Este é o penúltimo post da série iniciada há algumas semanas. O desafio é o mesmo, partir da realidade angolana e pensarmos como nós, jovens, participamos na política e que contributo podemos dar, na afirmação da nossa cidadania militante, comprometida e consciente.
1.3.1 – Mecanismos de concertação
Para fomentar o diálogo e posições conjuntas não só entre os vários partidos políticos mas também entre as associações juvenis nacionais, a sociedade civil tem vindo a criar mecanismos de concertação, como o Fórum dos Jovens Políticos Angolanos (FJPA). Este organismo reúne na última Sexta-feira de cada mês jovens dos partidos com assento parlamentar em torno de debates sobre o país. Às Quintas-feiras o FJPA conduz ainda o programa radiofónico "Visão Juvenil", que a Rádio Despertar emite entre as 17 e 18 horas.
Este espaço é aberto à discussão entre as várias juventudes partidárias e à audiência, que nele participa por via telefónica. O FJPA foi impulsionado pela USAID e pelo IRI64, este último, responsável também pela promoção do programa radiofónico.
No entanto, o grande espaço de encontro entre as organizações juvenis é o CNJ. Constituído formalmente em 4 de Outubro de 1991 por juventudes partidárias e associações da sociedade civil, o organismo pretende representar os jovens angolanos perante os poderes públicos.
Actualmente é composto por 67 membros, entre os quais 41 organizações juvenis partidárias. O CNJ tem uma história de 17 anos, marcada por 13 anos de presidências consecutivas ligadas de forma directa ou indirecta ao MPLA65, situação que o tornou aos olhos de muitos um órgão partidário, pouco credível e nada democrático.
Formalmente independente de qualquer poder partidário, e consciente das críticas, o actual presidente da CNJ Cláudio Aguiar, assumiu como uma das prioridades do seu mandato "retirar a carga político-partidária" do CNJ. "As organizações juvenis de cariz político-partidário deviam ter a sensatez suficiente para não levar as suas quezílias [ideológicas] para dentro do CNJ", diz, em alusão à cisão de 2003. O seu trabalho passa, assim, por "reforçar as associações de cariz social", e promover "vias alternativas de diálogo – diálogo que faltou em algumas alturas – que ultrapassem o espaço das reuniões formais do CNJ." 66
2. Os Jovens e a Política
2.1 – Consciência política
Com a abertura política de 1992, a consciencialização política dos angolanos em geral, e dos jovens em particular, tem vindo a crescer. No entanto, os níveis ainda são bastante baixos. Esta percepção generalizada encontra eco na visão reduzida ou nula que os jovens têm dos seus direitos políticos enquanto cidadãos. A associação redutora da política à "governação de um país e processo de governação"67 ou a ideia de que "a política não afecta em nada o meu dia-a-dia"68 e que não vale a pena reivindicar porque "isso são opções dos políticos [e] eu não consigo mudar nada"69, acabam por ser mais ou menos transversais a uma grande maioria dos jovens angolanos.
Uma franja da sociedade que, no entanto, é bastante assimétrica e que conta com algumas variantes na sua segmentação: os jovens de Luanda e os do resto do país e, entre estes, os das classes alta, média (que começa agora a surgir) e baixa.
No que toca à divisão geográfica, o interior de Angola, onde "há um grande isolamento e as populações não dispõem de acesso a informações que lhes permitam formar opiniões"70, está a léguas de distância de Luanda em termos de potencial crítico e de liberdade para o desenvolver. Por outro lado, a capital proporciona aos jovens o acesso alargado aos media privados (ao contrário do interior onde os jornais privados praticamente não chegam e as rádios independentes não são ouvidas), a um amplo leque de instituições de ensino público e privado, às associações cívicas e mesmo ao crescente número de cidadãos estrangeiros que trabalham no país, que poderão tornar-se em difusores de outras perspectivas. Estes vectores, no principal centro urbano do país, ajudam a efectivar de alguma forma o "maior espaço de cidadania e participação que surgiu a partir de 1992"71.
Mas se por um lado as condições de que a capital dispõe impulsionaram um crescimento algo significativo do nível de consciência política e cívica dos jovens, por outro existem sérias limitações ao seu desenvolvimento. Nesta cidade de fortes contrastes em termos de distribuição de riqueza, periferia e zona urbanizada marcam as diferenças também ao nível de abertura das mentes.
Nas palavras de Suzana Mendes, nas zonas periféricas os jovens estão mais preocupados em obter emprego, saber o que vão comer, onde vão morar quando tiverem família, não há muito tempo para pensar em política. As pessoas aprenderam a gerir a sua vida de forma particular, e quando pensam que algo deveria mudar, referem-se ao governo enquanto entidade abstracta, não percebem muito bem do que estão a falar72.
