sexta-feira, 9 de março de 2012

Quando o Xico Nhoca Toma o Poder

Quando o Xico Nhoca Toma o Poder

Júlio Mutisse

Julio.mutisse@ gmail.com

Numa fase da nossa história pós independência popularizou-se o Xico Nhoca. Nas minhas memórias do “Jornal do Povo” da esquina de casa, dos cartoons da revista “Tempo” ainda encontro essa figura que representava tudo aquilo que se combatia. Se no auge dos primeiros 6/7 anos de Moçambique independente houvessem “Dumba-nengues” desorganizados como hoje, entrariam, de certeza, no conceito xiconhoquista de então.

Um dia alguém escreveu que “no meu país já não há Xico Nhoca.” Se já houve momentos em que era tentado a concordar, hoje sou tentado a descordar. O Xico Nhoca tomou o poder. Se num novo contexto político, histórico e social distinto dos primeiros anos da independência há males que devemos combater e que poderiam representar um novo Xico Nhoca dos novos tempos, a forma como lidamos com esses males, representa a capitulação do Estado, representa a sua chegada ao poder às custas de um Estado incapaz de aplicar as leis e regulamentos que aprova para as mais diversas situações, titubeante no tratamento de determinadas questões e inconsequente na forma como, de tempos em tempos, lida com determinadas matérias.

Há dúvidas de que Xico Nhoca tomou o poder? De que é que valem o poder conferido a David Simango, as leis e posturas que regulam o comércio no geral e em Maputo em particular, se ao mais pequeno sinal de pressão dos que actuam à margem desses instrumentos legais os poderes públicos recuam? A desordem, que devia ser combatida, ganhou em prejuízo da ordem que devia ser garantida por quem, neste caso, foi eleito para, entre outras coisas, regular o comércio no perimetro autárquico de Maputo, garantindo que este seja exercido de forma ordeira.

Não se trata de defender pura e simplesmente a retirada dos vendedores informais das ruas. Longe disso; trata-se, antes, de defender a necessidade de o município, como sugere Jeremias Langa, compreender o comércio informal e a sua dimensão e, a partir daí, encontrar formas de pôr ordem numa actividade excessivamente anarquizada na cidade de Maputo e não só. E se chegamos a este extremo é porque, ao longo dos anos, se foi licenciando de forma inconsequente, sem avaliar os impactos dos tipos de estabelecimentos que foram sendo licenciados em diferentes locais, ao mesmo tempo que se foi permissivo quando, em escala menor, determinados entrepostos foram se formando por esta cidade fora. E chegamos onde chegamos.

O Xico Nhoca está no poder. Quando vendedores abandonam os mercados para ocupar os passeios nas nossas cidades e, sem pudores, as autoridades municipais um pouco por todo o país cobram taxas, é o triunfo da desordem e sua legitimação. O Xico é que manda.

O Xico Nhoca tomou o poder. Da internet, passando por jornais, dísticos nas paredes ou em muitas muitas árvores nas nossas cidades, publicita-se a venda de terra em pleno desrespeito dos desígnios da Constituição da República, da Lei de Terras e seus regulamentos, das posturas municipais que regulam o acesso à terra urbana etc., que preconizam que a terra é propriedade do Estado e não pode ser vendida e, por força desses negócios que, não poucas vezes, envolvem gente que os devia impedir, resultam conflitos que podiam ser evitados com acções concretas que fragilizassem o Xico Nhoca evitando que, mesmo daí, se notasse que este chegou ao poder. Ao poder de Xico Nhoca negociante, tem que se seguir acções de correcção que tanto podem implicar a concessão de um espaço a uma das partes (premeando a ilegalidade) ou, acções drásticas como demolições por vezes mal compreendidas não só pelos visados como pela comunidade no geral.

O xiconhoquismo está em alta, tão é alta que até os sindicatos se dão ao luxo de ameaçar o Estado e os poderes instituidos. Quando uma uma organização representativa dos trabalhadores como a Confederação dos Sindicatos Independentes e Livres de Moçambique representada por Jeremias Timane, para além de mostrar preocupação com o acórdão do Conselho Constitucional que considera inconstitucional o artigo 184 da Lei do Trabalho que versa sobre a obrigatoriedade da mediação prévia dos conflitos laborais, ameaça que “caso não seja revogada a decisão do Constitucional” os sindicatos poderão convocar manifestações já que, segundo ele têm, “capacidade de mobilizar todos os trabalhadores para marcharem na rua” é um mau sinal. É o Xico, o Nhoca, a tentar expelir o seu veneno para impôr o anormal, pontapeando todos os princípios de um Estado de Direito que um representante sindical deveria defender.

