Vamos abrir o ano fazendo analogias entre Angola e Moçambique em termos de participação política juvenil. A matéria que reproduzo aqui não é da minha autoria. Recebi de um amigo por email. Achei tão interessante que decidi abrir o ano de 2009 (espero que seja bom para todos) com esta matéria.
Segundo o meu amigo José Armando Estrela, "Os Jovens e a política" é um capítulo " do livro "Sociedade Civil e Política em Angola, enquadramento regional e internacional", de autoria de Justino Pinto de Andrade e Nuno Vidal, 2008. Uma análise dedicada ao estudo da juventude angolana e da sua relação com a política.
Ao trazê-lo para aqui, em partes, pretendo levantar o debate sobre como nós, jovens, temos feito a nossa participação política em Moçambique. Que similitudes podemos encontrar entre o processo angolano e o nosso até, eventualmente, desembocar na análise da capacidade das organizações juvenis partidárias, ou não, de influenciar as políticas que lhe dizem respeito, ou que dizem respeito a toda a sociedade.
Vamos a isso.
Os Jovens e a política
Introdução
O sistema monopartidário que regeu o país entre 1975 e 1991 deixou marcas que ainda hoje toldam o espaço de participação política dos jovens adultos que nele cresceram e nos que, não o tendo vivido, adquiriram através da sua educação alguns dos seus valores – a partidarização de todos os sectores da sociedade, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) enquanto partido "de todos os angolanos", a política enquanto meio de elevação social e o auto-controlo da liberdade de expressão.
Numa Angola ainda em transição para um sistema democrático, as formações políticas juvenis tentam impor-se nos partidos a que pertencem e no seio da própria juventude angolana. Com um número de membros na ordem dos "milhões" 1, as "jotas" dos três "partidos tradicionais" – MPLA, União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) e Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) – apostam num discurso conciliador e unificador. Assumem-se como organizações de todos os jovens angolanos, independentemente das suas ideologias (JMPLA e JURA2), e vincam o activismo cívico como a sua prioridade (JFNLA).
Aqueles argumentos causam algumas desconfianças entre os jovens assumidamente apartidários, que não reconhecem credibilidade ou qualquer poder real das "jotas" dentro dos partidos. O olhar crítico que esta franja apartidária da juventude angolana lança sobre o sistema político angolano denuncia uma mudança de mentalidades: rompendo com a visão exclusivamente partidária da dimensão política individual, alguns jovens assumem agora uma cidadania activa e não politizada, que exercem nas suas actividades diárias ou em organizações da sociedade civil. No entanto, e apesar das suas diferenças, jovens militantes e não militantes concordam genericamente que o nível de consciencialização política dos jovens angolanos é ainda muito ténue e que um trabalho conjunto deverá ser feito para reverter o quadro.
Este texto procura analisar a relação dos jovens com a política em Angola, partindo sobretudo da perspectiva dos próprios jovens, apresentando-se estruturado em dois grandes capítulos para o efeito. O primeiro, especificamente dedicado às juventudes partidárias – sua implementação e acção na sociedade (1.1), seu poder dentro dos partidos (1.2) e inter-relação (1.3). O segundo aborda a questão da juventude e da política no geral, para além das juventudes partidárias, quanto à consciência política prevalecente e suas limitações (2.1) e a possíveis agentes de consciencialização política alternativa (2.2).
Para além de levantamento e análise documental, a pesquisa para este trabalho incluiu 18 entrevistas realizadas entre os dias 30 de Novembro e 14 de Dezembro de 2007 a jovens adultos angolanos dos dois sexos, das áreas da política, sociedade civil, jornalismo, cultura, ensino superior e advocacia. Enquanto uns estão ligados ao sistema político através das suas famílias e das "jotas", outros definem-se como apartidários e não-simpatizantes de qualquer força política.
