segunda-feira, 6 de abril de 2009

Alternativas à Prisão para Descongestionar Cadeias

Abaixo está uma notícia publicada no Mediafax de hoje asinada pelo jornalista F. Mbanze. Acho interessante que a Ministra da Justiça aborde estas questões e desta forma (ela que é igualmente Magistrada). Acho interessante para que as pessoas percebam os parâmetros de funcionamento de determinadas coisas num país em que, me parece, está em curso uma campanha para oficializar linchamentos em nome de uma pseudo ausência do Estado. Acho interessante, também, para que as pessoas percebam uma série de coisas e deixemos de atirar pedras aos Magistrados (inclusive oficiais da polícia com cargos de responsabilidade) como se estes, permanentemente, tomassem decisões sem fundamento legal.

(Maputo) A ministra da Justiça, Benvinda, Levi, pediu, sexta-feira, aos 31 novos magistrados judiciais e do Ministério Público, graduados pelo Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ) para que, dentro dos limites e possibilidades legais e processuais procurem aplicar alternativas à penas de prisão aos infractores.

Para a titular da pasta da Justiça, a agir desta maneira, os novos magistrados estariam, de forma considerável, a darem o seu contributo para descongestionar os estabelecimentos prisionais existentes no país e, por consequência, garantir maior humanização das condições de reclusão no país.

Na ocasião, a ministra da Justiça deu a conhecer que, actualmente, estima-se em cerca de 40 por cento a cifra de reclusos cuja condenação penal não vai além dos 6 meses. Esta é uma realidade que, segundo Levi, mostra claramente que medidas alternativas à prisão são necessárias, aplicando, desta maneira, o princípio de que a prisão é excepção e a liberdade é a regra.

Ainda de acordo com dados avançados por Levi, cerca de 30 por cento dos reclusos cumprem penas de até 2 anos de cadeia. Portanto, do universo da população prisional já com sentenças proferidas, perto de 70 por cento está a cumprir penas de até 2 anos.

“A lei prevê que, em caso de uma pena que vai até dois anos, analisado todo o contexto da ocorrência criminal, pode-se converter essa pena privativa de liberdade em penas alternativas como a multa, pena suspensa... Portanto, não tem que necessariamente obrigar que a pessoa vá cumprir a pena num estabelecimento prisional” – explicou Levi para quem a decisão pelas penas de cadeia é o principal causador do congestionamento prisional.

Entretanto, Levi mostrou-se perceptível em relação às dificuldades que os juízes, perante um caso, tem em decidirpor uma pena alternativa à prisão.

Tal dificuldade, segundo Levi, tem a ver com a violência nas comunidades, mais concretamente, os casos delinchamento. É que, basta um indivíduo ser suspeito na comunidade e uma situação em que juiz decide pela soltura ou outro tipo de pena, ao invés da cadeia, para levantar revolta no seio da comunidade que, muitas vezes, se resvala em linchamentos.

“Outro problema é esse em que os nossos magistrados também evitam tomar estas medidas alternativas por causa do medo da violência que existe na sociedade. Temos aqui a situação dos linchamentos. É que quando mandas a pessoa para casa, no dia seguinte é linchada porque está socialmente condenada. Então é melhor ele ficar um mês preso do que lhe mandar para casa para depois ser morta. Não é tão simples assim” – reconheceu para depois completar que “mas é possível a
gente investir cada vez mais em explicar as populações que o facto de a pessoa voltar para casa não significaque não tenha sido sancionada”.

11 comentários:

amosse macamo disse...

Bem dito isto pela Ministra, que se sabe, foi Magistrada Judicial, portanto conhecedora dos corredores, mais interessante ainda, quando isto é dito a novos Magistrados, pois, se sabe, que com a sede de aplicar o Direito, a inexperiência e outros condicionalismos, estes, acabam-se tornando em meros aplicadores da lei, sem olhar para o espácio-temporal localizado, ao grau de desenvolvimento sócio, económico, cultural e a estrutura psíquico-somatica dos povos (insisto sempre neste ponto e penso que já o levantei no legal e subversivo).
Mais interessante ainda, quando a Ministra, reconhece depois, quão difícil, é as vezes, aplicar o equitativo, mas se perceba, mesmo reconhecendo a dificuldade, ela propõe mudanças, justamente pela ideia de que, quem quer mudar, deve enfrentar alguns constrangimentos e os nosso Magistrados, devem estar preparados para enfrentá-los.
O que se sente hoje, ao nível de todo o sistema judicial, são algumas limitações humanas e técnicas em perceber a sociedade e a maneira como esta pulsa.
A Ministra, pede no fundo, Magistrados que vivem com a sociedade, que não olhe para esta num frio alheamento, mas viva e se confunda com a mesma, para que a saiba julgar.

Jonathan McCharty disse...

Em 2005/2006, a entao Ministra (demitida) decidiu q todos os reclusos que estavam em "termo de identidade e residencia" deviam recolher aos calaboucos! Vi gente decente, que muito bem poderia estar a levar a sua vida normalmente, sem causar problema algum a comunidade, a ter que dormir ao relento, porque todas as celas estavam cheias! Sera que essa medida inconsequente foi ja' alterada???

