A absolvição dos réus do chamado “caso Albano Silva” é a notícia do momento. O Notícias de hoje faz eco disso. Refere o notícias citando o acordão produzido pelo Juiz Dimas Marrôa que “Por tudo isto, não foi produzida prova convincente, inabalável e concludente. Apenas desfilaram declarantes que, em sede do tribunal, contrariaram-se quanto ao vidro da viatura atingido, razão pela qual se questiona quem está a dizer a verdade. Esta situação deixa o tribunal numa irremediável dúvida. Assim, o colectivo de juízes decidiu, por unanimidade, absolver os réus, sem com isso dizer que eles não participaram no atentado.”
Funcionou o princípio in dubio pró reu, e 8 anos depois, alguns dos réus deixarão de ver o sol pelos quadradinhos. No entanto, foram 8 anos para se chegar à conclusão de que “não foi provado o disparo. Não houve perícia à viatura e nada foi feito no local do crime. Nenhuma diligência foi feita ao Hotel Rovuma, pese embora Dudu tenha indicado o andar e os quartos onde provavelmente tenham acontecido as referidas reuniões. Faltou perícia para confirmar tais afirmações. Estes elementos mostravam-se fundamentais para o esclarecimento do crime.”
Me pergunto, com que bases foi feito o despacho que pronuncia? Conseguirá o Estado, perante a incúria de quem devia ter investigado convenientemente e de quem devia ter avaliado a prova produzida, ressarcir aqueles homens que passaram 8 anos da sua vida privados de libredade por causa de um crime que o mesmo Estado, através da sentença do Juiz Dimas, vem dizer que não investigou convenientemente?
O “Danger Man” já disse, segundo o notícias, que vai exigir uma indemnização de um milhão de dólares pelo tempo que ficou na cadeia.
E assim vamos nós...
10 comentários:
O Media Fax diz que Frangoulis não concorda com a opinião segundo a qual a sentença do Caso Albano Silva foi resultado das fraquezas e falta de profissionalismo da polícia, particularmente da Polícia de Investigação Criminal, mas sim, de todo o sistema de administração da justiça.
“Não mostra a fragilidade só da polícia, mas do sistema todo. Eu disse isso em sede do tribunal. porquê? Porque a polícia é aquilo que nós chamamos de first line enforcement, portanto, é a boca de entrada do processo, mas nós temos fases no processo e são essas fases que são realizadas por diferentes actores de justiça que fazem toda a apreciação do que falta até o processo chegar ao julgamento. Portanto, eu penso que foi uma bofetada com luva branca a todo o sistema e não à Polícia de Investigação Criminal”
De facto, digo eu, há responsabilidades repartidas entre quem investiga, quem acusa e quem pronuncia. Se o trabalho da polícia foi medíocre como é que passou no filtro do Ministério Público? Se passou daqui como foi possível passar também do crivo de quem exarou o despacho da pronúncia?
Aquele julgamento, mais do que a vergonha de Albano Silva e de quem o suportou ao longo destes anos nesta macabra história de atentado, é a vergonha de todo o Estado que (não) recolheu indícios suficientes para sustentar a ideia da existência de um atentado levada a julgamento e, ainda por cima, manteve filhos de dono, pais de família, amantes de muitas mulheres encarcerados durante todo aquele tempo.
É uma vergonha. Não é isto que me colocará contra o Estado, mas, isso sim, isto me coloca contra a actuação dos órgãos do Estado que deviam velar para que isto nunca tivesse acontecido. A não ser que façamos fé às histórietas sobre a actuação de Albano Silva com que a Equipe do Zambeze nos brindou em algumas edições do mês passado.
Eu atribuo responsabilidades ao Ministério Público. O auxiliar deste, a PIC, investigou mal( não sei se foi deliberado). Mas mesmo assim, não se coibiu, o MP, de acusar, mesmo sabendo que nos termos do decreto 35007 podia arquivar os autos, por falta de elementos indiciários suficientes. Muito esquisito. Falei sobre estas coisas no meu último post, lá no "quotidiano de moçambique"
Mutisse, esse tema é interessante e actual e acho que deve ser ainda mais desenvolvido para ajudar a esclarecer alguns pontos de penumbra, sobretudo para quem não anda em lides legais.
O primeiro ponto que me entriga é em relação a prisão preventiva. Qual é o seu limite? Quando é que o mesmo pode ser observado e quando é que não? com que base o Estado manteve aqueles homens em cadeia durante 8 anos? não estaremos aqui perante uma actuação de mã fé?
O segundo ponto está relacionado com a assumpção de que o Estado é responsavel pelos actos dos seus agentes e reservando-lhe o direito de regresso. daqui, a questão que se coloca é, a quem o Estado vai exigir o tal regresso? aos agentes da policia e da PIC que aparentemente tiveram excesso de zelo ou preguiça? E o Albano Silva, como é que fica?
