Uma das bandeiras eleitorais do actual Presidente da República, Armando Emílio Guebuza, foi o combate ao burocratismo e ao espírito de "deixa andar". Estamos há 5 meses das eleições, há um pouco menos do início da campanha, é, se calhar, tempo de começarmos a pensar até que ponto este combate foi travado e que ganhos foram alcançados.
O sector público no seu conjunto entendido como o conjunto de instituições e agências que directa ou indirectamente financiadas pelo Estado têm como objectivo final a provisão de bens e serviços públicos, segundo a definição da Estratégia Global da Reforma do Sector Público, é, no meu entender o campo onde se trava(ria) esta batalha contra o burocratismo e o espírito (mau) do "deixa andar" que emperra o desenvolvimento da nação.
É evidente que muitos serviços públicos ainda não chegam aos cidadãos em quantidade e qualidade que seria de desejar. Podemos aqui citar os serviços de água e saneamento, electricidade, saúde e educação entre outros. Segundo Graça Julio em "O papel do gênero na água e no saneamento: uma questão moçambicana", citando o exemplo da água, "a taxa da cobertura mostrou o aumento da água rural e urbana 48.5% e 40% respectivamente," portanto, este é um serviço que ainda não é acessível a todos moçambicanos.
Mas como tem sido quando, privilegiados pela localização geográfica, ou pelas prioridades definidas na provisão de determinados serviços, a eles temos acesso? Que resposta temos? Diminuiu o nível de burocratismo? O emperrar da vida dos cidadãos pelo papel diminuiu? Tende a diminuir? Qual é a nossa sensibilidade?
Por questões profissionais, e não só, frequento muitos serviços e instituições públicas e o grau de resposta de cada uma delas varia. A celeridade de resposta, a eficiência etc., variam de serviço público em serviço público. Aliás, mesmo em serviços da mesma natureza como os notários por exemplo, o grau de eficiência e resposta é variável. Porque será?
Se calhar, este é o tempo de avançarmos com uma avaliação destes últimos cinco anos, não na perspectiva de, simplesmente, apontar erros, mas, fundamentalmente, apresentarmos alternativas sobre como é que muitas das coisas que vemos andarem mal, podem ser melhoradas.
O que é que esperamos quando nos acercamos de serviços públicos? De certeza, respostas às nossas solicitações. Como é que estas são respondidas? Com que celeridade? Em tempo útil? Quanto papel precisamos "empurrar" para que a nossa solicitação seja respondida? Quais são os entraves para que as nossas solicitações não sejam respondidas atempadamente? Fraca preparação dos funcionários? Escassez de pessoal qualificado?
O que é que melhorou?
Ao analisarmos estas e outras questões, não podemos nos esquecer a questão da Reforma do Sector Público e os prováveis reflexos desta na situação actual (positiva ou negativa consoante a avaliação que façamos).
Em suma, até que ponto o combate anunciado ao burocratismo que tão mal fez/faz aos moçambicanos surtiu efeitos?
Que papel podemos ter, enquanto cidadãos e/ou utentes de serviços públicos, neste combate e na melhoria tanto da eficiência, como da qualidade do serviço público em Moçambique?
Estou a começar a cobrar promessas eleitorais pois, que é um facto, lá isso é: há instituições onde se apanha uma valente seca!!!
12 comentários:
Caro Júlio,
A solução para os problemas que engolem está pátria que em tempos foi de Samora, começa pela mudança de mentalidade dos próprios filhos da terra, inclusive os que dirigem o país. Há uma certa apatia e conformismo perante situações de total desigualdade, abuso de poder e corrupção nas instituições públicas. Hoje em dia, é normal ter que pagar refrescos para ver a sua vida facilitada. As pessoas estão preocupadas saciar a sua fome e dos seus familiares em detrimento da sociedade.
A qualidade dos serviços públicos de saúde, educação e outros bens públicos parecem regredir, ao invés de registarem crescimento acentuado.
Devemos deixar de fazer investimentos em obras e projectos de utilidade social duvidosa, enquando na verdade é para beneficiar a minoria rica.
