A errosão na marginal a desertificação galopante, a delapidação dos recursos florestais, a polémica da construção da barragem de Panda N'cua etc., tem trazido à superfície a necessidade mais premente de uma grande reflexão em torno da questão ambiental em Moçambique bem como a necessidade de políticas nacionais mais claras e eficazes.
A Sal & Caldeira Newsletter nº 12 de Março e Abril de 2007 traz um artigo que constitui mais uma reflexão em torno do fenómeno ambiental com o título "Operações Petrolíferas e Protecção Ambiental" que reproduzo abaixo.
De facto, em Moçambique, quando falamos de produção de petróleo fazêmo-lo com o pensamento noutras paragens: Angola (mais próximo), médio oriente, EUA etc. mas, na verdade, a era do petróleo está ao virar da esquina em Moçambique.
As minhas questões em face do artigo residem em saber:
- estamos preparados para essa era?
- temos uma estrutura capaz de zelar pelos interesses ambientais de Moçambique?
- conhecemos, de facto, os riscos ambientais que a actividade acareta?
Eis o artigo:
Nos últimos tempos, Moçambique tem dado passos significativos no sentido da confirmação das suas potencialidades na área petrolífera. É assim que recentemente, o Governo de Moçambique assinou com diversas empresas contratos de concessão para a pesquisa de tão importantes recursos.
O quadro legal orientador das operações petrolíferas encontra-se fundamentalmente na Lei 3/2001 de 21 de Fevereiro, Lei de Petróleos, no Decreto 24/2004, de 20 de Agosto, Regulamento das Operações Petrolíferas, no Decreto 19/2004, de 2 de Junho, Regulamento sobre o Imposto sobre a Produção de Petróleo (Royalty) e ainda nos Contratos de Concessão celebrados com os concessionários.
Embora se reconheça a importância deste sector para o desenvolvimento do país, é necessário indagar sobre o grau de protecção legalmente garantido contra danos ambientais resultantes das actividades inerentes às operações petrolíferas.
O Estado moçambicano tem mostrado alguma preocupação sobre as questões ambientais e, inclusivamente, a protecção ambiental tem consagração constitucional no artigo 90 nos termos do qual é direito de todo o cidadão, o acesso a um ambiente equilibrado e, são colocados ao dispor do mesmo, mecanismos legais para promover a cessação ou perseguição judicial das infracções contra a preservação do ambiente, entre outros. O Código Civil igualmente fixa a necessidade de indemnização pelos danos ambientais, assim como o Código Penal prevê algumas molduras penais e multas para determinados danos ambientais (Confira respectivamente os artigos 483º, n.º 2 493 e 1346º do Código Civil e, 464º, 476º e 478º do Código Penal).
Nestes termos, o artigo 23 da Lei de Petróleos, impõe aos titulares dos direitos de realização de operações petrolíferas o dever de observância das boas práticas relativas a campos petrolíferos e determina algumas obrigações ambientais das quais se destacam:
- realização do estudo do impacto ambiental ( neste âmbito assegurar medidas para evitar danos ou destruições ecológicas ou, quando inevitáveis, adequa-los aos padrões internacionalmente aceites);
- controlar o fluxo e evitar a fuga ou perda de petróleo;
- evitar a danificação do reservatório do petróleo;
- evitar a destruição de terrenos, lençol freático, árvores, culturas, edifícios e outras infra-estruturas e bens;
- limpar o local após as operações e cumprir os requisitos para restauração do ambiente;
- garantir a segurança do pessoal na planificação e realização das operações petrolíferas;
- reportar às entidades competentes sobre o número de descargas operacionais e acidentais, derrames, desperdícios e perdas resultantes das operações;
- garantir um destino seguro para águas poluídas e desperdícios de petróleo, bem como, o encerramento seguro de todos os furos e poços antes do seu abandono.
O Regulamento das Operações Petrolíferas também realça os aspectos ambientais, em todas as fases das actividades petrolíferas. De forma genérica, determina que devem ser realizadas avaliações de impacto ambiental, incluindo acções de minimização do impacto para todas as áreas afectadas pelas operações petrolíferas e, para acautelar os eventuais danos que possam ocorrer nesta área, o operador obriga-se a ter seguro contra danos causados por poluição, entre outros.
Estas imposições da legislação petrolífera estão em consonância com as imposições gerais da Lei nº 20/97, de 1 de Outubro, Lei do Ambiente, que fixa como obrigação geral aplicável a todas as actividades susceptíveis de provocar impactos ambientais significativos, a obtenção de licenciamento ambiental através aprovação pelas entidades competentes do estudo do impacto ambiental a ser apresentado pelo requerente da actividade em causa. Os procedimentos e conteúdos para tal, encontram-se fixados no Regulamento sobre o Processo de Avaliação do Impacto Ambiental, aprovado pelo Decreto 45/2004, de 29 de Setembro, com excepção das actividades que deverão seguir regulamentação específica.
