segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Decreto nº 11/2007 - Continua a Fumar-se Em Lugares Públicos

"Continua o uso do tabaco em locais públicos" este é o título de uma notícia publicada no Media-fax de hoje. Não sei porque mas não me surpreende.

Em tempos publiquei neste blog um post com o título "Moçambique terá Lei de Concorrência" e apresentava as minhas inquietações fundamentalmente sobre o que devemos criar primeiro: as leis ou as estruturas?

Referi nesse post que não sou contra a regulação das diversas matérias. Sou contra a multiplicação de leis sem aplicabilidade e questionava-me sobre a nossa preparação para lidar com essas matérias. Comentando, Bayano Valy achou a indagação pertinente e que lhe lembrava a história do ovo e da galinha - "qual foi o primeiro?": O Valy referiu que acha que "a estrutura é muito mais importante do que a lei." O Jaime Langa acrescentou que a questão da "lei ou a estrutura, pode ser comparada com o actual desafio que os gestores enfrentam e tem estado a discutir se devem constituir primeiro empresas ou negócios."

Quando leio que "Continua o uso do tabaco em locais públicos" apesar de o Decreto 11/2007 já estar em vigor já há algum tempo, ponho me a pensar porque razão enquanto preparamos as leis e decretos, não fazemos o trabalho de casa de PREPARAR a estrutura que cuidará de fazer cumprir fiscalizando essas leis.

O dinheiro gasto em estudos, consultores etc que trabalham na criação dessas leis tem que ser valorizado pela aplicação prática desses instrumentos, o que equivale a alcançar os objectivos por ela pretendidos.

Sabemos pelo Media-fax que "Parte considerável dos proprietários e gestores dos espaços públicos, nomeadamente, dos bares, discotecas, restaurantes, hotéis e pensões, entre outros, estranhamente não cumprem a lei de fumadores, e alguns dizem não conhecer os detalhes daquele dispositivo legal, alegadamente por falta de uma divulgação ampla". Porém, com uma fiscalização activa e actuante o desconhecimento da lei não eximiria qualquer deles da sua aplicação. É exactamente para dar a conhecer a Lei que esta é publicada no Boletim da República apenas se tornando obrigatória depois disso. Nos termos da Lei a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas (código civil art. 6).

Tudo isto não anula o mérito que teria uma campanha de divulgação das normas do Decreto 11/2007 como já se fez noutras ocasiões com outras leis. Mas, uma vez em vigor, teria que haver condições de fiscalização do seu cumprimento e o problema é que esta é NULA.

Vale mesmo a pena correr e regulamentar ou devemos antes fazer o trabalho de casa criando estruturas para, uma vez regulada determinada matéria, haverem condições ou garantias de aplicabilidade?

9 comentários:

stayleir marroquim disse...

Caro Mutisse,
amigo e colega de longa data.

Acho que seria melhor adiantares que acções, que estruturas, que TPC's, em concreto, devem ser efectuados.

Será que não existem funcionários públicos para fiscalizar a execução do diploma que proibe o consumo de tabaco em locais públicos?

Será que existem sim fiscais, mas que não fazem o seu trabalho? ... serão eles corrompidos pelos proprietários dos estabelecimentos comerciais?

etc.

Acho que se tomasse esses pontos (entre outros claro) em consideração, a sua contribuição traria mais luz para a resolução do problema.

Aquele abraço.

SM

Matsinhe disse...

Meus caros

Vamos por partes: O Decreto 11/2007 de 30 de Maio estabelece uma série de sanções para os violadores das normas nele estabelecida e estabelece que "compete aos ministérios da saúde, indústria e comércio, Agricultura, Finanças e Interior ASSEGURAR e ADOPTAR AS NORMAS NECESSÁRIAS PARA A IMPLEMENTAÇÃO do Decreto."

O Decreto entrou em vigor 180 dias após a sua publicação, espaço mais do que o suficiente para que TODAS essas entidades fizessem o seu trabalho e garantissem a aplicabilidade do Decreto. A verdade é que nada foi feito.

Para piorar, o Ministério do Turismo que superintende grande parte das áreas cobertas pelo referido regulamento não foi tido nem achado entre as diversas instituições que devem adoptar medidas para o pôr em prática, sabido que é que, em princípio é o Ministério do Turismo que lida com a hotelaria, restauração e similares cobertas pela obrigação de terem espaço para fumadores e não fumadores.

