sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Qual Tem Sido a Nossa Postura no Debate de Ideias?

A blogosfera e outros canais de debate estão em efervescência nos últimos dias; esgrimem-se argumentos vários sobre os mais diversos fenómenos algo que julgo salutar. Acontece porem que, muitas vezes, a nossa postura e/ou argumentos nesse debate sao problemáticos. Por essa razão, na perspectiva de os tomarmos como ponto de partida para avaliarmos a nossa postura no debate dos mais diversos fenómenos, decidi trazer para este espaço, dois textos do professor Elísio Macamo ja publicado no matutuino Noticias.

Qual tem sido a nossa postura no debate de ideias? Como nos posicionamos em relação a argumentos contrários? Que critérios, para cada um, atribuem plausibilidade e geram “simpatias” nos argumentos dos outros?

Antes, se calhar, trazer os dois textos:

Vamos combater a credulidade (2) Dos da plausibilidade
E. Macamo

Porque é que argumentos problemáticos passam com tanta facilidade na nossa esfera pública? Um palpite que eu tenho conduz-me à noção de plausibilidade. É um pouco difícil defini-la, mas diria que é algo que está ligado ao tipo de suposições que nós fazemos em relação ao que ouvimos quando não estamos em condições de verificar tudo tim-tim por tim-tim. Se alguém nos diz que o paiol de Malhazine explodiu por desleixo, aceitamos por acharmos que isso encaixa muito bem na ideia que temos do funcionamento das nossas instituições. Isto é, fazemos uma suposição qualificada sobre a veracidade de uma afirmação que, do ponto de vista prático, pode ser considerada verdadeira na ausência de provas em contrário. Em relação ao paiol, por exemplo, consideramos plausível a ideia de que se trate de desleixo na ausência de outros elementos que poderiam mostrar o contrário. Aceitamos, portanto, a afirmação como sendo provisoriamente certa.

O nosso dia-a-dia está cheio deste tipo de argumentos. Eles obrigam-nos a usarmos o nosso senso-comum para decidirmos se vamos acreditar numa afirmação ou não. A base dessa crença (e desse senso-comum) é o que não fere o nosso sentido do que é normal. Sei que a coisa fica um pouco complicada, porque o que é normal entre nós não é assim tão fácil de determinar. Eu diria, por exemplo, que se alguém me viesse dizer que viu uma pessoa a voar esse relato estaria a violar o meu sentido do que é normal. Sei, contudo, que para outras pessoas isso não seria assim, aliás Quisse Mavota mostrou isso. Não obstante, este é um caso que não precisa de nos deter por muito tempo, pois está mais relacionado com a questão da coexistência de várias referências ontológicas no nosso quotidiano. O importante é reconhecer o papel que o nosso senso-comum desempenha na determinação da plausibilidade de uma afirmação e, como exercício crítico, confrontar esse senso-comum.

Na verdade, os nossos problemas com a plausibilidade na esfera pública começam quando confiamos demasiado neste senso-comum. Se alguém nos diz que os distúrbios de 1 de setembro eram protestos de gente afectada pela carestia da vida reagindo a um governo arrogante e o nosso senso-comum nos diz que há carestia e o governo é arrogante, então concluimos que de facto essa foi a causa dos distúrbios. Reparem que, em princípio, não é inconcebível que assim seja, mas no fundo a nossa única base de inferência é apenas o senso-comum. Portanto, argumentos plausíveis são frequentes, mas terrívelmente inseguros. Deixá-los ficar pela plausibilidade é o pior que podemos fazer no espírito da elevação da qualidade do debate.

No fundo, o que a plausibilidade nos diz é que precisamos de mais informação, pois um argumento plausível é um argumento provisório. Com mais informação, sobretudo informação que contraria a nossa afirmação, podemos talvez rever a nossa aceitação da conclusão. A questão que deveríamos colocar antes de fazer eco ao que é plausível é de saber o que precisaríamos de saber para estarmos seguros de que a conclusão segundo a qual os distúrbios foram protestos de gente afectada pela carestia da vida perante um governo arrogante é mais do que plausível. É sintomático que no calor das manifestações nenhuma das pessoas que escreveu textos de análise incendiários a sugerir esta explicação falou com os perpretadores. Há quem simplesmente somou 2 mais 2 e concluíu que só podia ser isso. Agora, atenção que com isto não quero dizer que não tenha sido isso (não sei o que foi), nem mesmo que não tenha havido pessoas que se fizeram à rua movidas por essas ideias.