Paremos de cultivar a mentalidade de atraso e repetir os discursos "eclesiásticos" como, por exemplo, o combate ao espirito de deixa andar.
Aí veremos progresso.
Meu caro amigo Shir,
Recordo-me de um debate que encheu blogs, páginas de jornais etc, que versava sobre uma "ousada" afirmação do Dr. Elísio Macamo que declarava a não existência da corrupção, que foi mal compreendido uma vez que, no dizer do Patrício Langa (com quem concordo), ele estava "simplesmente a dizer que neste debate não saímos ainda do uso quotidiano e sem algum rigor do termo. Isso dificulta, se não mesmo, impossibilita um debate sério. Um termo corrompido pelo seu uso quotidiano, significando coisas que não conseguimos já delimitá-las. É imprescindível esse exercício sob pena de não haver um acordo sobre o que se esta a falar."
Julguei útil ir buscar estas palavras pela sua afirmação de que "Há uma certa apatia e conformismo perante situações de total desigualdade, abuso de poder e corrupção nas instituições públicas" que, acredito poder trazer um fundo de verdade, mas, neste contexto, está simplesmente lançada ao ar.
Como se revela tal apatia? Em que se consubstancia o conformismo? Que situações de desigualdade podemos tomar como exemplificativas? E o abuso de poder e a própria corrupção?
O argumento seguinte no seu comentário parte, no meu entender, do entendimento que tens destas questões mas, peca por nos deixar atrás em relação a forma como devemos essas questões como apatia, conformismo, abuso do poder e corrupção.
Sobre a abordagem da corrupção Gabriel Muthisse escreveu uma vez que é difícil não concordar com quem (como o fazes) "investe contra o roubo, a desonestidade, contra pessoas que enriquecem com o nosso dinheiro e... contra o poder político actual que, acoberta os ladrões promovendo a impunidade." Repito a pergunta dele "Alguém pode discordar disto?" Creio que não.
O problema parece estar nas formas de abordar o fenómeno. A forma como abordamos estas questões deve nos conduzir a um respirar de alívio de podermos dizer que esse cancro reduziu.
No mesmo sítio de onde retirei a citação acima, Gabriel Muthisse escreveu ainda (copio-o para aqui para nos ajudar neste debate): "Você chega a um banco de socorros de uma unidade hospitalar qualquer. É informado que algumas pessoas que lá se encontram chegaram há mais de 5 horas. E você, portanto, não consegue prever o tempo em que será atendido. Ao espreitar o pessoal médico, apercebe-se que todos se encontram razoavelmente ocupados a atender doentes. Não é lá visível qualquer espírito de deixa andar.
No entanto, você tem um bebé de tenra idade com febre, apática e sem comer há 24 horas. Está portanto visivelmente doente. E não consegue prever quando será atendido. Apercebe-se contudo que, se despender 75.000 meticais com o arrumador da bicha, seu bebé poderá ser atendido, digamos, em 20 minutos. Passando à frente de outros que já lá estão há horas. A sua preocupação de pai aflito fá-lo optar por esta saída. E paga os 75.000 meticais.
O exemplo que aqui desenvolvi, bastante real para as condições concretas de Moçambique pode ser encontrado em muitos outros sectores, que se encontram pressionados por uma demanda explosiva de serviços que não podem satisfazer por ausência de recursos (no registo civil, na educação, na procura de terrenos para construir, etc.). Para obter algum grau de previsibilidade o cidadão vê-se forçado a pagar gorjetas.
Como se combate este pagamento de gorjeta (que é corrupção)? Com um decreto do Presidente? Com a prisão do corrupto e do corruptor (parafraseando o amigo Mangue)? Com a mudança de mentalidades? Com a moralização da sociedade?
Os desafios que o nosso país enfrenta ultrapassam as questões morais. E isso é o que alguns de nós têm estado a tentar dizer."
Como combatemos então os nossos cancros? Avanças com a "mudança de mentalidade dos próprios filhos da terra, inclusive os que dirigem o país." Não será esse um apelo à questão moral? Uma ideia de necessidade de santificação dos filhos desta terra? E será que só isso bastaria? O que mais teríamos que agregar?