A lei não pode passar de letra morta; se à menor pressão a pontapeamos para um canto, estamos a dar o sinal de fraqueza do Estado, estamos a dinamitar um dos pilares de uma sociedade que se preze (o direito/a lei/ a ordem) potenciando a anarquia. Todos temos que assumir a nossa responsabibilidade no enforcement da lei e, através dela, na criação da harmonia social que todos desejamos e que, de outra forma, é impossível.

Repito, no caso do comércio informal em Maputo e nas demais cidades moçambicanas, não se trata de “expulsar” os informais pura e simplesmente; há toda a necessidade de conhecer o fenómeno e ordenar convenientemente as actividades comerciais de modo a acabar com a desordem que impera. “Deixem as ruas limpas”… não é isso que espero do edil da capital do meu país mergulhada num caos de informalidade; espero medidas que, não vulnerabilizando as pessoas envolvidas no comércio informal retirando-lhes fontes de renda, ordenem o comércio actualmente informal, eliminando os constrangimentos actuais, como tão bem se fez com os vendedores de flores e artesenato em tempos.

A revista “Tempo” de 12 de Setembro de 1976 escrevia que o “departamento de Informaçao e Propaganda da Frelimo criou uma caricatura a que chamou XICONHOCA. Esta caricatura representa todo e qualquer inimigo interno.” A desordem, um inimigo interno de qualquer sociedade, venceu entre nós. Com muita pena minha. E, infelizmente, nem se trata de falta de regulamentação pois, em minha opinião, temos sido bons legisladores; trata-se de capacidade de fazer valer essas leis.

Capitulamos.




















quarta-feira, 7 de março de 2012

O Novo Johny

O Novo Johny

Júlio Mutisse

Julio.mutisse@gmail.com


Será que faz ainda sentido sonhar com as minas da África do Sul como plataforma para a realização dos sonhos como foi durante séculos para muitos moçambicanos? O que é que a corrida mineira (falo da organizada e formalizada) em curso deveria representar para milhares de moçambicanos?

Se calhar já não faz sentido folhar (termo changane usado para qualificar o acto de imigrar ilegalmente) hoje mais do que ontem e amanhã mais do que hoje. Os projectos mineiros em curso e outros anunciados parecem augurar oportunidades de emprego para milhares de moçambicanos, bem como de desenvolvimento de iniciativas empresariais com potencial de renda para milhares de famílias.

Se ao longo de séculos as minas sul-africanas foram sendo o ponto de convergência para a solução dos problemas e realização do sonho da prosperidade de milhares de moçambicanos, podemos começar a sonhar Tete e Moçambique no geral como o novo Johny, o novo local de convergência dos moçambicanos ávidos de realizar o sonho de prosperidade, construir casa, casar e ter muitos filhos que orientou a debandada para a África do Sul de muitas gerações de moçambicanos.

A consolidação de Tete e outras regiões do país como o nosso el dorado e locais de realização dos nossos sonhos em solo pátrio, depende não só do interesse e vontade dos investidores mas da acção do Estado na infra-estruturação que permita não só o acesso às áreas de mineração, como o escoamento da produção desses locais. A Política geológica mineira aprovada pela Resolução número 4/98, de 24 de Fevereiro, reconhece que a “actividade mineira desenvolve-se em zonas remotas e, em geral, sem infra-estruturas como estradas, pontes, vias-férreas e energia eléctrica entre outros” situações que concorrem para o agravamento do custo relativo do capital investido.

Ainda bem que o Estado tem consciência deste facto. É necessário pois acelerar a edificação dessas infra-estruturas que, para além de beneficiarem as empresas mineiras, beneficiarão (e de que maneira) as populações residentes nas áreas por elas atravessadas. Basta para isso ver o “efeito comboio” na linha de Sena e as potencialidades que a sua circulação cria ao longo de todo o seu traçado. Na política geológica e mineira referida, o Governo assume que promoverá a edificação dessas infra-estruturas, envolvendo, quando necessário, os investidores do sector mineiro, assegurando lhes para o efeito, um justo retorno dos seus investimentos, através de incentivos fiscais apropriados.

