O convidado desta semana para o briefing "Com a Imprensa" na "nossa Televisão" foi o Ministro da Saúde o Dr. Ivo Garrido. Infelizmente não vi a entrevista de início mas, gostei do que ouvi na parte que vi: a frontalidade, o conhecimento do sector, o reconhecimento dos erros entre outros.
Quando Ivo Garrido disse que o Ministério da Saúde geria apenas 40% da ajuda externa e os restantes 60% são geridos directamente pelos doadores ou por ONG's fiquei preocupado. Era a concretização das ideias que tinha no plano teórico. Algumas adquiridas nos debates da blogosfera.
Lembrei-me dos comentários de Obed L. Khan nos debates sobre a corrupção. Lembrei-me das reflexões do Dr. Elísio Macamo chamando a nossa atenção sobre o facto de que a "corrupção tornou-se, num instrumento de trivialisação da nossa política, mas também numa cortina que não nos permite ver os problemas sérios que a dependência do auxílio externo está a criar no nosso seio."
Penso que ao referir-se ao modo como são geridos os fundos de ajuda externa no seu Ministério, Ivo Garrido também nos chama atenção sobre a visão que devemos ter sobre determinados fenómenos que, invariavelmente imputamos ao Ministério da Saúde ou ao Governo no geral como por exemplo, incompetência, descordenação ou mesmo corrupção.
Lembrei-me então de um comentário do Obed L. Khan nos termos do qual quem devia prestar contas eram os doadores. Mas, infelizmente, o desconhecimento da dinâmica de funcionamento das instituições nacionais e do facto revelado pelo Ministro Garrido leva a que o fracasso de muitos projectos não geridos directamente pelo Ministério da Saúde seja achacado a este, com acusações de corrupção e incompetência à mistura, muitas vezes amplificada por relatórios financiados pelos mesmos que drenando dinheiro a Moçambique o gerem longe da intervenção governamental.
Comentando no blog do Professor Elísio Macamo (https://www.blogger.com/comment.g?blogID=23576175&postID=8365691083163426040&isPopup=true), Obed L. Khan afirma que "o país não precisa de prestar contas aos doadores/financiadores. Isto por uma razão muito simples: Eles, os doadores, é que estão a gerir os projectos. Através das unidades de implementação. [...] Quem deveria prestar contas ao Estado pelo sucesso e impacto dos projectos em execução são precisamente essas instituições doadoras." Isto foi confirmado por Ivo Garrido ontem.
Outras ideias expressas por Ivo Garrido ontem parecem-me confirmar a tese que Khan, comentando no mesmo Link apresentava nos seguintes termos:
"Se tu, o doador, queres realmente que eu, Estado, te preste contas do dinheiro que me dás, proceda do seguinte modo: (i) aceite que o parlamento nacional defina as prioridades dos próximos cinco anos; (ii) A tua única condição deveria ser que essas prioridades que fossem definidas concorressem para o progresso do país, em todos os sentidos; (iii) tendo em conta o défice orçamental que eu enfrento, eu colocar-te-ia minhas necessidades de financiamento; (iv) o financiamento não deveria ser para financiar projectinhos da tua preferência, mas sim para financiar um vasto programa definido pelo parlamento; (v) a tua ajuda não seria colocada à responsabilidade de entidades criadas "ad hock"; (vi) pelo contrário, o financiamento que tu me dás, seria integrado no orçamento nacional, para ser gerido pelo governo do país; (vii) Quando o Governo do dia fosse prestar contas ao Parlamento (sobre o decurso do seu vasto programa, seus impactos, etc.) estaria, também, implicitamente, a prestar contas a ti.
Agora, quando tu impões os critérios para a escolha dos projectinhos, quando tu impões os critérios de adquisições, quando tu examinas todos os contratos, quando tu tens que dar um "no objection" para todos os passos e para todas as despesas, por mais mínimas que sejam, não estarias tu a gerir o projecto? Como é que aquele que gere tem que, depois, receber uma prestação de contas? De quem?"
Estes debates que temos tido por aqui começam a ter eco por ai. Senti isso na entrevista com o Dr. Garrido ontem.
Com frontalidade Ivo Garrido falou das fraquezas e dificuldades do seu ministério. Com realismo disse que faltariam medicamentos em Moçambique por mais algum tempo explicando as razões de tal situação e o que representam essas faltas em termos de saúde pública. Explicou as prioridades do ministério neste aspecto.
Foi interessante. Foi mesmo muito interessante ouvir falar da luta integrassionista dos vários "projectos" geridos dispersamente dentro do Ministério da Saúde, das resistências e das potencialidades do modelo que, soberanamente o Ministério pretende seguir. Foi mesmo interessante ouvir o posicionamento do Ministro sobre os HOSPITAIS DIA, bandeira de muitos para o criticar.
2 comentários:
Olha Mutisse,eu tive a oportunidade de ver quase toda a entrevista do ministro.
As questões orçamentais que lhe inquietam levaram a questionar a mim mesmo sobre a eficácia da ajuda externa a Moçambique. Mas nao levei muito tempo sem que me recordassem da declaração de París, que é sobre a eficácia da ajuda externa.
A declaração de paris adoptada por ministros dos países doadores e dos receptores para além das agencias de desenvolvimento em 2005, avança cinco principios que se fossem observados já nao falariamos de problemas da ineficácia da ajuda, pelo menos nas proporções actuais.
A declaração de Paris defende a apropriação (ownership) ou seja os países beneficiários exercem lideranças sobre políticas e estratégias de desenvolvimento e os doadores compromentem-se a respeitar.
O segundo principio é o do alinhamento ou seja , os doadores baseiam todo o seu apoio nas estratégias nacionais dos paises beneficiários (assim nao deviam haver projectos paralelos, fora das prioridades nacionais.
O terceiro é o da harmonização ou seja os doadores implementam disposições comuns e simplificam procedimentos. Este principio revolucionou muita coisa entre nós. Lembro-me que há momentos em que os financeiros das instituições passavam dias e dias a redigir relatórios, afinal cada doador queria seu report e com regras proprias.
O quarto é o da gestão orientada para os resultados. este defende a orientação da gestão dos recursos da ajuda para resultado concretos.
O último destes principios é o da responsabilização mutua. este preconiza que os deoadores e os governos beneficiarios são responsáveis pelos resultados obtidos em matéria de desenvolvimento.
Como pode ver, o grito de Ivo Garrido tem razão de ser, os doadores a muito que deixaram de cumprir o que eles mesmo se comprometeram e por isso baralham o trabalho dos beneficiários da ajuda externa. Na verdade nós nao somos nada ajudados.
obrigado por esta informacao, júlio. o jorge saiete tem muita razao. existe um compromisso claro dos doadores que abre espaco para o ministro. a questao seria de saber se ele reconhece esse espaco? o que eu e o obed criticamos nao continua por que essa é a política dos doadores. continua porque os que executam a política dos doadores resistem. podes resumir o modelo que o ministro pretende seguir?
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