Dizem que o termo “mecenato” deriva do nome de Caio Mecenas (68 a.C. - 8 a.C.), um grande Doda/Conselheiro de um tal de Otávio Augusto que formou um círculo de intelectuais e poetas, sustentando sua produção artística.
Actualmente quando se fala de mecenato pretende-se significar o patrocínio/incentivo que se dá a diversas actividades com destaque, entre nós, para as letras, artes, ciência, cultura, acção social e o desporto.
Moçambique, tal como muitas outras nações modernas, ao conjunto de benefícios que concede às empresas em razão do seu volume de investimento, da localização geográfica (nas zonas de desenvolvimento acelerado, por exemplo) etc., procurou através da Lei nº 4/94, de 13 de Setembro, acrescer um conjunto de incentivos de natureza fiscal e social, a quem contribua para o desenvolvimento do País nas áreas atrás referidas.
O regime do mecenato surge em 1994, numa altura em que reaprendiamos a andar após dezasseis anos de barbárie que alguns ousam chamar de “luta pela democracia”. Surge praticamente um ano após a aprovação da Lei 3/93, de 24 de Junho, que já previa benefícios fiscais que foram mais tarde concretamente definidos no código dos benefícios fiscais, no entanto aprovado. Nessa época o Estado pretendia dar um sinal e dizer-se atento à necessidade de apoio para as letras, artes, ciência, cultura, acção social e o desporto e dizer que não estava indiferente às entidades que assim procediam.
É verdade que o Estado foi bastante comedido nos benefícios que entendeu conceder aos mecenas. Mas, mais do que isso foi “preguiçoso” na definição dos procedimentos para os obter, gerando de certa forma alguma impraticabilidade e/ou confusão. Outro aspecto que vale a pena ter em conta é que, me parece, o regime do mecenato apesar de importante, não foi nem naquele período nem no período subsequente, verdadeiramente prioritário para o Estado. Veja-se, como lembra meu amigo Leonel Chirinza comentando o texto da semana passada, que a Lei do Mecenato determinava no seu artigo 12º que até 180 dias, após a sua publicação, o Conselho de Ministros aprovaria o seu Regulamento. Porém, este só foi aprovado 4 anos depois, através do Decreto nº 29/98, de 9 de Junho.
Chirinza lembrou me que a Timbila e o Nyau (expressões culturais moçambicanas), foram proclamadas em 25 de Novembro de 2005, obras primas do património oral e imaterial da Humanidade pela Unesco. O facto aconteceu na altura graças ao acolhimento positivo dado ao dossier de candidatura e o respectivo plano de acção de cinco anos, visando a materialização de acções para a preservação e disseminação destas práticas culturais, tanto a nível nacional como internacional.
O que é que fizemos de lá para cá? Muito pouco. Continuamos a ser exímios consumidores de tudo e mais alguma coisa que vem de fora, e temos um conjuntos de instituições públicas que se constituem como actores passivos e pouco interventivos na preservação e valorização do nosso espólio cultural e no apoio a iniciativas amplificantes de todos os elementos das letras, artes, ciência, cultura, acção social e do desporto.
O Nyau, a Timbila, os novos valores que nascem nas letras, artes, ciência, cultura, acção social pouco entram no festim vermelho e amarelo que nos trazem de mulheres cuja “arte” reside nas curvas que a natureza lhes colocou potenciadas num qualquer ginásio até pimbeiros de outras paragens, quando artistas de méritos reconhecidos entre nós clamam por apoio para que o Nyau, a Timbila, a Marrabenta, o Pandza e outros estilos Made in Mozambique cheguem a cada vez mais público.
Mas este é mesmo o país do Pandza cantado por Slim Nigga. Os vendedores de discos piratas são tão descarados que até montam bancas em frente a esquadras, instituições públicas etc. Muitos jovens continuam com livros na gaveta a espera de uma oportunidade para lançar. Afinal, para muitas empresas dá mais visibilidade trazer qualquer kudurista ou uma melancia desavergonhada que patrocinar o livro de qualquer debutante, ou a exposição daquele artista talentoso da esquina ou ainda a exibição daquele grupo teatral do bairro.
Neste cenário gostaria de ser optimista para que a breve trecho se produzam mudanças que se repercurtam nos nossos homens das nas letras, artes, ciência, cultura, acção social e desporto e naqueles que decidem os apoiar. Acções que partam da definição de estratégias para a vitalização das nossas letras, artes, ciência, cultura, acção social e desporto, acções do ponto de vista legislativo que dêm suporte a essa estratégia e um cometimento dos nossos mecenas que, conhecendo o caminho e as regras estabelecidas para o apoio a essas áreas, não hesitarão em dar dinheiro para o desenvolvimento dessas áreas.
As coisas tem que mudar. Urge essa mudança. Sem isso continuaremos a brincar ao mecenato.
Um comentário:
Viva!
De facto precisamos de uma intervenção de choque para salvar a nossa Cultura.
Desde já, o Governo não se pode demitir das suas funções nessa área. Precisamos por exemplo de uma Lei de RadioDifusão, onde esteja claramente definido que um dos fins das rádios é a preservação da nossa Cultura, nas suas diversas dimensões. A propositura do projecto de Lei supra cabe ao Governo. Em 2010, o Governo ensaiou algum debate sobre a matéria, mas a estas alturas, acredito que o calhamaço deve andar impoerado numa dessas gavetas dos burocratas do GABINFO.
Os Tugas, por exemplo, no seu regime jurídico de Radiofusão, clara e expressamente definiram a Promoção da Cultura e língua portuguesa bem como dos valores que exprimem a identidade portuguesa como um dos fins dos serviços de programas generalistas de radiodifusão, no quadro dos princípios constitucionais. (alínea c) da Lei n.º 4/2001
de 23 de Fevereiro).
Os Brasileiros foram mais longe, ao prever verdadeiros incentivos fiscais as Rádios que difundirem um certo percentual de musicas tradicionais e originárias (folclore) na sua programação. Tais incluem isenções fiscais na aquisição de equipamento tecnológico da própria Rádio e outros. (Código de Telecomunicações).
O nosso regime jurídico de Mecenato, para além das insuficiências que já mencionamos outrora, é bastante ambíguo em relação a natureza e o conteúdo das actividades culturais a serem objecto do mesmo. Na área musical, por exemplo, a relativa ambiguidade do legislador dá azo a que alguns guros mecenas (amarelos e vermelhos, sobretudo) avoquem os incentivos fiscais, por patrocinarem muito esterco de fora, mas embrulhado em enfeites nacionais, isto é, muita passada, kuduro, rap, etc, que a geração de viragem cá da casa anda a chanfurdar, muitas vezes com uma composição melódica e rítmica mediocres. Ao passo que a nossa música tradicional e originária vai perdendo os seus melhores fazedores para o tontonto e a nipha, frustrados com actual sistema de coisas.
Muito pode ser feito pela nossa Cultura, mas enquanto não houver vontade política nada será feito.
Leonel
Postar um comentário