O que está em causa é a nossa responsabilidade crítica como membros da esfera pública. Estamos dispostos a entrar em confrontação com o que nos é dito ou não? De que maneira o podemos fazer? Batendo simplesmente palmas? Defendendo? Ou interrogando o nosso senso-comum, fonte da plausibilidade do argumento que nos é servido? Penso que a interrogação do nosso senso-comum é o caminho. Interrogamo-lo simplesmente procurando uma base de informação mais sólida. Esta sugestão, por acaso, não vale apenas para o argumento do protesto. Vale também para a sugestão feita pelo Ministro do Interior, segundo a qual estaríamos perante bandidos. Olhando para o tipo de acções que caracterizaram os distúrbios podemos conferir plausibilidade a essa descrição. Mas para que ela seja mais do que plausível seria necessário olhar para a forma como a manifestação decorreu, comportamento da polícia e de diferentes grupos de manifestantes. Aqui também poderíamos constatar que se tratou mesmo de bandidos, ou não. Normalmente, quando vamos para além da plausibilidade colocamo-nos em posição de diferenciar e qualificar os nossos argumentos. Diferenciar e qualificar são coisas muito importantes para a saúde do debate. Nos nossos jornais e na internet anda muita gente que não vê virtude nisto.

Vamos combater a credulidade (3) Dos comprometidos
E. Macamo

A credulidade tem várias manifestações (não confundir com “distúrbios”). Uma delas, sobre a qual me debruço neste texto, é de argumentar a partir duma posição de compromisso. Eu explico. Algumas intervenções no debate sobre os distúrbios de 1 de setembro foram no sentido de dizer que a carestia de vida é tanta que um pobre não tem outra alternativa senão revoltar-se violentamente. A credulidade intervem aqui para nos dizer que sim, essa situação explica tudo; ou que não, isso não explica nada. No primeiro caso queremos acreditar que sim enquanto que no segundo queremos acreditar no contrário. Antes de eu analisar os problemas inerentes à esta atitude vou explicar a natureza do argumento envolvido um bocadinho mais. A essência vai no sentido de dizer que a posição que uma determinada pessoa ocupa na sociedade (podia também ser a filiação religiosa, política, etc.) obriga-a a agir duma única maneira se não quiser ser incoerente. Um pobre, porque pobre, só pode reagir à carestia revoltando-se.
O argumento contém três elementos. O primeiro é, por assim dizer, uma premissa que contém provas da existência de um compromisso. Por exemplo, os “manifestantes” são pobres (afinal estavam a reclamar a subida de preços, vivem em bairros periféricos, dependem de chapa, etc.). Podíamos representar formalmente esta premissa com a seguinte frase: f (fulano de tal) tem compromisso com posição x de acordo com certas provas ao nosso dispôr (as condições sociais em que vive). O segundo elemento continua a ser uma premissa, mas desta feita o que ela faz é articular o posicionamento com uma outra coisa. Por exemplo: um pobre revolta-se quando a carestia da vida aumenta. A forma seria: normalmente, a posição x implica também posição y. Ou seja, um pobre (posição x) revolta-se quando a carestia de vida aumenta (posição y). Destas duas premissas resulta a conclusão deste argumento com base no compromisso, nomeadamente que f (fulano de tal) por ser x tem que fazer também y. Em moçambiquês: um verdadeiro pobre deve revoltar-se quando a carestia da vida aumenta! Esta conclusão é violenta porque impõe limites ao que podemos dizer, fazer ou pensar em virtude do lugar que ocupamos na sociedade. Corremos o sério risco de sermos acusados de incoerência se fizermos ou dissermos coisas que não encaixam na expectativa criada por este argumento. Se um indivíduo, apesar de ser pobre, dissesse que não é com manifestação que o problema se resolve, achamos que podemos com legitimidade levantar sérias interrogações em relação à genuidade da sua condição. Dizemos, indignados, que um indivíduo que diz isso não pode ser pobre! E este tem sido o problema nas nossas discussões na esfera pública. Ou obrigamos as pessoas a aceitarem as implicações práticas de ocuparem certos lugares na sociedade ou então a reconhecerem que estão a ser incoerentes.
Há saídas para este dilema. A primeira saída é simples. Que provas são essas que demonstram que f tem compromisso com posição x? No caso do pobre a coisa é simples. A situação está difícil no país e aquele que é pobre não pode esconder a sua condição. Nem tem necessidade de o fazer. Mas o conceito de pobre é vasto demais para poder comprometer todo o indivíduo que possa assim ser descrito. Há pobres muçulmanos, presbiterianos, católicos, ateus, operários, empregados domésticos, mulheres, jovens, do sul, da Frelimo, que vivem neste e não naquele bairro, etc. Cada uma destas pertenças ou identidades é um quadro de referência normativa que age sobre cada um desses indivíduos e impõe limites ao que ele faz ou pensa que devia fazer. Esta complexidade da noção de pobre não permite a ninguém deduzir o seu comportamento simplesmente a partir da constatação de que alguém é pobre. Há pobres que de certeza acreditam no respeito de propriedade alheia e na ordem. Não são vítimas de falsa consciência. São assim e ponto final. O uso indiscriminado da categoria de pobre para explicar porque algumas pessoas reagiram de forma violenta à carestia da vida (partindo do princípio de que esse foi o caso) parece-me assim problemático.