Por outro lado, na urbe, onde vive a classe média e abastada, ainda que haja uma maior noção sobre o sistema político, muitas vezes ele não é posto em causa, porque muitos do que aqui se movem beneficiam dele, directa ou indirectamente. As conversas acabam por se restringir a ideias pouco profundas e "sem nenhuma acção consequente"73. "A ligação que as pessoas têm com a política e com as questões sociais são muito imediatistas. Se não têm problemas nas suas vidas, então tudo está bem do ponto de vista político; mas se choveu muito e a cidade ficou inundada, ou se foram assaltadas, então falam nisso, mas de uma forma muito superficial.
Não procuram saber os porquês"74. A explicação desta apatia e desinteresse generalizado tem vários motivos, de entre os quais um sistema de educação que não ajuda a pensar. Mas as raízes profundas desta atitude de indiferença encontramo-las lá atrás, nos anos do partido único (quiçá no período colonial), que ainda hoje influenciam os jovens que o viveram ou que o percepcionaram através da educação que receberam em casa. "Aqui há um ditado que os nossos pais sempre nos ensinaram e que diz 'xé menino, não fala política'", diz "Ricardo Barbosa", numa alusão ao refrão da conhecida música do cantor angolano Waldemar Bastos ("Velha Chica") que nela se refere ao período da luta nacionalista75.
Dezassete anos depois da abertura do sistema à democracia e ao sistema multipartidário, essa consciência permanece, alimentada por episódios pontuais:Há um certo medo em discutir abertamente as questões políticas, porque nunca tivemos uma cultura de manifestação activa depois da independência. Entrámos logo num sistema monopartidário que fechava completamente o pluralismo de expressão e que nos incutia uma educação doutrinária onde as repreensões eram muito fortes. Paralelamente, tivemos várias sementes de medo, como o 27 de Maio, as prisões arbitrárias, e mais recentemente, a morte do Cherokee76, a prisão do Graça Campos77 e a forma como o Miala foi julgado78. Estes acontecimentos simbolizam uma ameaça clara para todos nós79.
Nestes mecanismos de desincentivo da participação política partidária e cívica dos jovens entram duas outras variáveis, também elas herdadas dos tempos do partido único: a noção da inviolabilidade, omnipotência e omnipresença do MPLA e o medo de, ao criticar o sistema vigente, ser-se conotado com a oposição, especialmente a UNITA, e sofrer represálias por isso (as acções de intolerância no interior do país não ajudam a erradicar esta ideia).
O problema é que os próprios políticos, que deviam trazer nos seus discursos a mensagem que essa percepção é coisa do passado, não o fazem. Quando vemos no interior do país actos de intolerância política entre militantes da UNITA e do MPLA, a mensagem que os políticos passam não engloba as questões da reconciliação nacional. Penso que para os dirigentes, quanto mais divididas as pessoas estiverem, melhor, sobretudo nesta fase de eleições. Ajuda-os a perceber exactamente onde são fortes.80
Outra peça entra no tabuleiro da desmotivação política dos jovens. Germano Liberato, que viveu e participou nas grandes mobilizações da OPA81 durante os anos 80, aponta que os moldes em que se verificou a politização obrigatória acabou por, (…) criar em muitas pessoas uma rejeição da política. Os discursos de hoje não mudaram muito, continua o 'Viva!' a que estamos habituados desde os 10, 11 anos. Os jovens não sabem o que é participar politicamente em algo de verdade, porque no fundo acham que é tudo uma farsa82.
Neste caldo de retracções, memórias amargas e percepções mais ou menos reais de restrição das liberdades, os jovens que "realmente visualizam os fenómenos políticos, que se interessam por eles e conseguem explicá-los de forma profunda, são em número muito reduzido"83. Em geral, restringe-se a uma classe média com um grau elevado de escolaridade e que se preocupa de forma desinteressada com o seu país. São estudantes universitários, músicos, artistas de várias áreas, jornalistas, activistas cívicos e também jovens angolanos que viveram alguns anos no exterior onde foram "expostos a sociedades diferentes e verdadeiramente democráticas"84, como Cesaltina Cutaia ou José Gama85.
Dotada de uma elevada capacidade de análise dos sinais sociais, esta pequena franja da juventude angolana acompanha de forma crítica as acções do Estado, o que numa sociedade como a angolana é por si só um desafio ao próprio sistema. Ao fazê-lo, ganham poder enquanto líderes de opinião e contrariam a percepção generalizada (e castradora) de que a participação política é apenas a militância partidária – uma noção também ela herdada do sistema de partido único, onde toda a sociedade civil estava directamente subordinada às estruturas do MPLA.
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