Meu caro Shir, Hehehehe desculpe a extensão da resposta mas creio ser um bom mote para o debate. Já agora Desafio te (e aos demais) a pensarmos na seguinte tirada do Prof Elísio Macamo: "Se um PCA "rouba" não é suficiente pedir o seu afastamento em artigo após artigo. Mais necessário do que isso é concentrar a nossa atenção no que deve ser feito ao nível do funcionamento das instituições (tribunal administrativo, polícia, etc.) para tornar a vida difícil aos que se sintam tentados a fazer a mesma coisa. O problema está nas instituições, nas condições estruturais, na natureza dos desafios que se colocam ao país (desenvolvimento através do auxílio). "
Não sei o que chamam de um “debate sério”, mas o que tenho constatado é pendurar-se firme em algumas Teorias apreendidas na faculdade ou em meia dúzia de livros lidos e ficar a baloiçar, abdicando da cosmovisão pessoal.
Quando falo na “mudança de mentalidade” não me refiro especificamente na santificação, pois tenho consciência que seria um processo horrendo a julgar pelas multidões dos nossos pecados. E não só. Mas também por sermos um povo consagrado na hipocrisia e por nossas atitudes serem ocas e artificiais, sem nenhuma base natural, apenas bases partidárias.
Na sexta-feira, assim como tantos outros dias, deparei-me com situação de “mentalidade de atraso” que habilmente cultivamos, principalmente quando somos indivíduos formados. No H.C.M, numa enorme fila certas pessoas murmuravam porque havia gente que chegava e ia directo a sala de atendimento. Eu perguntei: ao invés de murmurarem por quê não entram todos para sala e exijam o vosso direito? As respostas foram essas: vê-se mesmo que és muito jovem, as coisas neste país funcionam assim como você está a ver, com essa forma de pensar não vais longe, etc. Pedi que me concedessem um entrevista para uma posterior publicação sobre o que ali acontecia, ninguém quis dar a cara.
São esses tipos de comportamentos que chamo de “mentalidade de atraso”.
Caro Mutisse,
O que lhe levaria a “furar” a bicha? Será por achares que a sua “pombinha” está “mais doente” que a de outrem? Ou, será insensibilidade mesclado de egoísmo?
Portanto, repito, a solução comporta envolvimento pessoal e a mudança de comportamento de cada moçambicano, inclusive dos dirigentes que nós ingenuamente pensamos estarem a serviço da nação, quando na verdade se servem dela para engordarem as suas contas bancárias de modo a garantirem “futuro melhor” aos seus adorados rebentos.
Tudo começa com a mudança de hábitos e critérios de vida que não se resume somente em dar esmola ao pobre, mas em politicas que visam equilíbrios de recursos, politicas de desenvolvimento e o respeito ao cidadão e aos bens públicos.
A “mentalidade de atraso” cega o povo ao ponto do mesmo não tomar consciência de que são a maioria e que a sua pobreza é fruto de acumulação de regalias, de bens e de abuso de poder, nepotismo protagonizados pelos “apóstolos do clientelismo” e a minoria rica ligada ao Poder político.
O povo é resignado e domesticado, condenado a viver na mais desgrenhada miséria, assiste investimentos em obras duvidosas. Não questiona a justiça social e as políticas de desenvolvimento desactualizadas e podres, a título de exemplo, a Revolução Verde.
Meu ilustríssimo amigo Shir,
O debate de ideias a determinado nível, tem que ser uma plataforma onde, primordialmente, se delimita o problema e a partir do conhecimento que temos "deste" problema, avançamos para a busca de possíveis soluções. Acho que era isto que queriam significar por "debate sério".
Note que as "apreendidas na faculdade ou em meia dúzia de livros lidos" têm e terão sempre a sua utilidade. Necessário é, igualmente e para além delas, sabermos aliá-las à prática, aos casos concretos que a cada momento nos aparecem.
