terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O Norte de África e as Profecias Auto-suficientes

Elisio Macamo (In Noticias 22 02 2011)
E CÁ estou eu de novo em missão apologética. É de certeza assim que alguns vão ler este texto. Os eventos que abalam o Norte de África, e que já conduziram à queda de dois líderes autocratas, estão a provocar furor no nosso seio. A pergunta que se coloca é a seguinte: será que isto também vai acontecer entre nós? Essa é a pergunta, mas a intenção subjacente é de saber quando isso vai acontecer entre nós.

Tudo isto é acompanhado por perguntas retóricas em relação à postura intelectual dos que hoje saúdam os egípcios e tunisinos pelo que fizeram, mas ontem apelidaram de “vândalos” os moçambicanos que se fizeram à rua na sequência do aumento de preços de produtos de primeira necessidade. É uma situação tipicamente nossa: maldade na leitura e interpretação dos que defendem pontos de vista diferentes e precipitação na análise de fenómenos.

É bom que eu explique isto bem para não sofrer os mesmos tipos de acusação.

A pergunta de base é simples de responder. Será que o que acontece lá pode acontecer cá? Claro que pode! Vai acontecer? Os videntes que passam por analistas sabem isso melhor do que qualquer um de nós. Pode não acontecer hoje, nem amanhã. Mas se um dia acontecer (e eles terem dito já que vai acontecer) eles sempre vão poder gritar bem alto que disseram, não disseram?

Pode parecer enfadonho, e pouco, mas é preciso repetir um reparo: na análise de fenómenos sociais, políticos e mesmo económicos não é a previsão em si que é mais importante, mas os critérios que são convocados para sustentar essa previsão. Igualmente, na análise do que torna protestos possíveis não é apenas a constatação duma correlação (governo mau, logo, medida má, logo protesto popular) que é importante, mas sim a compreensão profunda de todos os factores intervenientes que podem contribuir localmente para determinados resultados. A insistência doentia com que alguns teimam em ignorar estes reparos torna difícil a contextualização do que está a acontecer no Magrebe.

E inviabiliza também a possibilidade de se aprender do que está a acontecer lá.

BRINCAR COM COISAS SÉRIAS

Um amigo egípcio que recentemente deu uma palestra por aqui a falar sobre o papel do humor nos recentes protestos contou-me que circulam agora SMS naquele país com o seguinte teor: “Sr. Presidente, regresse por favor, estávamos a gozar”. Dá para rir à primeira, mas num segundo momento dá para pensar. E bem. Em quase todo o mundo quando se fala destes tumultos associam-se-lhes o desejo de liberdade e democracia como os verdadeiros objectivos das manifestações. Ao mesmo tempo, supõe-se que a ausência de liberdade e de democracia tenham sido as principais razões que levaram aos levantamentos. Tanto na Tunísia quanto no Egipto os manifestantes falaram de facto da liberdade e democracia. Mas mais do que os manifestantes disseram, é o nosso desejo de tornar inteligível o que é difícil de perceber que está na base da convocação da liberdade e da democracia como quadro explicador destes eventos. A atitude é compreensível, mas arriscada.

O grito de liberdade pode tornar inteligível o que pessoas lá longe estão a fazer – e, inclusivamente, garantir a nossa solidariedade como amantes da liberdade e democracia – mas o que leva as pessoas à rua é muito mais local e, possivelmente, impenetrável ao olhar solidário de longe. Na Tunísia e no Egipto marcharam lado a lado integristas islâmicos, académicos liberais, jovens sem esperança, operários frustrados, vândalos e toda uma outra vasta gama de grupos e particulares. As palavras liberdade e democracia ouvidas ao nível abstracto do discurso público na esfera internacional não cobrem o mesmo campo semântico quando chega o momento de decidir que estrutura vão ter depois de Ben Ali e de Mubarak. O verdadeiro teste de compromisso com os valores que estas duas palavras representam será nesse momento. E só depois deste momento é que nós os outros podemos analisar com utilidade à procura de ilações.

Aqui intervém outro factor importante. O quadro explicador que utilizamos sugere-nos níveis de comparabilidade que são mais produto da nossa imaginação do que da realidade no terreno. Utilizando o anseio pela liberdade e democracia podemos, de facto e facilmente, ser cativos da ilusão de semelhança. Afinal, não é só no Magrebe que se anseia pela liberdade e pela democracia. Noutros cantos de África também. Na verdade, e bem vistas as coisas, mesmo na Europa, América Latina e Ásia, podemos vislumbrar esse anseio. Daí a supor as mesmas motivações, os mesmos meios e os mesmos resultados é apenas um passo, ainda que bastante problemático.