E ainda sobre o Albano Silva, terá ele alguma responsabilidade nisto? É culpado ou pode ser responsabilizado pela preguiça da policia?
E como cidadãos, que licções há que tirar daqui? O que fazermos quando vitimas de atentados para que depois não estejamos na situação identica a que o Albano Silva se acha hoje?
Para terminar, que aproveitamento se pode fazer desta sentença os condenados do caso Cardoso e doutros a ele adjacentes?
Abraço
júlio, acho que a morrosidade é um problema muito sério. espero também que os agora absolvidos tentem exigir indemnização, mas isso não porque eu queira ver o país arruinado; será por querer que através da auto-defesa os cidadãos comecem a obrigar o estado a agir no interesse dos cidadãos. contudo, devemos também aplaudir a decisão porque mostra que a relação entre princípio e procedimentos está a funcionar. absolver por insuficiência de provas é um bom indicador de que estamos a tomar a sério a presunção de inocência. e isso é importante.
Meus caros,
Obrigado por deixarem as vossas opiniões neste cantinho.
Quero concordar com a afirmação do Matsinhe citando o Dr. Frangúlis. De facto o sistema, neste caso, falhou.
Ilídio, o MP não se coibiu de acusar mas o Juiz, nos termos do artigo 365 do Código de Processo Penal, podia não pronunciar indicando se o processo deve aguardar produção de melhor prova ou se deve ser arquivado, fundamentando qualquer que seja a decisão (art. 367 CPP). Portanto, meu caro amigo, o sistema TODO falhou.
Jorge, colocas perguntas interessantes que merecem MUITA reflexão. A lei é clara quanto aos limites da prisão preventiva e em muitas outras coisas. Isto para dizer que a fraqueza, em casos similares, não vem da falta ou lacunas na lei. Vem do sistema, de nós como cidadãos que devíamos ser conscientes dos nossos direitos e exigirmos o seu cumprimento etc.
Elísio, anda sumido da blogosfera. Estou plenamente de acordo com o seu comentário. O Estado já se assume responsável pelos actos dos seus agentes cabe a nós como cidadãos conscientes, exigir tais responsabilidades. 8 anos de detenção para se descobrir o que o Estado, através dos seus órgãos e agentes nomeadamente da PIC, PGR e Tribunais não fizeram o TPC, não podem passar como se fosse um abrir e piscar de olhos.
Voltem sempre.
Não nos esqueçamos que neste caso houve acusação particular. Isto é, para além da acusação deduzida pelo MP o assistente particular, o ilustre Dr. Albano Silva deduziu a sua própria. O erro ou falhas de que nos debruçamos aqui, são igualmente extensíveis a este.
Este caso só veio mostrar o quão prostituída é a nossa justiça. O Frangoulis que hoje lança impropérios que o Matsinhe cita, era director da PIC por altura dos acontecimentos. Não vai ele querer nos provar que os seus homens fizeram tudo para esclarecer o assunto. O procurador que exigiu pena máxima aos réus devia ser mandado de volta à escola para aprender os pressupostos da sua profissão. O juiz que exarou o despacho de pronúncia devia ser mandado para a Sibéria por 15 anos para aprender direito. O assistente particular constituído devia ir passar 8 anos onde passaram aqueles homens, sendo sodomizado, passando privações e tudo o resto.
Oh caro Mutisse, dou nota negativa ao MP pelo papel que desempenha ou deve desempenhar nos processos crime.
Martin,
Esta sua tirada é forte. Como vês, defendo a ideia de que o sistema, como um todo, falhou. Mas não precisa tanto.
Ilídio,
Percebi. De facto o MP tem um papel preponderante. O MP dirige a instrução preparatória, auxiliada pelo seu braço investigativo que é a PIC.
A instrução preparatória, segundo o 35007 abrange todo o conjunto de provas que formam o corpo de delito e visa reunir os elementos de indicação necessários para fundamentar a acusação. Pela sentença estes elementos não foram reunidos.
Mais, na instrução preparatória devem efectuar-se não só as diligências conducentes a provar a culpabilidade dos arguidos, mas também aquelas que possam concorrer para demonstrar a sua inocência e irresponsabilidade. Parece-me que nem isto foi feito, tanto que houve homens detidos por 8 longos anos.
Como diz Maia Gonçalves nas anotações ao CPP, sem um exacto apuramento dos factos, de nada vale uma exacta interpretação da lei.
Estou contigo.
Um abraço.
PS: tenho dicutido com alguns colegas e amigos, que o valor dado ao depoimento do Dudú em outros julgamentos, criou uma convicção de culpabilidade dos réus no caso Albano Silva (deficientemente investigado) já que, este personagem, era igualmente peça chave no julgamento deste caso, cuja investigação tinha descurado (pelo que se depreende da sentença) importantes abordagens que tenderiam a determinar a verdade material.
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