Eu concordo com a necessidade de mudança de atitudes, na utilidade da moralização da sociedade e das pessoas consideradas individualmente mas, ficarmos por ai é personalizar a solução. Há, primordialmente (gostei desta palavra), que reformar as estruturas, as instituições, os serviços etc que propiciam, pela sua inadequação, pela sua escassez, pela sua falta de qualidade, determinados comportamentos.
Acredito que a escassez e/ou a inadequação de determinados serviços públicos propiciam determinadas práticas corruptas. Acredito fortemente que no dia em que tivermos serviços públicos em quantidade e qualidade, não haverá necessidade nem espaço para que alguém pague ao servente para ser atendido antes do demais, numa atitude moralmente condenável, mas propiciada pela escassez de serviços públicos de saúde que faz com que largas massas de gente se concentrem numa mesma unidade para obterem tais serviços. Os oportunistas que sobrevivem desses esqueminhas não teriam espaço para os implementarem já que nem se quer haveria necessidade para tal.
Mas para além da mudança de mentalidade que, na minha acepção seria forçada e impulsionada pela capacitação institucional, há que criar mecanismos de responsabilização eficazes e os cidadãos serem, eles mesmos, fiscais da legalidade e garantes de que a sua liberdade e os seus direitos não são violados. O caso que contas do HCM seria um exemplo claro de situações em que cada cidadão deveria se bater para que nada ficasse beliscado. Estariamos neste caso a assumir uma "mentalidade de desenvolvimento" em contraposição à “mentalidade de atraso”.
Eu acho problemática a abordagem generalizadora de "dirigentes que nós ingenuamente pensamos estarem a serviço da nação, quando na verdade se servem dela para engordarem as suas contas bancárias de modo a garantirem “futuro melhor” aos seus adorados rebentos." Acho demasiado redutora dos problemas que o país enfrenta e dos desafios que temos que assumir enquanto nação. Se fizermos um esforço de abstracção e pensarmos no funcionamento das instituições públicas e na forma como são geridos os fundos provenientes do auxílio externo podemos torcer um pouco o nariz a este "conhecimento" que temos da "forma descarada" como os nossos dirigentes "se servem dela para engordarem as suas contas bancárias de modo a garantirem “futuro melhor” aos seus adorados rebentos."
Estou plenamente de acordo consigo na necessidade de criação de "politicas que visam equilíbrios de recursos, politicas de desenvolvimento e o respeito ao cidadão e aos bens públicos." Se olharmos em volta se calhar nos deparemos com alguma coisa mas, muito ainda numa fase embrionária.
O que chamas de resignação e domesticação eu considero déficit de cidadania. Mas é difícil o aparecimento de uma cidadania militante e consciente como a que eu e tu defendemos, se a maioria das pessoas ou não conhece os seus direitos, ou por carácter, está disposto a estendê-los como uma esteira para que qualquer um os pise. É difícil quando as pessoas desconhecem os planos em que se cose a possibilidade de mudanças na actuação das instituições a partir de acções próprias e conjugadas com a de outros.
De que obras duvidosas falas? Da ponte sobre o Zambeze, da ponte sobre o Rovuma? Da ponte D. Ana? Da reabilitação da EN1?
Ou falas das obras abandonadas pelos empreiteiros pouco sérios que as ganham depois de um concurso público? Ou das obras sem qualidade que alguns desses tentam entregar (alguns entregam mesmo)?
Shir,
Para questionarmos seja o que for, é necessário criar esta cultur de intervenção. Assumirmos que o país é nosso e que tudo o que se faz por ele e nele não pode nos deixar indiferentes. Mas isso requer que se vença o deficit de cidadania, com todo o escopo de conhecimento de que falei antes e noutras ocasiões.
Well come.
Sinto que paira um pouco de ironia nas questões dos dois últimos parágrafos.
Acho desnecessário enumerar as obras que considero duvidosas sob ponto de vista dos verdadeiros beneficiários desses empreendimentos.
Mas um olhar atento ao que se passam em seu redor, poderá, de forma clara, deparar-se com obras tanto desnecessárias como inoportuna, numa altura que o país e a maioria dos moçambicanos vivem momentos ardentes de sofrimento.
