empresa" referidos no nº 1 do artigo 130 tanto que, nos termos do artigo 134, na "impugnação do despedimento colectivo ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 130 da presente lei, o ónus de prova da existência dos motivos estruturais, tecnológicos e de mercado cabe ao empregador".

A minha preocupação está no uso inconsistente da terminologia em muitos preceitos da Lei e, neste caso do despedimento colectivo, no uso de uma figura (o despedimento) para significar outra (que poderiamos chamar "rescisão colectiva").

Salvo melhor entendimento, pelo cruzamento do nº 1 do art. 63 e dos nºs 1 e 2 do art. 67, o despedimento é uma sanção resultante do cometimento de uma infracção. No regime do Despedimento colectivo do art. 132 não temos nenhuma infracção, apenas motivos estruturais, tecnológicos, ou de mercado que determinam a necessidade de redução de mão de obra abrangendo de uma só vez 10 ou mais trabalhadores (que não cometeram nenhum acto de indisciplina).

Portanto, em minha opinião, estamos em face de mais uma situação de uso incorrecto de terminologia.

Estarei errado?

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Nº 2 do Artigo 8 da Lei do Trabalho - Que Implicações?

Na sequência do Post anterior, trago à reflexão a questão dos meios de vigilância a distância contida no artigo 8 da Lei 23/2007, de 1 de Agosto, Lei do Trabalho. É uma matéria, de extrema utilidade que, quanto a mim, não foi devidamente aprofundada, na medida em que a excepção contida no nº 2 acaba anulando a utilidade prática do próprio dispositivo, fora as questões linguísticas abordadas por Ilídio Macia no seu blog.

Mas vamos por partes. O artigo 8 em análise tem o seguinte conteúdo (destaques e sublinhados meus):


1. O empregador não deve utilizar os meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego uso de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.

2. O disposto no número anterior não abrange as situações que se destinem à protecção e segurança de pessoas e bens, bem como quando a sua utilização integre o processo produtivo, devendo, neste caso, o empregador informar ao trabalhador sobre a existência e finalidade dos referidos meios.


Esta disposição, corresponde a disposição do art. 20 da Lei 99/2003 de 27 de Agosto que aprova o Código do Trabalho de Portugal que contém ainda uma disposição com o seguinte teor:

Art. 28º

1.Utilização de meios de vigilância à distância1 – Para efeitos do nº 2 do artigo 20º do código do Trabalho, a utilização de meios de vigilância à distância no local de trabalho está sujeita a autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados.

2 – A autorização referida no número anterior só pode ser concedida se a utilização dos meios for necessária, adequada e proporcional aos objectivos a atingir.

3 - Os dados pessoais recolhidos através dos meios de vigilância à distância são conservados durante o período necessário para a prossecução das finalidades da utilização a que se destinam, devendo ser destruídos no momento da transferência do trabalhador para outro local de trabalho ou da cessação do contrato de trabalho.

4- O pedido de autorização a que se refere o nº 1 deve ser acompanhado de parecer da comissão de trabalhadores ou, 10 dias após a consulta, comprovativo do pedido de parecer.

Portanto a disposição do art. 8 é insuficiente sem este complemento. O empregador pode sempre instalar meios de vigilância a distância alegando tais meios se se destinam à protecção e segurança de pessoas e bens,ou que a sua utilização integra o processo produtivo, sendo a única coisa que se lhe exige é que este informe aos trabalhadores sobre a existência e finalidade dos referidos meios.

Portanto, não se prevê autorização de nenhuma autoridade independente estando tudo dependente do livre arbítrio do empregador que é a quem, em última análise, cabe a decisão de instalação de tais meios.

Uma disposição como a do art. 8 requereria um complemento como o previsto no art. 28 do Código de Trabalho portugues. A redação do nº 2 do artigo 8 esvazia por completo conteúdo da regra imposta no nº 2 pois bastará a alegação do controlo de segurança de pessoas e bens para instalar esses equipamentos.

A não ser que se regule... (o que pode demorar).

Estarei errado?

O nº 3 do Artigo 69 da Lei 23/2007 - Que Implicações?

A Lei 23/2007, de 1 de Agosto, Lei do Trabalho, está em divulgação. Multiplicam-se seminários e sessões de formação. Na blogosfera o Ilídio Macia no seu Blog Quotidiano de Moçambique, assumiu esta empreitada de dar a conhecer esta lei que regerá, nos próximos tempos, as relações laborais em Moçambique.

Proponho me pois a trazer a debate alguns temas contidos na Lei do Trabalho que me parecem problemáticos e, por isso, carecendo de alguma reflexão. Começo com o nº 3 do Artigo 69 da Lei do Trabalho que refere que "na pendência ou como acto preliminar da acção de impugnação de despedimento, pode ser requerida a providência cautelar de suspensão de despedimento, no prazo de 30 dias a contar da data cessação do contrato".

Sabemos que providência cautelar é destinada a prevenir ou afastar o perigo resultante da demora a que está sujeito o processo principal. Através de uma indagação rápida e sumária, o juiz assegura da plausibilidade da existencia do direito do requerente emite uma decisão de carácter provisório, destinada a produzir efeitos até ao momento em que se forma a decisão definitiva.

Na anotação ao artigo 69 da Lei do Trabalho (Lei do Trabalho Anotada por Abdul Carrimo Issá, Duarte da Conceição Casimiro e Paulo Daniel Comoane) refere-se que o mecanismo estabelecido no nº 3 se destina ao trabalhador ilicitamente despedido (o sublinhado é meu) para que na pendência ou antes de intentar a acção de impugnação de despedimento possa usar deste mecanismo.

Porém, me parece que a formulação do referido nº 3 aproveita a qualquer trabalhador lícita ou ilicitamente despedido. Devemos nos recordar que a sanção de despedimento é precedida de um processo disciplinar nos termos descritos na Lei, mesmo nas situações em que o trabalhador é, por exemplo flagrado tentando furtar bens (seja qual for o valor) pertecentes à entidade empregadora. Este trabalhador pode, querendo, usar o mecanismo que a Lei lhe coloca e requerer uma providência cautelar e forçar o juiz a tomar medidas tendentes a "prevenir ou afastar o perigo resultante da demora a que está sujeito o processo principal".

No exemplo referido no parágrafo anterior, considerando o carácter proteccionista ao trabalhador que instrui a Lei do Trabalho, que feito teria, a decisão do juiz que suspenda um despedimento fundado em furto?

Há mesmo sustentabilidade (até para esse trabalhador) para permanecer nesse emprego? Será má formulação do dispositivo ou o seu alcance é maior do que consigo encontrar?

Vamos lá falar