São públicas as queixas da necessidade de vias alternativas para o escoamento de carvão de Tete. Uma das empresas envolvidas sugeriu inclusive a via fluvial, segundo notícias, chumbada pelo Governo. Nestes termos, urge materializar a visão deixada na política geológica mineira e promover, seja com a participação dos mineradores, seja por iniciativa do próprio Estado, a edificação dessas infra-estruturas vitais para o desenvolvimento do país.

Pode ser que ao falar das infra-estruturas nossos olhos se virem para Tete. Tete está na moda. Mas a necessidade de vias de acesso e de escoamento não se resume aí. Imagine-se a mesma necessidade para o operador mineiro em Cóbue, em Lupeliche no Niassa ou em qualquer outro ponto localizado numa zona remota sem qualquer infra-estrutura indispensável para o cabal desenvolvimento de operações mineiras com potencial desenvolvimentista para o país.

Em suma, adicionado aos avultados investimentos que as mineradoras (carvoeiras e outras) anunciam, há uma necessidade premente de erguer as infra-estruturas viárias, férreas, eléctricas e outras que potenciem Moçambique como o novo Johny. Afinal, se ontem sonhávamos com a realização nas minas da África do Sul, temos potencialidade para começarmos a pensar na realização na nossa casa. Com o carvão de Tete, ouro de Manica e Niassa, as areias de Chibuto e Moma, gás em descoberta por esta nação fora podemos, a breve trecho, nos transformar no novo Johny onde convergirão não só moçambicanos, como, igualmente, nacionais dos países da região e do resto do mundo havidos de emprego, como de oportunidades de negócios que se abrem em torno desses enormíssimos empreendimentos.

Desafiar o “Negócios” a descobrir este nosso Johny, não só na perspectiva de compreender as relações que se abrem nesses novos focos empresariais e sociais como na perspectiva de explorar as necessidades e possibilidades de instalação de pequenas e médias empresas que sirvam esses empreendimentos assessorando, à preço de um jornal, a corrida ao empreendidorimo. Que tal, na mesma leva, incluir o colectivo das pescas a explicar as populações e aos empresários da região como podem aproveitar a água para fazer peixe e vender às mineradoras etc.?

segunda-feira, 5 de março de 2012

Assim Fala a Juventude, Assim Pensa a Juventude

Por alturas das eleições para SG da OJM, escrevi aqui e aqui sobre as minhas expectativas em relação à dinâmica da OJM pós eleições. Escrevi nessa altura que “Impõe-se, de facto, a necessidade de imprimir uma nova dinâmica no seio da organização; o assumir de uma postura mais irreverente (própria da juventude) quer no discurso, quer nas acções a empreender, que galvanizem a juventude quer no seio do Partido Frelimo quer fora deste.” Acrescentei que, no meu entendimento, não existem problemas e/ou soluções exclusivas à juventude da Frelimo. Existem desafios comuns de uma juventude sedenta de soluções para os desafios vários do momento.

Continuo a acreditar que a OJM, ao juntar no diálogo anunciado “toda a camada juvenil” para a compreensão dos desafios do momento, chave mestra para a concepção de soluções eficazes, poderá constituir-se e/ou tornar-se num espelho no qual a juventude se reveja na busca de soluções para os seus problemas, e como interlocutor válido a todos os níveis, incluindo dentro da estrutura que actualmente define e concebe as principais políticas do país.

Continua sendo um desafio.

O discurso de Basílio Muhate na abertura da 3ª sessão do Comité Central da OJM trouxe de volta, para mim, a sensação de que ainda existe irreverência no seio da nossa juventude isto não só porque a OJM através do seu líder aproveitou para dizer claro e em bom tom “que não vamos tolerar aos jovens e também adultos intriguistas, malandros, escovinhas e criadores de mau ambiente, nem a ingerência de aqueles cujas costas já se encontram gastas de tantas escovas e dizemos, deixem-nos trabalharmas, essencialmente, porque sem subterfúgios, aplaudiu o que vai bem e criticou o que vai mal, inclusive na estrutura governamental, do partido e nas autarquias.