1. Juventudes Partidárias
1.1 – Implementação e acção na sociedade
As primeiras organizações juvenis partidárias angolanas surgiram como braços políticos dos movimentos que se envolveram na luta de libertação nacional. Até à abertura democrática, em 1992, apenas a JMPLA, JURA e JFNLA estavam constituídas3. Esta situação reverter-se-ia nos anos seguintes, à medida que o sistema multipartidário se ia instituindo. Actualmente são 41 as juventudes partidárias inscritas no Conselho Nacional de Juventude (CNJ)4, um número que não contempla as organizações juvenis da maior parte dos partidos. Traçar e promover as políticas juvenis dos partidos a que pertencem, de acordo com as ideologias que os regem, é o objectivo comum.
De acordo com os seus líderes – Paulo Pombo, 1º secretário nacional da JMPLA; Liberty Chicaia, secretário-geral da JURA; José Fula, secretário-geral da JFNLA – as suas organizações reúnem cerca de 4 milhões e 300 mil militantes5 com idades compreendidas entre os 15 e os 35 anos6. Luanda é, para as três "jotas", a principal província em termos de implementação, mas apenas a JURA e a JMPLA se assumem como organizações com presença efectiva em todas as províncias, municípios e comunas do país. "Dificuldades logísticas"7 fazem a JFNLA actuar sobretudo nas zonas próximas dos centros urbanos.
Representando cerca de 31%8 da população angolana, o universo juvenil a que as "jotas" apelam constitui uma massa de vital importância, ainda mais quando o país caminha para as eleições legislativas e presidenciais, em que cerca de 60% dos eleitores registados durante a primeira fase do registo eleitoral têm entre 18 e 35 anos9. Ao pretender abranger todo este segmento populacional, as organizações partidárias juvenis assumem um quebrar retórico das barreiras partidárias, dirigindo-se directamente a todo esse segmento. Neste sentido, nos últimos anos a JURA tem vindo a reafirmar essa sua abertura ao insistir que se assume, "em primeiro lugar, como jovens angolanos e só depois como membros da juventude partidária"10. Uma máxima que encontra algum eco na JMPLA, em que um dos objectivos, em termos das acções de formação que promove, é "atingir não só os jovens que pertencem à estrutura partidária juvenil, mas todos os que reúnam os requisitos académicos exigidos e que tenham vontade de participar."11 Esta abertura também não deixa de pautar a acção da JNFLA, cuja acção se centra agora, prioritariamente, na "consciencialização cívica dos jovens"12. Uma dimensão também ela globalizante, que não "pretende deixar ninguém de fora"13.
A tónica neste abraço a toda a juventude é a principal carta que lançam quando o assunto é cativar membros e passar a mensagem partidária. Ao identificar-se com questões como o "desemprego, a falta de habitação e de uma educação de qualidade"14, consideradas unanimemente como os problemas que mais afectam os jovens, as organizações tentam encarar os jovens de frente. Também as estratégias de actuação junto da juventude assentam em elementos comuns: formação na ideologia político-partidária (a nível interno) ou, por exemplo, acções de solidariedade e campanhas de sensibilização para questões consensuais como a prevenção do HIV/SIDA (a nível externo). As juventudes dos partidos da oposição acrescentam ainda uma outra dimensão: a das campanhas de promoção dos direitos políticos e civis, justiça social e associativismo, na tentativa de fazer com "os jovens saibam viver na diferença e na diversidade de opiniões e opções politico-partidárias"15.
A formatação de políticas e caminhos para a juventude começa na auscultação dos problemas e anseios dos jovens, um trabalho feito pelas bases das juventudes partidárias que, no caso da JMPLA e da JURA, estão espalhadas por todo o país. Por seu lado, a JFNLA faz este trabalho através de emissários que se deslocam periodicamente aos municípios fora de Luanda. Quando recolhida, a informação escala as estruturas hierárquicas até chegar às direcções, que a partir delas traçam políticas e estratégias de actuação.