Isto para mim é uma autentica confusão. Cada um dos ministérios citados vai definir normas dentro do seu pelouro que ajudem na produção de efeitos do Decreto 11/2007. Por exemplo o ministério das finanças tratará da questão tributária prevista tributária prevista no art. 3 do Decreto 11/2007 e o Ministério da Saúde da questão das políticas prevista no art. 9. Qual o papel do Ministério do turismo? Devemos entender que por ter algum enfoque na hotelaria, restauração e similares o Ministério do Turismo realizará a fiscalização atendendo que, por exemplo no art. 269 nº 1 do Decreto 18/2007 de 7 de Agosto, se refere que cabe a entidade que tutela o sector do turismo proceder a fiscalização dos estabelecimentos de alojamento turistico restauração e bebidas?

Me parece que seria MARTELAR uma interpretação na medida em que tal competência surge no âmbito das disposições do Decreto 18/2007 em específico. No caso do 11/2007 ficou-se por GENERICAMENTE dizer-se que uma série de organismos, do qual se exclui o turismo, tem competências NA EFECTIVAÇÃO das disposições daquele instrumento.

Portanto, em minha opinião, um corpo de fiscalização coerente devia ter sido criado antes de nos lançarmos nesta empreitada que até agora não nos levou a lado nenhum já que continua-se a fumar a torto e a direito.

Júlio Mutisse disse...

Ilustre Stayleir

Obrigado por cá vires. Obrigado por me chamares atenção para a necessidade de concretizar as críticas. Isso é importante. Ao postar o texto anterior moveu-me essencialmente o meu cepticismo em relação a forma como temos legislado em Moçambique sem, muitas vezes, ter em conta as condições em que essas leis vão ser aplicadas de facto.

Falo por exemplo da formação do homem. No caso do regulamento sobre o consumo e comercialização do tabaco, em minha opinião, mais do que dizer que se deve dar 25% do espaço da area total do espaço público (alinea a) do nº 2 do art. 5 do do Decreto em análise) teriamos que analisar e conhecer as condições específicas em que funcionam os estabelecimentos onde queremos implementar tal medida. Isto é, antes de dizermos o quê e em que condições podem vender certas coisas, teíamos que saber e regular devidamente as condições em que operam. Num país em que ploriferam barracas (onde grande da população nacional passa as refeições) que aplicabilidade prática tem esta medida? A não ser que ela funcione apenas para o restaurante do polana e do girassol onde só poucos tem acesso.

Mais Stayleir,

Em grande medida as normas do Decreto 11/2007 não são por si só exequíveis. Dependem de regulamentação superveniente de vários orgãos.

Depende, por exemplo da implementação de medidas normativas e administrativas para proteger as pessoas perante a exposição do fumo de tabaco (nº 2 do art. 2) - Portanto faltam estruturas normativas e Administrativas.

Para reduzir a demanda de tabaco e seu consumo, depende da aplicação de políticas tributárias e de preços elevados (art. 3) - Portanto falta uma estrutura de polítca fiscal e de taxação.

O Ministério da Saúde ainda tem que definir políticas "apropriadas, completas e integradas, fundamentadas em provas científicas e nas melhores práticas, tendo em conta as circunstâncias e prioridades nacionais" - Mais uma vez faltam políticas.

A inexistência de estratégias de saúde "apropriadas, completas e integradas, fundamentadas em provas científicas e nas melhores práticas, tendo em conta as circunstâncias e prioridades nacionais" faz me supor que não se saiba ainda o impacto do tabaco na nossa sociedade, logo não se sabe com que meios se deve combater o mal.

É problemático. Não queria entrar nas questões de fiscalização a que o Matsinhe se refere porque não compulsei a regulamentação subsequente da lei do turismo por exemplo. Mas sei que esta lei remetia a regulamentação subsequente a questão da fiscalização (ao contrário da Lei do Trabalho, por exemplo, que contem a definição do âmbito, competências etc dos seus inspectores). O Decreto que analisamos é omisso quanto à competência de fiscalização, embora defina sanções. A quem realmente compete fiscalizar as normas deste Decreto e daquelas que virão da regulamentação que se requer para a sua implementação?

