quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Brincando ao Verão, Promovendo o Que Vem de Fora, Secundarizando o Nacional

Pode ser que o regime jurídico do Mecenato em vigor em Moçambique não seja o mais perfeito. Pode ser que, apesar de estar em vigor há quase 20 anos, nem as instituições públicas estejam preparadas para lidar com as implicações dele decorrentes e nem os agentes artísticos e desportivos preparados para tirar o melhor proveito desse regime e/ou para influenciar mudanças/reformas que acomodem os seus interesses.

O país evoluiu muito desde 1994. Mais do que nunca, o desporto e as artes se perfilham não como mera diversão, mas como catalisadores de negócios dos quais todos nós poderíamos sair a ganhar.

Quando se fala dos valores gastos pelo Estado na organização do festival nacional da cultura, percebe-se que o próprio Governo ainda não percebeu que pode, dentro do regime legal em vigor, agregar parceiros que ajudariam a baixar a factura paga por todos nós, para além de entregar a organização do evento a profissionais transformando o evento numa das nossas bandeiras turístico-culturais de referência. É negócio mal aproveitado.

O verão chegou e, com ele, o desfile da diversão patrocinada pelas empresas de telefonia móvel e outras. Mais uma vez, assistiremos ao desfile de artistas estrangeiros anunciados em parangonas secundarizando os locais que serão mencionados como meros figurantes de um enredo que não o deles. Mais uma vez, através dessas realizações, assistiremos à demonstração de poder das nossas operadoras, enquanto festivais culturais de referência poderão desaparecer por falta de apoios. Que tal investir mais no festival de Zavala? Que tal apostar nos festivais de teatro? Que tal fazer do Ngoma Moçambique não apenas uma festa da Rádio Moçambique mas uma festa do cancioneiro popular moçambicano?

Enquanto abanamos o esqueleto ao sabor da música de Angola, Cabo Verde, França etc., Xidiminguana, José Mucavel, Hortêncio Langa, Arão Litsuri, Madala, Júlia Mwito, Eyupuro, Chonguiça e outros clamam por apoios e por dinheiro para se fazerem ouvir por públicos ansiosos da sua arte, um pouco por todo o país.

Policarpo Mapengo e outros escritores debutantes clamam por apoios para colocarem no mercado as suas obras. Grupos teatrais querem demonstrar sua arte, artistas plásticos querem expor suas obras.

Todo o dinheiro investido no que chamo de “brincar ao verão cultural” é feito dentro do deficiente regime do mecenato, o que demonstra que é possível injectar dinheiro nessas áreas.

A cultura é importante. Com suas raízes na história, influenciada por inúmeros factores, podemos dizer que cultura é a forma de ser de um povo. Todo ser humano nasce com características individuais que serão moldadas de acordo com a cultura vigente a seu redor.

A criança moçambicana nascida no agreste Pafuri aprenderá a lidar com cabras e dormirá ouvindo canções de embalar em Changana ancestral, cultura que sobreviveu à chegada do colonizador europeu, que tentou impor por estas latitudes a sua cultura a ferro e fogo.

A criança urbana do centro de Maputo e a campesina que brinca em Mandlakazi são ambas moçambicanas, porém é inegável que irão crescer sob estímulos radicalmente diferentes. Assim, cada indivíduo será determinado, marcado indelevelmente desde cedo tanto nos traços físicos como nos emocionais e mentais por esta “forma de ser”.

Ao mesmo tempo que recebe esta carga cultural que o modela, ele próprio torna-se o agente continuador dela. Curioso por natureza, o homem viajou entrando em contacto com outros povos aos quais influenciou, sendo também por ele influenciado, disseminando costumes diferentes que hoje são mostrados em tempo real pelos quatro cantos da terra via meios de comunicação de massa.

Nas várias “nações” que Moçambique comporta dentro de si floresceram inúmeras culturas, que adquiriram forte personalidade, sendo famosas algumas características que as diferenciam das demais, com destaque para: alegria, hospitalidade e criatividade.

Nesta época do florescimento de uma verdadeira “indústria” cultural (se é que assim a podemos chamar) estarão os agentes dessa indústria preparados para manejar os instrumentos legais ao dispor e em seu benefício? Como já disse acima, me parece que não.

Moçambique tem um quadro legal que, longe de ser perfeito, permite o aparecimento de promotores culturais com ganhos reais para todos. Esse quadro legal precisa ser promovido e reforçado. Precisamos levar os “fazedores” da cultura e os empresários culturais a usar esse quadro a seu favor.

Tentemos usar a criatividade que nos caracteriza como povo para encarar a globalização de peito aberto recebendo dela mas, também, oferecendo ao mundo a riqueza cultural que Moçambique patenteia.O mundo não nos deve conhecer por fazer mal hip hop, tem que nos conhecer por fazer bem o que é nosso. Olhemos para o que melhor se fez em Moçambique para promover a cultura desde as leis existentes até às acções concretas, buscando, inclusivamente, experiências de outros que definiram claramente as suas políticas de cultura.

Um comentário:

Anônimo disse...

Viva Ilustre.
O teu texto, recordou-me que a Timbila e o Nyau (expressões culturais moçambicanas), foram proclamadas em 25 de Novembro de 2005, obras primas do património oral e imaterial da Humanidade pela Unesco.
O facto aconteceu na altura graças ao acolhimento positivo dado ao dossier de candidatura e o respectivo plano de acção de cinco anos, visando a materialização de acções para a preservação e disseminação destas práticas culturais, tanto a nível nacional como internacional.
Porém, pouco ou nada se faz para a divulgação e sobretudo valorização desse acervo patrimonial bastante rico. Continuamos a ser exímios consumidores de toda imundície cultural que vem de fora. O Ministério da Cultura é um actor passivo e pouco interventivo na preservação e valorização do nosso espólio cultural.
Veja que a Lei do Mecenato (Lei n. 4/94, de 13 de Setembro), determinava no seu 12º artigo que até 180 dias, após a sua publicação, o Conselho de Ministros aprovaria o seu Regulamento. Porém, este só foi aprovado 4 anos depois, através do Decreto n. 29/98, de 9 de Junho. Isto, por si só, revela falta de vontade política em preservar e valorizar a nossa cultura. Este Regulamento alargou o ambito de aplicação da Lei de Mecenato para outras áreas como o Desporto, o Meio Ambiente e Actividades Sociais.
Os incentivos fiscais e governamentais resumem-se sobretudo a isenção total dos direitos e de importação, bem como do Imposto de circulação dos bens a serem doados; a dedução a matéria colectável de Contribuição Industrial como custo ou perda do exercício do montante equivalente a liberalidade (patrocinio, etc) feita até um determinado limite. Incluem também alguns beneficios sociais, tais como as Menções honrosas e diplomas de mérito (artigos 9 e 10 do Regulamento).
Bem vistas as coisas, resulta claro que o regime legal de benefícios fiscais Incide exclusivamente sobre os bens a serem doados e os montantes consignados para essas actividades. Neste sentido, não representam nenhum alívio aos custos de produção dos produtos da própria empresa e/ou da tributação incidente sobre a actividade da mesma.
Não há dúvidas que é um caminho percorrido, mais muito distante dos objectivos que se auguram para a nossa Cultura.
Será a Lei de Mecenato uma mais valia para a nossa, cultura, desporto, educação e meio ambiente?

Leonel