Apesar de já ser independente há mais de 35 anos, Moçambique continua a enfrentar desafios vários no que tange a pessoal qualificado em quantidade e qualidade que o país precisa para fazer face aos desafios do seu desenvolvimento, sem desprimor do muito esforço e investimentos feitos no sector da educação desde 1975 (atrapalhados pela guerra dos 16 anos) que tiveram como resultado a formação de muitos quadros, porém, apesar de milhares de quadros que as universidades públicas colocam no mercado anualmente, continuamos carentes em diversas áreas.
Só para citar alguns exemplos, o país continua com um índice baixo no que toca ao número de médicos por habitante e só há muito pouco tempo o sector conseguiu colocar um médico em cada sede de distrito do país; continuamos com falta de especialistas ao mais diverso nível e mesmo de professores catedráticos para a tão almejada qualidade de ensino que ajude na formação dos quadros que este país precisa. Poderíamos multiplicar estes exemplos numa lista sem fim.
Na verdade o país tem, na função pública, diversos estrangeiros a seu serviço. A escassez de profissionais qualificados na administração pública moçambicana, sobretudo nas áreas da Saúde e educação, levou a que o Governo de Moçambique, após a independência nacional, recorresse à profissionais estrangeiros, muitos dos quais vindos de países essencialmente do bloco socialista, principais parceiros de cooperação nesse período.
As transformações políticas económicas e sociais que o país e o mundo experimentou nos últimos tempos colocaram ao país uma mudança de paradigma no recrutamento de pessoal estrangeiro de que necessita para a função pública. Assim, urge em face das carências conhecidas, definir o regime quadro do trabalho do cidadão estrangeiro na função pública.
A discussão deste tema nunca foi pacífica. No quadro da lei do trabalho por exemplo, os empregadores queriam mais flexibilidade na contratação de mão de obra estrangeira. O Estado sempre vincou a necessidade de só se abrir espaço aos estrangeiros com as qualificações de que o país não dispõe ou que sejam escassos. Aliás, diga-se, são as carências do ponto de vista de recursos humanos que têm determinado a definição dos regimes de trabalho de pessoal estrangeiro em Moçambique. Foi esse o princípio que foi usado na definição do quadro legal do trabalho do cidadão estrangeiro em Moçambique previsto na Lei do Trabalho. Ao referir no número 1 do artigo 33 da Lei do Trabalho que o trabalhador estrangeiro deve possuir as qualificações académicas ou profissionais necessárias e a sua admissão só pode efectuar-se desde que não haja nacionais que possuam tais qualificações ou o seu número seja insuficiente, o legislador quis salvaguardar a ideia de que só se recorre a contratação de estrangeiros nos casos de falta ou insuficiência de profissionais.
Portanto, creio não haver o que temer neste processo; para ser coerente e manter a coerência do sistema o Governo deverá manter os princípios acima referidos inalterados no caso da contratação de trabalhadores estrangeiros para a função pública vincando, uma vez mais, a ideia de que a mão de obra estrangeira visa suprir as insuficiências do país e nunca uma forma de escancarar as portas aos estrangeiros em detrimento dos nacionais aqui formados que devem ser valorizados e constituírem-se como destinatários das políticas e oportunidades de emprego que se abram no país, vincando ainda mais a ideia de sermos nós, moçambicanos, os donos do nosso destino e gestores da coisa pública.
Acrescentar que, mesmo nas situações de carência referidas para fazer face às necessidades de contratação para o sector privado, o contrato é sempre por tempo determinado até 2 anos findos os quais se requer nova autorização não sendo aplicável ao estrangeiro o previsto no número 2 do artigo 42 da Lei do Trabalho sobre a transformação do contrato a prazo em contrato por tempo indeterminado.
Estamos pois perante o desafio de o Governo determinar normas claras e práticas para esse desiderato, ao mesmo tempo que aquilata mecanismos de controlo de modo a garantir que, na função pública e até mesmo no sector privado, o país só tenha a seu serviço os estrangeiros com a formação de que o país ainda não dispõe. O Diploma legal a ser aprovado deve reflectir a visão do estrangeiro como alternativa de reforço do perfil técnico profissional dos recursos humanos do Estado, através de transferência de conhecimentos aos técnicos nacionais.