Será que o ilustre, em nenhum momento, apercebeu-se de empreendimentos que estão sendo ou serão levantados mesmo depois de se comprovar a sua inviabilidade e as graves consequências dos mesmos num futuro próximo? Ou, como tantos outros compatriotas, está a fazer orelhas moucas?
São estes tipos de atitudes que nos fazem mais pobres do que já somos. E isso, deixa-me bastante entristecido.
Quando falas da ponte sobre Zambeze, Rovuma, D. Ana e a reabilitação da EN1, não estás a espera que eu aplauda ao Governo, pois não?
Não aplaudo por seguintes motivos: primeiro, porque o dinheiro não saiu do bolso de algum membro do Governo, segundo, porque é obrigação do Estado proporcionar segurança, bem-estar e justiça e por isso não devo louvar e muito menos agradecer quando faz isso. Por último, porque a maior parte do dinheiro vem do estrangeiro, e parece que dinheiro a jorros lá não falta.
Fico triste quando o ilustre olha para a ponte e veja apenas uma ponte, e não questiona o que está por detrás da caridadezinha da U.E, FMI, e BM. Será que já passou pela cabeça do estimado amigo Mutisse que os financiamentos não passam de armadilhas para continuarem a pilhar os nossos recursos? Quais as privações que o povo terá de suportar? Será que o clero supranacional formado pela tripla U.E, FMI e BM são assim tão misericordiosos ao ponto de se compadecerem com o nosso sofrimento?
Não estaremos a sacrificar vidas humanas, as nossas florestas, os nossos recursos e ate o ar que respiramos? Quanto tempo o país levará a pagar estas dívidas? Ou suplicaremos por perdão que se traduzirá em ficar reféns das políticas desse clero?
Meu amigo Shir,
Não, não estou a espera que aplauda o Governo. O que espero, é que concretize o que afirma. Falar de "obras duvidosas" é vago demais. Nesse conceito entraria igualmente a ponte sobre o Zambeze e muitas outras com benefícios evidentes para Moçambique e os moçambicanos.
Por isso falei de obras do calibre da ponte sobre o Zambeze e das obras sem qualidade e/ou abandonadas um pouco por todo o país.
Vamos partir do início do seu comentário.
Um ponto prévio é que, graças a Deus, pelo menos consigo funciona, quando lhe pergunto coisas depois concretiza. Está claro para mim de que é que fala quando fala em "obras duvidosas" embora não avance com um exemplo concreto. É isso que defendo nestes debates; uma maior concretização nas afirmações que fazemos.
1. eu acho que qualquer obra, tanto na concepção como na execução, tem por detrás, um juízo de oportunidade e necessidade. É evidente que para as pessoas da vila de Manjacaze, obras de asfaltagem de um qualquer troço de estrada noutro ponto do país, vai ser olhado com desdém porque, ali, há duas estradas que os residentes (incluindo eu natural de lá) gostariam de ver asfaltadas. Perguntar-se-ão sempre porque ali e não aqui. Portanto, haverá sempre uma grande dose de subjectividade nesta coisa de avaliar quando é que uma obra é "tanto desnecessárias como inoportuna" quanto mais não seja porque, acredito, muitas delas tendem a minorar os "momentos ardentes de sofrimento." Acredito que essa seja a agenda.
Podemos pensar, em que medida um edifício para a PGR vai minorar os "momentos ardentes de sofrimento da maioria dos moçambicanos?" e os palácios da justiça? Mas também teríamos que ter em conta de que "sofrimento" estamos a falar... a falta de justiça causa sofrimento mesmo quando há, todos os dias, o que comer. A fome causa sofrimento e, se estivermos a falar desta, daremos relevância a obras que garantam a existência de alimentos a todo o tempo como regadios, acções de disseminação de culturas alimentares resistentes à seca etc. Portanto, há que pegar as coisas no seu devido contexto e reconhecer a subjectividade disso.