Apesar da tentativa de transmitir uma mensagem apelativa, as juventudes partidárias não estão isentas de críticas e de muitas suspeições por parte dos jovens que dizem não ter qualquer simpatia partidária, exactamente os que todas desejam cativar. Se por um lado acusam a JMPLA de estar "mais preocupada com acções de massas, do que com actividades de índole intelectual"16, com especial destaque para as famosas maratonas17, por outro apontam a ineficácia das restantes "jotas" em divulgar as suas actividades e visões, criando a ideia de que "não se vê as juventudes da oposição em acção"18. Estas defendem-se, colocando a culpa nos órgãos de informação, onde têm "algumas dificuldades em fazer passar a mensagem"19. Este argumento, facilmente compreensível tendo em conta a falta de isenção dos media públicos e a fraca amplitude dos privados, acaba, no entanto, por não convencer totalmente. Como ironiza Germano Liberato, "se alguém se puser em cima de um banco no mercado do Roque Santeiro a falar para a multidão, com um discurso coerente, as pessoas vão parar para o ouvir"20. No fundo, a questão é mais ampla e é o próprio líder da JFNLA quem a explica:
Não há lideranças juvenis fortes no país e as juventudes partidárias ainda não têm capacidade para mobilizar toda a sociedade para uma consciência crítica, uma vez que não têm meios logísticos para o fazer.21
Contudo, esta não é a única crítica apontada às "jotas". Muitos sentem que elas "nada têm de jovem"22, que são "uma fábrica de pensamento estagnado"23 e que "os milhões de militantes que as integram não correspondem ao número exacto dos que, tendo o cartão, professam a ideologia partidária"24. São antes, dizem, um somatório que inclui também os chamados "oportunistas"25. "Muitos jovens filiam-se em determinada juventude não tanto por vontade de participação ou por vocação partidária, mas porque através delas querem ascender socialmente e resolver os seus problemas económicos", explica o músico e estudante MCK26. Ainda que estas críticas se estendam a todas as organizações juvenis partidárias, a JMPLA, pertencendo ao partido no poder, é vista como a "mais apelativa" havendo a ideia de que através dela se pode garantir o acesso a melhores empregos, a lugares nas faculdades e, quem sabe, a um lugar político de destaque, no futuro. Para José Gama, secretário-geral do Clube de Angolanos no Exterior – "Clube K", essa ideia não passa de um "estereótipo" que revela uma "descrença dos jovens neles próprios, ao acreditarem que só se podem desenvolver estando nas garras do poder"27. Por seu turno Edson Lopes garante que essa noção "não tem fundamento" e que não passa de uma consequência "das vivências do partido único"28. "Se fizermos um levantamento social veremos que ao nível dos 2 milhões e 400 mil militantes da JMPLA há gente a viver com as mesmas dificuldades de todos os jovens angolanos. As condições de vida boas ou más são para todos. As pessoas podem ter essa percepção, por sermos uma organização juvenil do partido do poder, mas não é verdade", assegura Paulo Pombolo.