Mas, mais do que reconhecer insuficiências e regular a contratação de estrangeiros, como sugere Lázaro Mabunda na sua coluna no jornal O País, e a par do investimento no ensino a todos os níveis, o nosso Governo deve intensificar o rubricar de acordos para a formação de seus quadros em áreas pré-definidas como fundamentais para o desenvolvimento socioeconómico. Cresce mais ainda o desafio de conhecer as insuficiências e planificar coerentemente a forma do seu suprimento. Não podemos estar na mesma daqui há 10 anos. O país precisa ter uma visão de como descalçar esta bota da insuficiência de quadros de modo a que o nosso evoluir faça cair em desuso o instrumento a aprovar nos próximos tempos.
Espero que os critérios salariais a observar para o pagamento dos estrangeiros na função pública não sejam mais um factor de frustração para os muitos e bons quadros de que o Estado dispõe, que dão o seu melhor apesar dos salários reconhecidamente baixos que auferem. Que os estrangeiros, igualmente, não venham impostos pelos nossos vários financiadores como garantia de que o dinheiro investido/emprestado a Moçambique retorne aos seus países via esses “especialistas” de que não dispomos de momento.
Que o país tenha capacidade fará inspeccionar e sancionar fugas aos princípios que determinar. A contratação de estrangeiros por si só não nos deve assustar; deve nos assustar, isso sim, se essa for a única solução a vista para resolver o problema da escassez de quadros no país. Não me parece que seja o caso também.
4 comentários:
"Moçambique continua a enfrentar desafios vários no que tange a pessoal qualificado em quantidade e qualidade que o país precisa"
1. Em mais de três decadas de independência, não formamos a quantidade suficiente? Porque?
2. O que formamos não tem a qualidade desejada? Porque?
3. Não será verdade que parte do que formamos deixou o país em buscas de melhores condições? Se sim Porque?
4. Ouvindo-se como vezes sem conta se ouve de gente formada(bem ou mal) mas desempregada por falta de cabimento orçamental nos ministérios não deviamos priorizar esses compatritas antes de aparentemente "precipitados" partirmos para contratação de mão de mão de obra estrangeira para a função pública?
5. Desempenhando as mesmas funções na função pública, terão esses estrangeiros o mesmo salário "magro" que os moçambicanos ou merecerão um tratamento diferente pelo simples facto de serem estrangeiros e não necessariamente pelo que fazem? Devia ter o mesmo salário? Sim? Não? Se não porque?
Apenas algumas questões...
"O país precisa ter uma visão de como descalçar esta bota da insuficiência".
1. Houvesse essa VISÃO a uns 10 anos atras, talvez não estariamos aqui a discutir a questão da contratação de mão de obra estrangeira.
2. Tivéssemos a uns 10 anos atras investido de forma séria na formação de qualidade...
Por "nvestido de forma séria" quero como o Muitsse bem diz "conhecer as insuficiências e planificar coerentemente a forma do seu suprimento" e deve ser nessa linha de pensamento que chamo de "aparentemente precipitados" a medida de contratarmos mão de obra estrangeira como solução(única). É essa medida resultado de algum estudo(no verdadeiro sentido)? Há números que sustentem a decisão? Oque é que precisamos?
Perguntas demais...
"Que o país tenha capacidade fará inspeccionar e sancionar fugas aos princípios que determinar"
Olhando para o passado recente, e honestamente para as deficiências crónicas das nossas instituições, tem o país essa capacidade?
Colocas questoes interessantes Nelson.
O pais ainda nao produziu tudo o que precisa em termos de RH. Estamos ainda muito longe.
Factualmente temos MUITOS QUADROS formados aqui a sairem para o estrangeiro... com Angola como novo el dorado prova de que formamos com qualidade mas continuamos longe de proporcionar as condicoes materiais que as pessoas precisam para continuarem aqui.
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