Entre as actividades merecedoras de regulamentação específica está a actividade petrolífera que carece ainda de tal regulamentação. Esta diferenciação do regime do processo de avaliação do impacto ambiental em nosso entender, é o reconhecimento pelo legislador da especificidade da actividade petrolífera e da necessidade de critérios diferenciados ou diferenciadores na avaliação do potencial do risco ambiental que tal actividade envolve.
Embora, ao que se saiba, tal regulamentação esteja em preparação, contratos de concessão para a pesquisa, produção e desenvolvimento de petróleo já foram celebrados entre o Governo e diversas empresas concessionárias que, na ausência de regulamentação específica e própria para o sector petrolífero, poderão lançar mão das disposições gerais contidas no Decreto 45/2004.
Partindo do pressuposto de que ao se excluir a realização dos estudos de impacto ambiental para as actividades petrolíferas do âmbito do Decreto 45/2004, se pretendia criar critérios próprios compatíveis com estas actividades e o potencial de risco que contemplam, e considerando que a breve trecho poderão iniciar as actividades de prospecção, pesquisa e produção de petróleos e gás (uma vez aprovados os respectivos contratos de concessão) podemos admitir que tais actividades se irão desenvolver fora do quadro que seria ideal caso regras específicas para o estudo do impacto ambiental tivessem sido aprovados e em vigor estivessem.
Esta constatação é importante se atendermos ao conceito de Estudo de Impacto Ambiental que é a componente do processo de avaliação do impacto ambiental que analisa técnica e cientificamente as consequências da implementação de actividades de desenvolvimento sobre o ambiente e eventuais acções de mitigação.
Portanto não estão ainda fixados os critérios para a análise técnica e científica das consequências da implementação das actividades petrolíferas sobre o ambiente.
É nossa convicção que a definição de tais critérios é fundamental e urgente dada a sua importância, por exemplo, para uma previsão técnica e científica clara do impacto decorrente do processo de perfuração de poços nos quais, ao que se sabe, são descartadas lamas oleosas ou os riscos dos potenciais derrames nos campos de produção. É nossa convicção também que a sua omissão poderá constituir um avanço no escuro.
Desde a exploração até a refinação, a indústria do petróleo apresenta características muito peculiares, gerando e necessitando de muito saber. Moçambique, pelas áreas concessionadas para operações petrolíferas precisará garantir que todas as medidas estão tomadas para a mitigação de efeitos sobre o ambiente.
Seja na forma de acidentes indesejáveis ou como parte inevitável da rotina da cadeia produtiva, os eventuais danos ambientais da indústria petrolífera devem ser estudados rigorosamente de forma a encontrar formas da sua mitigação.
4 comentários:
Pois é, parece que finalmente a opinião pública despertou para a gravidade dos problemas ambientais que o País enfrenta, ou sera porque começamos a sentir os seus efeitos, o que tem chamado a nossa consciencia pras implicações praticas da degradaçao ambiental na nossa vida? nao sei mas sinto uma "subita democratizaçao" das questoes ambientais (o que até é bom porque francamente o problema nao é de uns mas de todos, rico ou pobre), ou se quisermos uma "deselitização"do tema, se assim podemos chamar, hoje ja nao são só as ONGs e alguns “iluminados” que falam sobre o assunto, ja se vê estudantes, professores secundarios, até adolescentes a abordar o assunto e de forma bastante prática e numa visão realista, tendo em conta o contexto e o quotidiano moçambicano, o que acho extremamente positivo. Porem, acho que nao obstante a gravidade do problema, nao se pode exigir muito de um povo que ainda tem como prioridade a satisfação de necessidades basicas para a sobrevivencia! É preciso alguma dose de coragem para abordar questoes como a erosao, poluição dos lençois freáticos, dos solos, desmatação etc junto de populações cuja principal preocupaçao (ainda) é o pao de cada dia!chega até a ser violento..por isso, para responder a tua pergunta:acho que nao estamos preparados mas infelizmente o tempo perdoa, já vamos atrasados! Mas o pior, na minha opinião, é o facto de (respondendo à tua outra pergunta) não termos estruturas de tutela capazes. Aliás, nem sei se de facto não as temos ou se o que realmente falta é a consciência e sensibilidade dos governantes quanto à matéria.