A segunda saída é central. Haverá excepções à regra segundo a qual a posição x implica posição y? Por exemplo, se um determinado pobre achar que certos pobres - com os quais ele devia solidarizar-se por ser também pobre - comportam-se duma maneira que viola os seus valores e, por causa disso mesmo, achar que lhes devia recusar a sua solidariedade, ele poderia dizer que ao fazer isso não estaria a ser incoerente consigo próprio porque o seu entendimento da conduta moral dum pobre obriga-o a condenar certas posturas. É verdade que algumas pessoas podem insistir com um princípio geral que diz que um pobre, independentemente das circunstâncias e da conduta de outros pobres, deve ser solidário com outros pobres. Aí, contudo, já estamos a entrar numa área que ultrapassa os limites da atitude analítica. Já não se trataria de reflexão crítica, mas sim de obediência. E na verdade, uma grande ameaça que páira sobre as nossas sociedades é este compromisso cego com certos princípios normativos gerais. É esta ideia nociva de que aquilo que consideramos correcto é correcto para toda a gente e em todas as circunstâncias.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Quando Obama Elogia Moçambique

É público que Barack Obama elogiou Moçambique e outros países afirmando que "É a força que transformou a Coréia do Sul a partir de um beneficiário do auxílio de um doador de ajuda. É a força que tem elevados padrões de vida do Brasil para a Índia. E é a força que permitiu a países emergentes Africanos como a Etiópia, Malawi e Moçambique desafiar as chances e fazer um progresso real no sentido de alcançar os Objectivos do Milénio, assim como alguns de seus vizinhos - como a Cote d'Ivoire - tenham ficado para trás. "

É bom lembrar que, há poucos meses, o representante dos EUA em Moçambique era o tocador do tambor barulhento no “motim” provocado pelos nossos “parceiros” estratégicos que, segundo alguns peritos no assunto, ajudou a potenciar ou está entre as causas da crise que vivemos de momento.

Mas o que é que significa este elogio? O que é que de facto encerra? Para além dos esforços que tem sido empreendidos, não desde Janeiro de 2010 mas já a algum tempo, haverá alguma coisa mais que “precipite” tamanho elogio por exemplo: o desenvolvimento dos trabalhos no Vale do Rovuma ou a pujança com que a China se envolve com África e Moçambique em particular?

Apesar destas dúvidas quanto a motivação de um discurso deste género 9 meses depois de, o mesmo país, ter sido severo nas suas críticas ao país, não tenho dúvidas de que há trabalho que tem sido feito internamente para erradicar a pobreza. Não tenho dúvidas de que, de alguma forma esse trabalho se reflecte na vida das pessoas. Não tenho dúvidas de que continuamos longe de poder tirar o pé do acelerador e relaxar na longa “marcha” pelo bem estar dos moçambicanos.

Aliás, mesmo o Presidente da República está ciente de que há muito que fazer. Reagindo aos elogios, AEG disse que essas declarações “mostram claramente que o país está a avançar rapidamente”, apesar dos problemas existentes e que são típicos do processo de desenvolvimento. Isto é, o PR tem noção de que há ainda problemas a ultrapassar.

Segundo o Presidente moçambicano, as declarações de Barack Obama mostram que os Estados Unidos da América (EUA) têm estado a acompanhar esses progressos.

Seja qual for o móbil, é um elogio vindo de um dos nossos parceiros que foi crítico ao país no início do ano. Seja como for, custa me constatar a ausência das vozes e canais que, internamente, são contestatárias da realidade referenciada pelo Presidente Obama. Estranho o silêncio daqueles que, permanentemente, preferem passar a ideia de que, o Governo moçambicano falta à verdade, quando diz que as suas políticas de combate e erradicação da pobreza estão a surtir efeitos desejáveis.

Pode ser que os consiga trazer aqui. Espero por eles todos: Reflectindo, Machado, Couto, Langa, Mabunda e outros que não os vi tão activos como seria se Obama tivesse dito o contrário do que disse.