Longe de qualquer polémica que as palavras de Muhate podem, aos olhos de alguns, levantar, foi bom ouvir o posicionamento da OJM sobre assuntos de interesse de uma juventude inteira que não só a juventude da FRELIMO. Destaco 3 pontos:

O emprego: “O desemprego é outro dos problemas que nos aflige, apesar de vermos com bons olhos os ventos de empreendedorismo crescerem e soprarem. Porém, assistimos a uma estranha tendência de exclusão dos nossos jovens quadros, nacionais, em áreas do seu domínio por cidadãos estrangeiros, algumas vezes arrogantes e outras vezes racistas a imporem-se no nosso seio. Começa a ficar grave o cenário camarada presidente, vemos cozinheiros, caixas e canalizadores importados do estrangeiro, será que não os temos cá?

Não somos xenófobos ou racistas porque acreditamos que na vivência dos seres se trocam experiências, mas também acreditamos que não devemos ser preteridos no que sabemos e podemos fazer.”

É verdade que há que potenciar soluções tendentes a conferir emprego a cada vez mais moçambicanos e o SG de uma organização cujos membros sofrem pela falta de emprego não pode ficar alheio a esse aspecto.

É altura de a OJM e todas as organizações juvenis se posicionarem no debate sobre o modelo de formação mais adequado para a produção dos quadros necessários e que respondam às necessidades actuais do mercado e no acelerar do investimento na educação técnico-profissional, bons caminhos para o acesso ao emprego por cada vez maior número de jovens e para o público apelo ao empreendidorismo.

Recursos energéticos: “Assistimos nos últimos tempos a um crescimento de entusiasmo por força do boom energético e mineiro que o país conhece, o que traz uma natural alegria para todos nós, porque cremos que poderá ser um tónico para o nosso desenvolvimento e um estímulo para o aumento da produção, particularmente para a nossa agricultura. Contudo, sabemos que esse advento cria expectativas justas e nalguns casos injustas e desmedidas de pessoas que vêm no petróleo, gás e minérios um garante de uma vida exorbitante e que preterem o trabalho.

Pedimos para que se invista numa maior contenção dos vários actores, ficando nós de o fazer em relação aos jovens e exortamos para que a informação sobre esse boom seja difundida de modo massivo para acabar com as desmedidas expectativas e para que a legislação e as negociações atinentes a sua exploração sejam bem pensadas e ponderadas de modo a ganharmos uma exploração sustentável e que propicie reais ganhos para o laborioso povo moçambicano.”

Fundamental este apelo. De facto se os recursos energéticos em descoberta e outros já em exploração podem ajudar a livrar nos do sufoco, se formos invadidos por um sentimento de comodismo corremos o risco de negligenciarmos outras formas de sairmos do subdesenvolvimento, para além da possibilidade de nos virarmos uns contra os outros.

Oportunidades: “Somos contra o nepotismo e as suas variáveis formas de manifestação, exortamos assim para que as oportunidades sejam distribuídas sempre na busca do equilíbrio e da justiça social no seio do povo de modo a que não minemos e periguemos aquela que é uma das nossas riquezas, a unidade nacional.”

Reitero aqui, com as necessárias adaptações, o comentário feito anteriormente.

Papel e preponderância da Juventude: “Apesar de defendermos o respeito pela quota a que temos direito, não deixamos também de constatar que essa quota nos dias de hoje esta aquém do peso e preponderância da nossa juventude, por isso gostávamos de ver desde hoje repensada positivamente a quota da juventude nos órgãos do nosso país.

Queremos que o compromisso para com a juventude seja claro, tangível e visível no X congresso, não pretendemos de modo nenhum ser bandeira de promoção de alguns nem sequer instrumentos de discussão, queremos ser preponderantes e presentes, mas mais do que isso, queremos ser parte da solução e a solução.”

O meu posicionamento sobre a OJM ao longo dos anos é claro: requer um discurso forte e irreverente que, sem quebrar com as normas internas da organização maior a que pertence, mostre que se trata de uma organização com princípios, normas e causas por defender. Um discurso que não soe a repetição do discurso do Partido, mas um discurso que possa, inclusive, influenciar ele mesmo o discurso da organização maior que é este último. Com uma postura firme e mesmo irreverente, creio eu, a OJM pode conseguir colocar na agenda do partido politicas da juventude e outras coisas que interessam a juventude.

Este discurso marca um princípio. Espero que as mensagens deixadas tenham passado e os seus destinatários as tenham encaixado.