Tenho dito, um abraço.

Book Sambo disse...

Meu caro amigo, a sua indagacao e' justa. Mas ha que considerar que o problema da fiscalizacao no nosso pais ja tem barbas brancas. Repare que para as coisas basicas nao temos ninguem a fiscalizar. Estou a falar dos fiscais para aqueles que mijam atras das arvores na via publica; daqueles que jogam a casca de banana na rua, latas vazias de coca-cola; os produtos fora do prazo nas prateleiras das mercearias, etc.
Precisamos de fiscais para muita coisa no nosso pais. Mesmo antes da lei do consumo do tabaco ja precisavamos de fiscais.
Acho que ate precisamos de fiscais para controlarem a aplicacao ou nao da legislacao em vigor mas para isso deviamos criar mais uma ONG nacional financiada pelos nossos doadores.
E mais nao disse

book sambo

Júlio Mutisse disse...

Ilustre Sambo,

Bem vindo a este espaço e obrigado pela sua contribuição. De facto o problema da fiscalização (ou da falta dela) não é novo e deve começar a merecer maior debate entre nós. Qual é o problema afinal? É das estruturas fiscalizadoras (que em alguns casos não existem ou são inoperantes)? Ou é da estratégia de produção legislativa que temos seguido?

Mais uma ONG seria acrescentar mais uma instituição que precisaria de ser fiscalizada (pelo fisco, pelo Ministério do Trabalho etc). Será que vale a pena? Me parece que não. Temos que fazer mais´: estudar, aprofundar as questões, divulgar, educar o homem etc.

Basilio Muhate disse...

Eu sou de opinião que os consumidores são os principais fiscalizadores da aplicação ou não desta lei. é preciso que haja maior consciencialização sobre os direitos dos consumidores e sobre a possibilidade que estes têm de jogar um papel importante na fiscalização do cumprimento da destas regras anti-tabagistas.

Júlio Mutisse disse...

Plenamente de acordo consigo Muhate. O cidadão tem um papel activo na fiscalização do cumprimento (ou não) da legislação em vigor. Ao fazer isso, o cidadão está aexercer a tal cidadania de que falamos no post anterior a este neste blog.

O Cidadão conhecedor dos seus direitos tem um papel activo na consumação/efectivação dos objectivos pretendidos pelo Estado. Aceitar que os "consumidores são os principais fiscalizadores da aplicação ou não desta lei" não deve, em minha opinião, justificar ou legitimar a omissão dos orgãos do Estado que têm na definição de políticas, estratégias e regulamentos para que esta e outras leis sejam implementadas ou implementáveis. Existe um papel do cidadão e outro do próprio das instituições Estado (punir os infractores por exemplo) onde é difícil um e outro se substituirem.

Estamos a exercer a nossa cidadania alertando sobre a necessidade de se fazer tudo o que tem que ser feito para que este Decreto se torne verdadeiramente implementável tendo em conta as suas disposições.

Martin de Sousa disse...

Aplicando multa ao Hotel Tofo Mar por não proibir o fumo Inspecção de Inhambane dá exemplo
- A infracção é a falta de sinaléticas de proibição de
fumo de cigarros tal como determina o decreto 11/2007.

Escreve o media fax de hoje.

chapa100 disse...

caros, "Em grande medida as normas do Decreto 11/2007 não são por si só exequíveis. Dependem de regulamentação superveniente de vários orgãos".

"Depende, por exemplo da implementação de medidas normativas e administrativas para proteger as pessoas perante a exposição do fumo de tabaco (nº 2 do art. 2) - Portanto faltam estruturas normativas e Administrativas".

"Para reduzir a demanda de tabaco e seu consumo, depende da aplicação de políticas tributárias e de preços elevados (art. 3) - Portanto falta uma estrutura de polítca fiscal e de taxação".

"O Ministério da Saúde ainda tem que definir políticas "apropriadas, completas e integradas, fundamentadas em provas científicas e nas melhores práticas, tendo em conta as circunstâncias e prioridades nacionais" - Mais uma vez faltam políticas".
subscrevo, e acho que o debate esta interessante.