Fala-se em bolsas de fome em determinadas zonas que também carecem de um centro médico, se dada a existência de fundos para esse efeito for se construir um centro de saúde, pode ser que alguém questione a oportunidade daquele em relação ao combate à fome.
2. Pergunta se ainda não me apercebi de empreendimentos "que estão sendo ou serão levantados mesmo depois de se comprovar a sua inviabilidade e as graves consequências dos mesmos num futuro próximo." Por acaso não. Nem estou a fazer "orelhas moucas". Não me apercebi mesmo. De que é que fala? Mpanda Ncua que está no centro do debate por causa de questões ambientais, me parece que ainda requer estudos a todos os níveis; é necessário que os ambientalistas nos digam a relação causa efeito entre estas barragens e os terramotos de que falam etc. Se tudo isso estivesse provado e documentado e a insistência continuasse a mesma e eu ficasse mudo e quieto, estaria a fazer orelhas moucas mas, neste caso que cito por exemplo, não está nada provado ainda. Qual é o outro?
Continuação
3. O Governo tem que garantir o nosso bem estar a todos os níveis providenciando serviços públicos em quantidade e qualidade. O Governo deve planificar essas coisas e, me parece, planifica. Muitas vezes não tem dinheiro para executar e vai lá fora vender o peixe e... zás surgem nos os financiadores. O problema é que não temos ainda e nem os financiadores tem, cultura de nos dizerem a nós que teremos que pagar o preço com os nossos impostos, o que é que garante os empréstimos e nem as contrapartidas dadas aos financiadores.
Mas, repare, quando vejo obras financiadas pela UE, vejo tantas empresas oriundas daquele ponto a trabalharem que, me parece, o dinheiro está de passagem por estas bandas. É mandado para cá e logo volta para a origem ficando nós com as migalhinhas do que se pagou aos trabalhadores e as empresas prestadoras de serviços (se não forem tb de capitais maioritariamente estrangeiros), com a poluição da cimentos qu drena os lucros para fora etc. Portanto, há que nos batermos por uma maior divulgação das contrapartidas e do que está envolvido nesses acordos.
Sobre a pilhagem dos nossos recursos, não creio que haja uma relação directa com os acordos de financiamento. Creio que nos falta uma capacidade de resposta e fiscalização; atraimos investidores mas não temos estruturas funcionais para controlar, por exemplo, o cumprimento dos projectos que se propuseram, os níveis de cumprimento da componente ambiental conforme estudos aprovados, o nível de execução das quotas de abate de espécies florestais etc. Então, Shir, muitas coisas estão na base da debilidade estrutural do país.
Não nos estamos a aquilatar para fazer face aos desafios que o desenvolvimento que almejamos nos coloca, nem em termos humanos (veja as limitações de muitos técnicos das diversas direcções provinciais ou inspecções nos locais onde as coisas acontecem), nem em termos infra-estruturais. Numa perspectiva especulativa vamos dizer que o Governo deixa, fecha os olhos e procuraremos, como fazes, estabelecer uma relação directa com os fundos de ajuda, muitos dos quais doações inclusive, mas nos negamos a olhar razoavelmente para a estrutura que devia velar porque muitas coisas acontecessem da forma que julgamos correcta.
Volte Shir.
Digníssimo,
Tendes interpretado as minhas palavras desligado da maneira como eu próprio subjectivamente as digo. Deverias interpreta-las sob ponto de vista de se tratar de representação de uma opinião pessoal claramente subjectiva, reflexo de uma visão singular susceptível a influência. Foi por esta razão que eu questionava o que chamam de um “debate sério”.
As vezes, sinto como se eu estivesse a falar em parábolas como um certo homem habilmente fazia.
Quando questionava sobre as “obras que estão sendo levantadas…” não falam especificamente de um determinado empreendimento, mas sim, falava no geral de obras sumptuosas que formam um chocante cenário de luxo enquanto a população moçambicana vê-se privada de infra-estruturas de saúde e educação em quantidade e qualidade e, para além, do dilema de ser condenado a viver com menos de um dólar por dia.