O contexto do Médio Oriente (com a segurança de Israel, com os conflitos entre tradições jurídicas islâmicas diferentes, etc.) torna a situação política dos países do Magrebe muito específica. A sonegação da liberdade e democracia naqueles países é vista também no contexto de um conluio de interesses que compromete seriamente a integridade moral que o Ocidente sempre reclama para si. A ministra dos Negócios Estrangeiros francesa ofereceu ao presidente tunisino, dias antes da sua queda, ajuda em equipamento contra sublevações. Este tipo de hipocrisia dá novo significado à liberdade e democracia que não é de certeza o significado que muitos de nós repetimos por aí em debates eruditos sobre estes acontecimentos. E ainda bem que é assim, pois valores têm interpretação local e só nessas condições é que podem ser úteis. Essa interpretação local torna também problemática a suposição de comparabilidade.

COMPARAÇÕES ÚTEIS

Quando perguntamos se o que acontece no Norte de África pode acontecer entre nós estamos, no fundo, a sugerir que o contexto que envolve o anseio pela liberdade e democracia no Magrebe é o mesmo – ou pode ser visto como sendo o mesmo – que envolve o nosso país. Comparações, para serem úteis, precisam de ter algo central em comum. A questão, neste sentido, é de saber se este anseio pela liberdade e democracia constitui esse elemento central. Não creio.

