A Lei 23/2007, de 1 de Agosto, Lei do Trabalho, está em divulgação. Multiplicam-se seminários e sessões de formação. Na blogosfera o Ilídio Macia no seu Blog Quotidiano de Moçambique, assumiu esta empreitada de dar a conhecer esta lei que regerá, nos próximos tempos, as relações laborais em Moçambique.
Proponho me pois a trazer a debate alguns temas contidos na Lei do Trabalho que me parecem problemáticos e, por isso, carecendo de alguma reflexão. Começo com o nº 3 do Artigo 69 da Lei do Trabalho que refere que "na pendência ou como acto preliminar da acção de impugnação de despedimento, pode ser requerida a providência cautelar de suspensão de despedimento, no prazo de 30 dias a contar da data cessação do contrato".
Sabemos que providência cautelar é destinada a prevenir ou afastar o perigo resultante da demora a que está sujeito o processo principal. Através de uma indagação rápida e sumária, o juiz assegura da plausibilidade da existencia do direito do requerente emite uma decisão de carácter provisório, destinada a produzir efeitos até ao momento em que se forma a decisão definitiva.
Na anotação ao artigo 69 da Lei do Trabalho (Lei do Trabalho Anotada por Abdul Carrimo Issá, Duarte da Conceição Casimiro e Paulo Daniel Comoane) refere-se que o mecanismo estabelecido no nº 3 se destina ao trabalhador ilicitamente despedido (o sublinhado é meu) para que na pendência ou antes de intentar a acção de impugnação de despedimento possa usar deste mecanismo.
Porém, me parece que a formulação do referido nº 3 aproveita a qualquer trabalhador lícita ou ilicitamente despedido. Devemos nos recordar que a sanção de despedimento é precedida de um processo disciplinar nos termos descritos na Lei, mesmo nas situações em que o trabalhador é, por exemplo flagrado tentando furtar bens (seja qual for o valor) pertecentes à entidade empregadora. Este trabalhador pode, querendo, usar o mecanismo que a Lei lhe coloca e requerer uma providência cautelar e forçar o juiz a tomar medidas tendentes a "prevenir ou afastar o perigo resultante da demora a que está sujeito o processo principal".
No exemplo referido no parágrafo anterior, considerando o carácter proteccionista ao trabalhador que instrui a Lei do Trabalho, que feito teria, a decisão do juiz que suspenda um despedimento fundado em furto?
Há mesmo sustentabilidade (até para esse trabalhador) para permanecer nesse emprego? Será má formulação do dispositivo ou o seu alcance é maior do que consigo encontrar?
Vamos lá falar
7 comentários:
Caro Mutisse, concordo consigo. Na verdade, o nº 4 do artigo 69.º não é apenas para trabalhadores ilicitamente despedidos. Todo trabalhador despedido pode requerer a suspensão do despedimento. Ora, caberá ao juiz deferir ou não a providência solicitada. Quem é que declara a ilicitude dum despedimento? Quando é que alguém diz que o seu despedimento é ilícito?
Segundo o nº1 do art 69 da Lei em causa, quem declara a ilicitude do despedimento são os tribunais do trabalho e/ou os orgaos de conciliação, mediação e arbitragem laboral, em sede de uma acção competente proposta pelo trabalhador para esse efeito. De facto, me parece também a mim que um procedimento cautelar como este ora em debate não faz muito sentido em sede desta materia, quanto mais não seja pelos motivos já invocados, maxime a impossibilidade de subsistência de uma relação de confiança entre empregador e trabalhador, após um incidente grave como é o despedimento. Não se percebe de que forma pretende a Lei acautelar os interesses do trabalhador com a previsão desta providência, se considerarmos que muitas vezes ainda que o tribunal decida a final favoravelmente ao trabalhador, considerando que houve despedimento ilícito, geralmente o trabalhador não opta pela reintegração(qd possivel), o que é perfeitamente compreensível, pois não se espera que se mantenha, entre ambos, uma atmosfera salutar necessaria a subsistencia da relação jurídico-laboral. Ainda a proposito desta Lei, tenho outras duvidas que gostaria de partilhar neste forum, sobre outras materias,espero fazê-lo brevemente.
A questão que coloco agora é: qual era então a intenção do legislador ao impôr uma norma como esta?
O que é que se pretende(ia) salvaguardar?
Um posto de trabalho?
Em que condições?
Caro Mutisse, bom debate este. Imagine o seguinte cenário: uma determinada empresa "X" decide despedir uma trabalhadora "y" alegadamente por esta se encontrar grávida e, por isso, estar a contribuir "negativamente" para a empresa. O que é que achas que a trabalhadora deve fazer de imediato? Para mim, já que é mais do que patente a irresponsabilidade da própria entidade empregadora e, como não deixaria de ser, é também patente a ilicitude do despedimento, esta trabalhadora grávida deve avançar com uma providência cautelar de suspensão de despedimento. Veja o que dispõe a alínea d), do nº 1, do artigo 11º da lei 23/2007, de 1 de Agosto que, cito:" São assegurados à trabalhadora, durante o período da gravidez e após o parto, os seguinte direitos: d) não ser despedida, sem justa causa, durante a gravidez e até um ano após o parto.
Plenamente de acordo consigo no exemplo que dá acima. Mas imagine o reverso da mesma moeda.
Eu sou empregador, encontro o Fulano, meu trabalhador à saida do estabelecimento onde presta serviço, com arroz, açucar, óleo e cerveja furtados.
instauro um processo disciplinar e despeço o trabalhador. Este, não contente com a decisão, interpõe uma acção de impugnação de despedimento e, na pendência dela, instaura uma providência cautelar para suspensão do despedimento e o JUIZ decide a favor do trabalhador (seja qual for o fundamento).
Que relação laboral se (re)estabelecerá entre eu e este trabalhador? É que ele (concordamos nisso) como a trabalhadora grávida ilicitamente despedida, pode instaurar tal providência cautelar?
My point is: quisemos proteger situações como as que apontas, mas podemos conduzir a resultados perversos como o do exemplo que aponto.
Caro Mutisse, se o tribunal assim decide, o mesmo sabe porquê!! Caberá a si como advogado da empresa "atacar" a decisão do juiz...
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