Ximbitane disse...

Espero sinceramente que nao se usem dois pesos e duas medidas nesse nova postura. Vai ver que alguns magistrados corruptos vao dar penas infimas para que seus clientes nao mofem na cadeia...

Nyabetse, Tatinguwaku disse...

Uma coisa que eu acho extremamente importante nesta noticia Julio, é o facto de uma representante do governo admitir com todas as letras a existencia de violencia no seio da sociedade mocambicana.

Em relacao a proposta da ministra, fico com a impressao de que ao nao dar directivas claras, e nao criarem para depois transmitirem regras claras do jogo, abre-se uma janela para o uso e abuso do poder. De que vale que a ministra aponte os riscos, sem avancar com solucoes? Eh o que o Jorge Matine chama de remendar o pneu (ate a proxima vez que ele rebentar), ao inves de procurar pneu novo.

Pessoalmente sou a favor das penas alternativas. Por um lado, o trabalho podem podem contribuir para obtencao de receitas para o pobre estado, e por outro, pode-se usar a forca humana para trabalhos uteis a sociedade.

Mas o mais importante para mim, eh definir as regras do jogo. Que crimes eh que dao direito a uma condena alternativa?
...Nao va um violador de mulheres (ou de homens, que os ha), ser colocado em liberdade apos o cumprimento de umas horas de trabalho comunitario. Ou um assassino ser colocado em liberdade mediante o pagamento do um certo valor.

Ou como dizia a desaparecida da Xim, nao va esta nova practica reforcar o compadrio ja existente nas nossas instituicoes publicas.

PS: desculpem, o computador nao tem acentos em portugues.

Nelson disse...

Discurso bonito essa da ministra da Justica, mas a experiencia me manda esperar para ver.

Júlio Mutisse disse...

Amosse, Bem dito: saber julgar implica conhecer o ambiente em que se vive e um olhar presente e atento, sem frieza nem alheamento.

Jonathan, aconteceu isso? Extranho pois a Ministra não é chefe dos juízes e nem pode/deve contrariar as decisões soberanas destes. A ter acontecido é o executivo a imiscuir-se nas decisões de outros orgãos do Estado.

Nyambe, as regras estão claramente definidas. A Lei é igualmente clara. O que acontece é que muitas vezes o juiz tem que ponderar diversos factores incluindo a possibilidade de, impondo uma determinada pena alternativa a prisão, o indivíduo ser, por exemplo, linchado na sua comunidade. A Ministra não pode impor condutas aos juízes; não lhe cabe a ela; os juízes tem por fundamento na sua actuação a Lei e a sua consciência. Politicamente, o que ela faz com aquele pronunciamento (Magistrada que é também) é clamar para que, ponderados diversos factores, outras penas sejam aplicadas para além da privação de liberdade dada a superlotação das cadeias e dos custos que todos nós temos que suportar com indivíduos que, doutra forma, poderiam estar a ser úteis a sociedade cá fora.

Nelson, o desafio está lançado esperemos para ver como ele é interiorizado. Como disse acima, a Ministra não inventou a "roda" com este pronunciamento; avivou as memórias quanto as possibilidades que a Lei dá em termos de penalização.

Temos que esperar sim, mas não sentados sem fazer nada, é necessário incutir nas pessoas a ideia de que o Estado é regido por leis e que a prisão não é a única forma de punir um indivíduo. Temos que ajudar, nas nossas comunidades e nos nossos círculos de interesse, a criar uma cultura jurídica e, bem assim, a incutir nas pessoas que ter milhares de pessoas detidas e/ou presas mesmo que por ninharias, é um custo elevadíssimo que pagamos com o nosso suor todos os dias.

Júlio Mutisse disse...

Xim, vamos lá acreditar nas estruturas que temos. Vamos lá começar a acreditar que as coisas podem andar bem e que há pessoas apostadas em fazer com que as coisas andem bem.

O que é que seriam dois pesos e 2 medidas neste caso? Um cidadão a quem se lhe aplica uma pena alternativa e outro que fica em prisão efectiva? É possível, porque na aplicação destas coisas terão que ser ponderadas as condições objectivas para a efectividade de determinada pena tendo em conta a natureza do delinquente em causa, o ambiente social e várias outras coisas. Não vão os juízes mandar para casa todo aquele que é condenado dentro daquela margem que torna isso possível com o risco de vê-lo dia seguinte linchado por uma sociedade que não entende que a Lei dá essa possibilidade. Não vai o juíz fazer isso quando, nem a polícia entende que a legalidade que deve defender permite que um juiz penalize diferentemente da prisão.

Temos que criar cultura jurídica e, essencialmente munirmos, mesmo nisto, da auto-estima que os resultados dos mambas nos dão, acreditando que podemos fazer melhor.

Jorge Saiete disse...