Os vários atropelos ao ambiente como as construções erguidas ao longo das barreiras da marginal, desaparecimento indescriminao de áreas verdes nos centros urbanos, para já nao falar das polémicas em torno da desflorestação e da contrução e gestão das barragens nacionais, denunciam a ausência de uma agenda e duma estratégia governamental clara em relação ao ambiente. Aflige-me pensar, por exemplo, pra onde vai o lixo hospitalar. Se a inexistência de aterros sanitários para a incineração do lixo comum já é preocupante, imagine-se o destino que é dado ao lixo bio-médico e demais dejectos altamente tóxicos para a saúde humana. Aliás, nem nos hospitais estamos a salvo já que alguns até têm depósitos improvisados de lixo (à vista de qualquer um), não me admira por isso que muitas vezes somos internados por uma doença e saímos de lá com outra infecção! E que dizer das nossas indústrias, algumas das quais encomendam elas próprias os relatórios de impacto da sua actividade no ambiente, autênticos juízes em causa própria! Enfim..embora ache que uma reacção à nível governativo seja urgente, acredito que cada um de nós pode fazer a diferença através da mudança de comportamentos e da adopção de pequenas atitudes no nosso dia a dia. Porque por mais leis que tenhamos, por mais convenções que o País ratifique, se individualmente não tivermos consciência ambiental, será em vão..se eu não deitar o óleo de cozinha usado no ralo ou na pia porque a fabrica x virá recolhê-lo pra reciclar e fabricar sabão, se tu separares o lixo reciclável do orgânico porque a industria x vai reaproveitá-lo (e se calhar até te possa recompensar por isso), se ele não desperdiçar água limpa pra lavar o carro (e em vz disso usar por ex a agua que foi usada pra lavar a roupa), se eu não deixar a torneira aberta enquanto escovo os dentes, se o governo construir um aterro sanitario, se as fabricas que investirem o maximo em dispositivos e sistemas anti-poluição tiverem outros incentivos por parte do governo (por ex beneficios fiscais..), etc, etc, a nossa qualidade de vida será concerteza melhor! Ou seja, é necessário uma acção coordenada e conjunta, nenhum membro da sociedade se pode alhear. Pode parecer utópico mas acredito que seja exequível, basta que haja a tão famosa (mas desaparecida) vontade política, não só do governo mas também nossa que afinal somos parte da sociedade política..Saudações revolucionárias!
estamos preparados para essa era?
Ambientalmente e infelizmente não estamos preparados.
Mas apesar do despreparo evidente, o Petróleo é um recurso de extrema importância no mundo em que vivemos.
O desafio do combate a pobreza a que o país se lançou exige o aproveitamento rigoroso (embora muitas vezes pouco racional) dos recursos existentes no país.
Na área petrolífera creio que vamos aprender correndo atrás do prejuízo.
Me parece que nem o Instituto Nacional do Petróleo nem o MICOA estão estruturalmente e humanamente preparados para lidar com a gestão ambiental da actividade petrolífera de que não há memória em Mozie.
Mas será que temos capacidade para aprender algo? Desde o acidente desastroso do KATINA P na Baía de Maputo que estruturas foram criadas para privinir e, eventualmente, lidar com situações do género caso ocorram em Moçambique? Teremos que depender again dos sul africanos?
Temos uma estrutura capaz de zelar pelos interesses ambientais de Moçambique?
No que tange ao petróleo podemos olhar para duas estruturas: o INP e o MICOA.
O MICOA já tem mais de 10 anos mas parece um ministério em permanente capacitação estrutural e pouco dado a lidar com os problemas ambientais que apoquetam os moçambicanos. Só um exemplo: a lixeira do hulene e a gestão dos lixos biomédicos (na dimensão em que estão e tendo em conta o estatuto da cidade de Maputo) serão apenas problema do Município de Maputo?
Para além de fechar fabriquetas pouco se vê do MICOA: é manifesta a sua incapacidade, mesmo tendo todo o suporte legal, de lidar com a poluição provocada pela cimentos. Não sabemos até hoje, partindo do próprio MICOA ou outra instituição pública, o impacto da MOZAL no ambiente. Tudo o que sabemo é ZERO HARM publicitado pela própria MOZAL como diz a Maria João.
O INP apesar de, até onde sei, ter funções de fiscalização as suas competências seriam ou estariam na dependência da colaboração que as estruturasinoperantes do MICOA o facultassem.
Logo estamos mal. Este não é o discurso do CAOS... é o discurso da realidade.
Conhecemos, de facto, os riscos ambientais que a actividade acareta?
Se os conhecemos minimizamos. Se não os minimizássemos (conhecendo) já haveria um regulamento específico para o Estudo do Impacto Ambiental para a actividade petrolífera como existe para a mineira.
Mas acredito que não conhecemos. Estamos a avançar no escuro nesta questão.
Maria, minha amga colega, tem a razao certa
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