sexta-feira, 19 de junho de 2009

Estive Numa Gala

Estive numa gala.

Estive numa verdadeira gala. Não uma gala de plástico, de playback com gente a fazer de conta que canta. Estive numa gala onde me deliciei com acordes de artistas de mão cheia, de vozes de ouro. Artistas de referência embora poucas vezes referenciados; artistas cujo talento, há muito se diz, não fica a dever nada há muitos que, vezes sem conta, nos batem as portas e nos inundam de música(?) de plástico quais pastilhas indigestas.

Estive numa gala.

Uma gala aberta pelo Coral da UEM cantando o hino nacional acompanhado dos sopros de Moreira Chonguiça. Só ver o Moreira prometia.

Se dúvidas tivesse de que estava numa gala ter-se-iam dissipado logo de início. A voz suave, melodiosa e bem tratada do "poeta das boas essências," embalou-me num início que me assustou. Era de assustar qualquer um. Se o Hortêncio canta logo de início o que se seguiria? Um misto de contentamento e expectativa abateu-se sobre mim.

Depois veio o Arão. Sim o Litsure acompanhado de uma malta jovem, de vozes e acordes afinadíssimos (reconheci os meus amigos Alfa e Falito Magaia e ainda o Zé Manel). A angústia quanto ao que se seguiria dissipou-se. Não haviam dúvidas, eu estava numa Gala. Numa gala grandiosa ao nível do Homenageado: Eduardo Mondlane, no seu ano e nas vésperas do 20 de Junho que seria o seu 89º aniversário.

E não é que o Izidine me anuncia o João? Sim, o João Cabaço. Não resisti, peguei no telefone ensaiei uma filmagem que não deu certo. Vinguei me mandando uma SMS ao Amosse e ao Mapengo que dizia: "imaginas o que é ver e ouvir seguidamente Hortêncio, Arão e Cabaço? Agora é o Cabaço... roa-se de inveja." As respostas denotaram que meus amigos queriam estar ali onde eu estava; na gala. Numa verdadeira Gala.

O João cantou, dedicou a música a Vovô Janet. Brincou com a voz naquele seu estilo calmo, sereno e exuberante, naquela super voz que gostaria que meus bisnetos ouvissem ao vivo e não só via gravações que guardaremos. O João e a sua voz não devem morrer. Têm que estar presentes para que nossos bisnetos testemunhem, não só em escritos como este ou outros melhores, que o país tem uma grande voz. A voz do Gentleman Cabaço.

O Hortêncio e o Arão voltaram ao palco. Cantaram a esperança numa música composta, segundo o Hortêncio, em 1977 quando muitos países de África não estavam ainda independentes. Eles cantaram a esperança de que esses países hasteariam a bandeira e se afirmariam no plano das nações tal e qual Mondlane tinha sonhado para Moçambique já independente. Hoje, contextualizando, interpreto aquela música como a esperança de dias melhores para todos nós. Eu tinha chegado ao Céu, ou estava muito perto. As 3 vozes masculinas que mais admiro no panorama musical moçambicano estavam ali, a minha frente, cantando juntas... se não fosse o ambiente das galas... e eu estav numa gala. Numa verdadeira gala.

A Tânia Comé declamou melodiosamente um poema que nos lembra que Eduardo, o Mondlane, viveu, vive e viverá porque Moçambique é eterno e a trajectória de Mondlane se confunde com este Moçambique. Disse nos que mataram Mondlane mas não o tiram de nós, por que ele é um de nós, está em cada um de nós, e não se pode prender ou roubar a multidão. Não tenho dúvidas. Como dúvidas não tenho do talento da Tânia. Eu estava numa gala. Numa verdadeira Gala.

Depois veio o Ciro e os violinos. Confesso, não é o meu instrumento preferido mas, os sons do Ciro e suas 2 companheiras são me favoritos. Afinal música, bem tocada, mesmo que com garafas de cerveja vazias, soa sempre bem. Aquele era o ambiente da gala.

A ideia com aquela miscelânia, era mostrar a trajectória de Mondlane, as suas vivências e aprendizagens. Não foi por acaso que se abriu com Hortêncio, depois veio Arão e posteriormente Cabaço. Era o traçar do caminho Manjacaze, Kambine e Maputo. Os violinos simbolizam as diversas aprendizagens de Mondlane, as várias experiências.

O desfile não tinha terminado. A Gala estava a começar. Eu estava lá. Na gala. Na verdadeira gala.

O Izidine falou do amor que Mondlane tinha pelos seus filhos. Por isso veio o Mucavele, o José, (já perceberam que era uma ala a sério não é?) falar nos, cantando, das crianças. Pensei que ele fosse cantar, representando Mondlane, a balada para as suas filhas. O José trouxe uma composição nova, que fala de crianças, crianças sofridas que deambulam pelas estradas, principalmente aquela que segura sua mãe sega pedindo esmola ou a protegendo dos perigos dos automobilistas nas estradas de Maputo. Dedilhou a guitarra com mestria como se tivesse uma orquestra com ele. Mas era ele só. Ele mesmo, José Mucavele aquele monstro incotornável da nossa música. Eu estava numa Gala gente.