O que realmente questiono não são as obras em si, mas quem irá se beneficiar dessas obras e a utilidade dos projectos sociais que diariamente são proliferados.
Eu vejo com grande preocupação o progresso deste país. O conformismo e apatia perante crescente exclusão e desigualdade social são uma realidade gritante. É importante deixarmos de nos ater nos discursos de combate a pobreza e de vermos o país com as persianas fechadas. Deixemos de nos refugiar em partidos políticos como freiras que escolhem os conventos com medo de perderem a virgindade. Olhemos para os “milhões de abraços” que lutam em violentos combates/batalhas de que é feita uma vida vivida à intempérie.
Em o que se traduziu alguns apoios ou financiamento recebidos? O país continua deparando-se com severas dificuldades no acesso à saúde, educação, emprego, alimentação e outros recursos para uma vida condigna.
Será que o problema está na “debilidade estrutural do país” ou na nossa mentalidade que nos faz mais terceiro-mundistas do que já somos? (volto a repisar a questão de mentalidade).
Não estamos a tentar escamotear uma realidade obscena que tende a agravar-se cada ano que passa, pese embora vejamos uma multidão de investimentos públicos feitos?
Shir,
Quando abordamos "obras" aqui, parto do princípio de que estamos a falar de obras públicas. Se calhar, é não mencionares "especificamente um determinado empreendimento" que cria alguma dissonância na abordagem que ambos podemos ou estamos a fazer.
O Estado tem a obrigação de nos dar serviços públicos. Tem a obrigação de garantir uma série de coisas. 30 anos depois da independência, intermeados por uma guerra que deu cabo de algumas infra-estruturas, continuamos deficitários em termos de serviços públicos da mais diversa índole, com destaque para a saúde e a educação. continuamos a desaproveitar os "verdes campos" que este imenso país tem; continuamos a pensar que a enxada de cabo curto pode ser um instrumento viável para uma revolução (por acaso verde) que não sabemos exactamente o que é nem como se (deve) processa.
Que efeitos teria APENAS a mudança de mentalidade num emaranhado destes? A mudança de mentalidades, na sua acepção, não deve ser precedida, ou ao menos, ser acompanhada da mudança estrutural que tende a disponibilizar aos mozies serviços públicos em quantidade e qualidade? Eu acho que sim pois, só assim, podemos almejar verdadeiras e completas mudanças. O argumento para isto está mais acima.
Shir, os fossos entre ricos e pobres não existem SÓ em países como os nossos. Quando lês que a Mariah Carey comprou uma mansão a 96 milhões de Euros, lembre-se dos 40 000 000 de pobres e desabrigados que existem nos EUA que, não tem o que comer, dormem ao relento ao frio etc.
Quando a Constituição de 1990 acompanhando as mudanças que já se desenhavam desde 86/88 abriu as portas a economia de mercado, todos batemos palmas; todos aplaudimos. Corremos a rasgar as balalaicas que caracterizavam a época do social-comunismo que se ia, cujo ideal igualitário encontrava eco no kg de arroz por pessoa... hoje estamos a colher os efeitos perversos. Acabou a mama, acabou o estado papá, acabou o kg de arroz por pessoa, cada pessoa come a quantidade de arroz que os seus rendimentos permitirem, pode construir a casa que os seus rendimentos admitirem e os planos urbanísticos (existem?) o permitirem etc. O que é que há para impedir isso?
Há nisto tudo que contar com a "mentalidade de empregado" de muitos de nós, incluindo os bafejados pela sorte de estudarem nas universidades. Achamos que trabalhar é ter patrão; abandonamos os ricos campos de chókwe onde podemos prodduzir tomate, hortícolas etc, e viemos "procurar emprego" em Maputo para ganhar o que ganhariamos, se calhar em uma semana...
Temos, meu caro amigo que mudar de mentalidades sim, mas a estrutura é fundamental. O Estado não vai pôr comida na mesa; deve criar condições para que possamos ter comida na mesa. AInda bem que se fala em reabilitação de regadios e construção de outros. É sinal de que mais condições estarão criadas para que muitos tenham comida na mesa.
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