Tendo em conta o funcionamento do nosso sistema político podemos nos sentir tentados a supor que em Moçambique também haja um déficit de liberdade e de democracia. Ninguém é atirado à prisão e torturado por criticar; é verdade que todo aquele que critica o partido no poder fá-lo em plena consciência dos riscos que isso acarreta para a sua progressão profissional dado o controlo que o partido exerce sobre os principais sectores da nossa economia. Isto, num primeiro momento, torna nobre aquele que mesmo assim assume uma atitude crítica ao mesmo que envergonha aquele que gostaria de criticar, mas não o faz por conveniência pessoal. O sistema jurídico devia ser capaz de dar protecção a estes indivíduos. Em princípio, ele pode potencialmente fazer isto e isso é importante, pois revela que apenas a prática está viciada contra os direitos, mas a intenção é outra. Não vivemos, em Moçambique, numa sociedade controlada por serviços de segurança. A fragilidade das nossas instituições jurídicas torna-nos extremamente vulneráveis aos maus agentes da lei e da ordem. Mas o quadro jurídico dentro do qual eles devem operar protege-nos, como questão de princípio, dessa arbitrariedade.
Isto tem consequências para a comparação. Antes de olhar para duas dessas consequências seria importante voltar a chamar a atenção do leitor para um aspecto igualmente importante. Os defeitos do sistema político moçambicano são os defeitos duma democracia (imperfeita como todas as outras democracias) sob controlo dum partido. Não são os defeitos duma ditadura. O nepotismo, a corrupção e a intransparência grassam também em democracias maduras a partir do momento em que elas caem sob a dominação dum único partido. O remédio contra isso não é uma revolta popular contra o sistema político, mas sim a correcção a partir da exploração consequente de todas as possibilidades que o espírito e a letra da Constituição proporcionam. E mais outro reparo: as condições em que devemos praticar a democracia no nosso país (e em muitos outros países africanos) são um verdadeiro desafio aos próprios princípios democráticos. Uma esmagadora maioria dos que têm direito de voto não contribuem, financeiramente, para sustentar o aparelho institucional que a democracia requer. Recebemos dinheiro de fora para nos governarmos a nós próprios, no mínimo uma contradição. Uma parte significativa do eleitorado vive na pobreza. O que isso significa nestes anos de alta de preços de produtos alimentares a nível mundial é que paira sobre o sistema político uma espada de Dámocles. Nos países mais desenvolvidos as despesas alimentares dos agregados familiares representam cerca de 5 porcento do orçamento familiar. No Norte de África rondam os 15 porcento. Entre nós cada um pode fazer as contas, mas menos de 50 porcento (para os que estão bem) não vai ser. E é neste contexto internacional explosivo que o nosso sistema político tem que funcionar. Não pode adiar a solução dos problemas do povo, pois isso simplesmente comprometeria o próprio sistema (e não os governantes).
Vale a pena insistir sobre este ponto, pois costuma ser descurado nas discussões públicas. Um dos argumentos que aparece com frequência nos debates públicos assume contornos demagógicos. Moçambique é rico em recursos agrícolas, grita-se, como é que não consegue alimentar o seu povo? Temos tanta riqueza mineral, por que não conseguimos viver disso? E coisas do género. Não disponho do conhecimento técnico que me permita avaliar a qualidade das políticas adoptadas pelo Governo a respeito de todas estas coisas. Disponho apenas do bom senso que consiste na ideia de que existe um grande fosso que separa uma ideia brilhante da sua realização. Nesse fosso não estão apenas maus governantes. Estão também outros factores internos (o brio profissional de cada um de nós, o sentido de responsabilidade, iniciativa, etc.) e externos. Estes últimos, sei que poucos gostam de ouvir isto, não podem ser minimizados. A prosperidade da China, Índia e do Brasil não é necessariamente boa notícia para nós, se colocarmos de lado a possibilidade de investimentos vindos desses países. Num primeiro momento aumentaram as classes médias nesses países que estão a consumir mais e, portanto, a contribuir para a alta de preços de produtos alimentares a nível mundial. Não há política agrária interna suficientemente robusta para suster tais golpes a curto e médio prazos. Se na Europa não há os chamados protestos de pão é porque eles têm, com a União Europeia e sua política agrária, um mecanismo robusto de longa data. Não foi construído em poucos anos.
A primeira consequência que a fragilidade do nosso sistema político tem para a comparação é que enquanto na Tunísia e no Egipto se derrubam regimes autocráticos (mais na Tunísia do que no Egipto, pelo menos do ponto de vista formal), em Moçambique, a ocorrer algo semelhante, estaríamos a derrubar um sistema democrático (imperfeito). Pior ainda, estaríamos a revelar falta de confiança na democracia optando pelo grito gasto (e que já nos criou imensos problemas no passado) da vontade das massas.
A segunda consequência é que devido a todo um conjunto de circunstâncias sociais e económicas que se criaram nas sociedades do Magrebe aglutinadores de interesses colectivos (sindicatos e confrarias, por exemplo) existe lá um potencial de enquadramento da insatisfação popular que no nosso país não é evidente. Se calhar isto explica, parcialmente, o civilismo que caracterizou os protestos nesses países ao contrário dos nossos que, até aqui, se caracterizaram mais pelo vandalismo do que pelo protesto no sentido democrático do termo.