A Tânia queria ser "Tambor" e ela voltou. Voltou, cantou, aliás declamou ou cantava? Não sei, só sei que ela deu vida a poesia. A Tânia deu outra dimensão à Poesia naquele ambiente de gala em que Eu estava.

Quando anunciaram a UEM Youth Band, confesso que torci o nariz. Quem são esses? Mas eu disse para mim: os organizadores não vão me defraudar. Depois daquele naipe de artistas não trariam qualquer grupelho aqui. E o UEM Youth Band, de youth só tem mesmo o nome. Tiveram uma actuação personalizada tocando um estilo musical que se diz, ter sido dos favoritos de Mondlane: O Jazz. E os rapazes são mesmo bons. Não defraudaram e vincaram que estávamos numa gala. Numa verdadeira gala. Eu estava lá.

Veio a Chudy a cantora que descende do Herói, no seu estilo característico a hipnotizar a plateia. Magistral, digno de uma gala. Eu estava lá e vi. Vi e ouvi a Chudy acompanhada magistralmente pela UEM Youth Band, cantar duas músicas, a segunda da qual com sopros, também, do Moreira Chonguiça. Fenomenal. Aquilo estava acontecer ali, no centro cultural da UEM e eu estava lá.

A UEM Youth Band, acompanhou o Moreira numa das suas canções predilectas que fez vibrar a plateia. Eu disse para mim: este país tem talentos. Ali. naquele momento, estavam encarnados no Moreira e naquela banda de estudantes de música da UEM que o próprio Moreira tratou de dizer serem um futuro da nossa música e, eu cá para mim, que venha o futuro mas o presente me maravilha e, Moreira e a UEM Youth Band, maravilharam-me naquele ambiente em que eu estava. Um ambiente de gala, numa gala.

A Tânia voltou saxofoneando o Moreira, imitando-o na música que acabara de tocar para gritar como deve ter gritado o Eduardo "Deixem meu povo passar". Senti-me orgulhoso de, à minha maneira, fazer hoje parte de um exército enorme que luta, não para expulsar colonizadores, mas para o bem estar próprio e dos demais. Há coisa melhor? Estava numa gala.

Estava numa gala homenageando um homem que teve o mérito de dizer aos jovens do seu tempo: "não podemos lutar divididos, assim estaremos enfraquecidos.
Unamo-nos para combater eficazmente o inimigo comum."Os jovens do seu tempo perceberam a mensagem. Hoje somos independentes, pelo menos politicamente. E nós jovens de 2009, século XXI, essa mensagem não nos diz nada? Continuamos cada um na sua trincheira enquanto os desafios de acesso ao emprego, habitação e outros pesam sobre nós?

Enfim... mas aqui estou a falar da gala. Daquela em que eu estive. E dizia que Mondlane uniu os jovens do seus tempo. E pregou esta unidade; deviam ser unidos na época e devemos continuar unidos hoje e amanhã, como povo e com o ideal de, nas nossas diferenças, nos constituirmos como Nação. Por isso veio o Eyuphuro com rítmo forte, bem tocado, nada de plástico, sintético. Tudo real, guitarradas boas, as manas a dançarem com trajes típicos lá da banda. Fenomenal. Este país é magistral. Os presentes vibraram, bateram palmas. Animou. Eu extaziado dizia. Estou numa Gala.

A Gala continuou. Ouvi e vi o Dua cantar sobre a irmandade. Ele nos convidava para essa irmandade. Deviámos trazer mais amigos, mais gente, mesmo que não fosse do nosso bairro para aquela irmandade. Só visto. Era uma vez uma Gala a que eu presenciei.

Gorwane para fechar. Chitsondzo limpou as lágrimas dos Dzovos que choram o filho de rei que morreu defendendo o seu povo e David Macuacua majurujentou o povo que levantou, aplaudiu e foi se dispersando na certeza de que, tal como, estivera numa Gala. Há a promessa de reencontrá-los em Nwajahane.

PS: Falando em Nwajahane, por imperativos familiares, é para lá que terei que ir este sábado (a Minha Mondlane não abre mão da minha companhia) pelo que, como alguém já disse, não podendo dois corpos estar simultaneamente no mesmo local (neste caso querendo estar) não poderei me fazer presente - fisicamente - no HG Machava. Mas, acreditem, lá estarei de espírito por acreditar nas iniciativas do género e por querer que prossigam. Por favor deixem naquelas crianças, pelo menos, uma sensação parecida com a que senti ontem na gala que descrevo acima. Um abraço.