"é necessário incutir nas pessoas a ideia de que o Estado é regido por leis e que a prisão não é a única forma de punir um indivíduo. Temos que ajudar, nas nossas comunidades e nos nossos círculos de interesse, a criar uma cultura jurídica e, bem assim, a incutir nas pessoas que ter milhares de pessoas detidas e/ou presas mesmo que por ninharias, é um custo elevadíssimo que pagamos com o nosso suor todos os dias".

Mutisse, com o parágrafo acima resuimiste tudo que tem que ser feito para a concretização da proposta da ministra. Todos moçambicanos precisam de saber que a punição nem sempre passa por ver o sol aos quadradinhos. Há que começarmos a promover a percepção de que é possivel corrigir um deliquante sem o trancar. Mas também, tudo passa por fazer passar a ideia de que o deliquente deve ser punido como forma de corrigi-lo e não como forma de exclui-lo da sociedade. abraço

Júlio Mutisse disse...

Jorge, wa Kala, o que se passa? Tomou chá de sumiço?

Tem toda a razão no que diz. A reclusão, não poucas vezes, acaba tendo o efeito contrário ao pretendido. Mas, passar essa ideia é uma tarefa árdua para qual somos todos chamados enquanto cidadãos conscientes.

Chacate Joaquim disse...

Waywona mhaka Mutisse! a sociedade é violenta a ministra reconhece só não reconhece as motivações! obviamente porque estaria a legitimar estas atitudes, mas já percebeu que a maior parte das situações criminais ném chegão a serem julgadas de forma a ter em conta essas sugeridas ponderações! Evitei comentar esta postagem por não me sentir preparada ainda, mas depois de ver a reportagem de cobranças elícitas dentro das estruturas policiais na Matola não consegui mais conter-me, porque são estes factos que provocam a fúria popular! veja que foi por pouco que os residentes da Matola rio iam linchar estes malfeitores que por decisão de certos policiais pagaram um "x" de "caução" e foram soltos meia volta foram assaltar uma rapariga! E apela-se acalma dos populares!

Eu siceramente acho que as nossas autoridade devem fazer um trabalho interno muito aturado depois sairem com o serviço cívico de fazer compreender a população.

Eu acho ainda que deveriamos procurar sem a intensão de legitimar os linchamento, saber se na verdade há ou não auxência do Estado porque podemos negar mas a anarquia é proporcional a isso...Abraços

Júlio Mutisse disse...

Chacate,

O pronunciamento da ministra que motiva esta postagem, é feito no contexto do fim do curso de uma nova vaga de juízes e procuradores.

Ela incentiva os juízes e só a estes a optarem sempre por PENAS alternativas à prisão efectiva. Isto quer dizer que, além das penas de prisão há OUTRAS penas que podem ser aplicadas aos criminosos (atenção que a pessoa só leva este nome - criminoso- após o julgamento devido ao príncipio da presunção de inocência).

Mas, ao mesmo tempo que fala para os juízes ela está a dizer a nós, enquanto sociedade, que não é ilegal um juiz condenar um indivíduo a uma pena que não seja a de prisão efectiva. Está também a dizer que a punição não deve se resumir a prisão, uma coisa que a sociedade dificilmente aceita e entende, fazendo com que os juízes, optem muitas vezes, por encarcerar um individuo que roubou galinha por 6 meses, findos os quais ele sai já não um pilha galinha mas um assassino, por na cadeia ter privado com esta laia de criminosos e ter formado laços com eles.

Portanto, qualquer crítica ao pronunciamento da Ministra tem que ser entendido neste contexto também, para além, claro, da questão do desanuviamento das já superlotadas cadeias que muita moça nos criaram.

Repare que ela falava para pessoas de cujo trabalho surtirão efeitos para o seu pelouro (o da justiça) mormente na questão das cadeias.

Falar das cobranças ilícitas na polícia não é novo mas essas, são num contexto diverso do que a Ministra Levy aborda aqui, quanto mais não seja porque essas estão LONGE do seu controlo porque dentro da esfera de outro ministério e das estruturas policiais com quem o seu pelouro só tem o dever de colaboração.

Através do seu comentário, vejo que todos nós, temos que ajudar a sociedade a perceber a intervenção dos diversos sectores ligados a árvore da justiça em Moçambique.

Por mais que a Polícia prenda pretensos criminosos, se a investigação for mal feita e provas não forem convicentes o juiz absolverá. Alías o juiz ordenará soltura igualmente nos casos em que os pressupostos para a prisão preventiva não estiverem presentes. É que, meu caro Chacate, a nossa polícia PRENDE para investigar ao invés de INVESTIGAR para depois PRENDER com provas já recolhidas. Como resultado disso os juízes mandam soltar e vem o General Seng se queixar deles. ELES QUE FIZESSEM BEM FEITO o trabalho deles que encuralariam literalmente os juízes. Nisso de fazer bem o trabalho não escapa a PGR que é quem deve dirigir a instrução preparatória através do seu braço operativo que é a PIC.