Com efeito, o mais deprimente nos tumultos de Setembro passado foi precisamente a ausência destes aglutinadores. Nem os sindicatos, muito menos os partidos políticos de oposição, estiveram presentes. Estes últimos brilharam pela negativa batendo palmas para acções que punham em causa a sua própria existência e legitimidade. Confrangedor foi ler análises de gente que se apresenta como democrata e que não viu nenhum problema na subversão do sistema político que garante, em princípio, a sua própria liberdade. Triste foi procurar em vão uma palavra de consolo para os proprietários de estabelecimentos, viaturas, etc., sacrificados no altar oportunista de quem não percebe o que está em jogo quando se trata de articular insatisfação.
PROFECIAS AUTO-SUFICIENTES
Nada disto quer dizer que o que está a acontecer no Magrebe não possa acontecer entre nós. As pessoas não fazem (nem primeiro vão ler) análises sociológicas da situação antes de agirem. Dada até a fragilidade das nossas instituições constitui um milagre que o nosso país ainda não tenha sido abalado por este tipo de coisas, ou que eles não sejam mais frequentes ainda. Mas aqueles que perguntam retoricamente se isto pode acontecer no nosso país deviam, ao mesmo tempo que esfregam as mãos de antecipação, perguntar-se a si próprios até onde vai o seu próprio compromisso com a democracia.
Na verdade, só quem tem pouca confiança na democracia é que pode ver com esperança o levantamento popular como um recurso legítimo na luta pela melhoria nas condições de vida. Infelizmente, alguns dos nossos melhores analistas em jornais da praça servem-se ainda de terminologia marxista para analisar os fenómenos da realidade social. Essa terminologia, porém, é enformada por uma visão do mundo profundamente anti-democrática de tal maneira que não tem dificuldade em confundir os termos da sua análise com o que seria melhor para o país.
A forte dominação do nosso sistema político pelo partido Frelimo pode levar alguns militantes de partidos de oposição a pensarem que a sua salvação esteja numa revolta popular. Se essa revolta for por eles organizada e canalizada ainda podem alimentar a esperança de vir a controlar o que virá depois. Se não for, então eles precisam de se precaver, pois quando a revolta acontecer eles também serão arrastados. Neste sentido, mais do que perguntar retoricamente se isto pode acontecer no nosso país, todo o democrata convicto do nosso país – sobretudo aqueles que estão na oposição – devia ver o momento como sendo auspicioso para reflectir – e envolver o governo do dia nessa reflexão – sobre o que o país precisa para tornar o seu sistema político ainda mais robusto. Se calhar agora, mais do que nunca na jovem história da nossa experiência democrática, estão reunidas as condições para que os actores políticos invistam ainda mais num sistema político inclusivo que não se mine a si próprio.
O partido no poder tem agora uma oportunidade ímpar de rever a sua interpretação do sentido de liberdade e democracia. Precisa de se interrogar a si próprio até que ponto essa interpretação é consistente com a reprodução dum sistema político democrático. O poder absoluto tem um grande inconveniente. Esse inconveniente não é a possibilidade de se corromper absolutamente (que isso até não precisa de ser mau do ponto de vista de quem beneficia...). É, sim, o perigo sempre presente de ter de assumir responsabilidade absoluta pelo que anda mal. Quando o Governo apela para maior sentido de responsabilidade individual esse apelo só vai ter frutos se na sua interpretação do sentido de liberdade e democracia se apega menos ao poder de modo a criar espaços propícios. Este é o momento de políticos corajosos. Deviam se levantar para serem contados.
Embriagados que estamos pela alegria das celebrações de liberdade e democracia no Norte de África esquecemos que o anseio por estes valores não é novo em África. Teve manifestações diferentes em diferentes momentos da trajectória política do nosso continente e o resultado não foi sempre a liberdade e a democracia. O nosso país constitui exemplo (triste) disto. A luta que se travou pela independência foi também em nome da liberdade e (um certo entendimento de) democracia. Deu no que deu e ainda reclamou mais sacrifício humano durante 16 longos anos. No Zimbabwe a interpretação local de liberdade e democracia está a dar o que está a dar. Na Costa do Marfim, na Libéria, na Serra Leoa, no Ruanda, no Congo, enfim, um pouco por todo o lado. No Egipto e na Tunísia ainda não sabemos para onde é que as coisas caminham. Aqui também os analistas da praxe confundem aspirações pessoais com realidade.
De tal maneira que a verdadeira lição que podemos aprender do que está a acontecer no Magrebe é dolorosamente simples: vamos acordar um dia e constatarmos que estamos a ser governados por Mullahs ou vândalos irados de “Xikhelene”? Não vejo absolutamente nenhuma razão para supor que o único desfecho da luta pela liberdade e democracia seja a liberdade e democracia. E de tanto querermos que a história se repita ela pode se repetir. Afinal, não é com base em análises sociológicas que as pessoas agem.
ELISIO MACAMO (colaboração)