A influência que as juventudes partidárias exercem sobre os jovens depende também, em grande escala, da visão que a própria juventude que se considera descomprometida politicamente tem dos partidos a que as "jotas" pertencem. E neste combate, nenhum sai a ganhar. Se por um lado o MPLA é frequentemente acusado de "ter um discurso vazio, em termos de políticas juvenis" e de ser composto por "mais-velhos que governam um país de jovens, mas não pensam como jovens"29, por outro os partidos da oposição vêem a sua credibilidade a ser bastante questionada. Os motivos são vários: as cisões e conflitos internos que os sacodem com alguma frequência, a ideia que "vivem hospedados nos bolsos do MPLA"30 e que muitos são satélites desse partido, e a noção de que muitos foram criados com o intuito de servir os interesses pessoais dos seus líderes31. No fundo, os partidos da oposição são vistos por muitos jovens como "oportunistas que estão à espera da sua vez para fazer exactamente o mesmo que estes [o MPLA]"32, o que os faz questionar-se: "afinal, que alternativas é que temos?"33
Manifestando-se expectantes em relação às próximas eleições que dizem ser uma forma de "restabelecer a normalidade do ciclo político em Angola"34 e uma "acção de pedagogia democrática"35, os jovens ditos apartidários dizem ter dúvidas sobre a orientação do seu voto que, assumem, poderá ser neutro. Uma forma de protesto que "Ricardo Barbosa"36 garante que vai usar no dia do escrutínio, por ter a noção de que, "ao não deixar os outros partidos políticos fazerem normalmente a sua propaganda política", o sistema retira-lhe, enquanto cidadão, a possibilidade de votar verdadeiramente em consciência. Mas no fundo, como diz Augusto Maquembo, estas eleições terão um papel clarificador:
Em termos de democracia vivemos uma situação ambígua: somos representados por uma Assembleia Nacional eleita em 1992 para um mandato de 4 anos, que já expirou há muito, e por um Presidente cuja legitimação não foi concluída, uma vez que nunca houve a segunda volta das presidenciais. Isto tudo, num ambiente em que as liberdades fundamentais ainda são restringidas, de certa forma. Mas por outro lado, notam-se sinais de abertura democrática, como a imprensa privada ou mesmo o à vontade que agora há em se falar destas questões em público, que antes era impensável. Daí surge a questão: afinal, Angola é uma democracia ou não? Há quem diga que sim, há quem diga que não. Estas eleições e o que vier daí para a frente vão-nos dar a resposta 37.
Um comentário:
O MPLA COMO MARCA
O MPLA como Marca representa um poder permanente em função de mais do que a sua história e multiplicidade de histórias e perpetuações das suas tradições.
Um dos factores qualitativos de recriação da sua força consiste na lealdade da corrente regeneradora dos seus aliados.
Os seus atributos, qualidade e expectativas criadas e uma amálgama de resultados e sua funcionalidade reforçam uma narrativa que impulsiona a sua existência.
Não há dúvida de que as crenças sagradas, criações, metas e seu prestígio, sua visão e missão, capacidade de inovação reforçam o seu posicionamento.
A sua suposta notoriedade e fidelização em constante construção criando boas ligações emocionais melhorarão consideravelmente essa marca.
Sendo assim será que a marca MPLA é um sistema propulsor e fonte de criação de valor?
Será que a notoriedade do MPLA continua a ser evocada de forma espontânea?
Para que a marca MPLA se perpetue será necessário que as atitudes das pessoas correspondam a avaliações globais favoráveis.
Não há dúvida que a força da marca MPLA quase se confundirá a um culto descentralizado e de interacções e laços fortes e experiências partilhadas que criam várias identidades verbais e simbólicas.
Para falar da antiguidade da Marca MPLA teremos que falar forçosamente do seu núcleo fundador de Conacry dos anos 60.
A marca MPLA se perpetua pelo seu prestígio devido as associações intangíveis, pelo seu simbolismo popularizado incontornável e grandes compromissos com o passado.
O MPLA como marca, alem de possuir narrativas de sobrevivência, inclui testemunhos que dão a história, significados mais profundos e grande carácter de emocionalidade.
A história do nacionalismo e luta de libertação pelos actores de renome a partir da fundação do MPLA em Conacry pelos seis fundadores bem personalizados, como Viriato da Cruz, Mário Pinto de Andrade, Hugo José Azancot de Menezes, Lúcio Lara, Eduardo Macedo dos Santos e Matias Migueis perpetuarão essa marca de forma reflectida.
Poderemos então afirmar que os fundadores de Conacry foram os agentes prioritários e fundamentais da verdadeira autenticidade da marca MPLA.
A dinâmica da história e a construção de identidades pressupõem estados liminares, pelo afastamento constante de identidades anteriores.
Desenvolver a cultura da marca MPLA exigirá um constante planeamento e estratégias que permitirão reunir e sentir esta marca global.
Para terminar apelaria que nas verdadeiras reflexões que a lenda da marca não obscurecesse a lenda dos fundadores verdadeiros artífices.
Escrito Por:
AYRES GUERRA AZANCOT DE MENEZES
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