16 comentários:

Jorge Saiete disse...

"só quem tem pouca confiança na democracia é que pode ver com esperança o levantamento popular como um recurso legítimo na luta pela melhoria nas condições de vida"

Professor, o problema está mesmo na falta de confiança na democracia ou seja, falta de confiança nos moldes como ela é "feita" entre nós.
Precisamos como país aproveitarmos este momento para reflectirmos e juntos encontrarmos mecanismos de tornar a nossa democracia mais democratica. a nossa democracia nao deve estar apenas no papel, deve tambem ser uma pratica e portanto experimentada ou vivida por todos nós.

nao podemos continuar a nos chamar de democratas quando nao vivemos e nem aceitamos os valores da democracia. No dia que pormos em pratica a verdadedeira inclusao, adoptarmos a verdadeira transparencia, combatermos a corrupcao, adotarmos mecanismos que nos ajudem a redistribuir melhor a "pouca" riqueza (o professor sabia que para se ter 15/30m de terra para erguer uma palhota na Matola e maputo, a pessoa deve pagar uma fortuna que vai até os 65 mil meticais?) de que dispomos, acredito que todo mundo vai acreditar na democracia.
abraço professor

Anônimo disse...

Caro Saiete/Caro Professor Macamo, há 35 anos atrás, nós tentamos implementar o socialismo aqui. diferentemente do socialismo na Europa, que basicamente socializou meios de produção, o nosso socialismo socializou serviços (incluindo os terrenos de que fala o Saiete). É obvio que não podia funcionar. Bloqueou.
Agora queremos implementar a democracia capitalista. Mas como muito bem diz o Elísio, a grande maioria das pessoas que votam não contribuem para a sustentabilidade do Estado. Pelo contrário, EXIGEM BASTANTE. É obvio que denovo vamos bloquear. As coisas não hão-de funcionar. Não há democracia que se aguente nestas circunstancias.
Fica claro que o problema dos nossos países não é de socialismo nem de capitalismo. O nosso desafio histórico é de desenvolvimento. E alguns países parece terem entendido isto (lembro-me agora da China e do Vietname). Abandonaram toda a retórica ideológica e avançaram para acções pragmaticas rumo ao desenvolvimento. Daqui ha alguns anos poderão voltar para a retórica sobre democracia, socialismo, direitos humanos e quejandos. Quando tiverem vencido a batalha pelo seu desenvolvimento.
Desculpem-me, ando um pouco pessimista.
Viriato Tembe

V. Dias disse...

Viriato Tembe existe?

Pode fazer uma visita no Reflectindo?

O que acha da 'sarna' Tunisia, Egipto, Libia?

Eu não avisei, se não, aviso agora, se a Libia cair, o regime da Frelimo vai junto. Aí meus irmaos, o bife vai acabar.

Zicomo

V. Dias disse...

Ah!!!

O texto do Macamo é excelente. Sempre em forma Macamo. Parabéns.

Zicomo

Anônimo disse...

Viriato Diasd
O texto de Elísio é um verdadeiro exercício intelectual. Convida, por isso à reflexão. Comentar bum texto assim é um imperativo para quem se btopar vcom ele.
Quando eu encontrar uma matéria que valha a pena no Reflectindo hei-de comentar. Não o faço por obrigação, amigo Dias.
Viriato Tembe

PS Gostaria de ver, nas vossas análises caro Dias, para além da satisfação resultante da caída de governos na África do Norte, uma reflexão sobre o que vocês acham que vai acontecer a seguir naquela região: democracia? teocracia islamica? anarquia como na Somália Iraque e Afeganistão? O que é que vos enche de alegria e contentamento, para além da caída de regimes? têm a certeza de que, naqueles países, vão surgir florescentes democracias após estas revoltas?
Viriato Tembe

V. Dias disse...

Viriato Tembe coloca perguntas bestiais.

Estou aqui a coçar a cabeça, logo que tiver pensado deixo achegas.

Xii, se estivesse numa prova não teria podido responder em 1h. Mas, como tenho de responder de qualquer jeito, pergunto ao xará, enquanto penso na longa resposta: regime certo é de quem manda regar o seu próprio povo de balas? É de quem vive com biliões de dólares no quarto quando o seu próprio povo morre à fome?

Zicomo

Julio Mutisse disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Julio Mutisse disse...

Viriato, O Tembe, creio que estamos a ir depressa demais com muitas coisas. No nosso típico problema de participação cidadã não pensamos na nossa acção e responsabilidade na consolidação de muitas coisas. De facto, a mudança do paradigma socialista que aplicamos nos primeiros anos de independência traz consigo muitos desafios. Alias, me parece que em algum momento aplaudimos uma economia de mercado que todos queremos que funcione nos moldes comuna-socialistas anteriores: com um Estado papá que dá tudo e quando procura ordenar fazemos birra etc. Difícil. Continuamos bloqueados na teia mais intensa que todos vamos tecendo enquanto continuamos habitantes simples e não cidadaos.
Vou fazer como o Viriato Dias e vou pensar nas questoes que colocas na sua segunda entrada.
Viriato DIAS, vou visitar meu amigo Reflectindo. Sugiro que AQUI discutamos o texto do Elísio e, ao discuti-lo tirarmos para fora o que achamos de nós hoje, ontem e amanhã.

Julio Mutisse disse...

Jorge, tenho me perguntado muitas vezes e acho que em algum momento já discutimos isto algures: quando falamos na “falta de confiança” nos moldes como a democracia é "feita" entre nós, estamos a reconhecer que estamos num processo de aprendizagem. Certo? Que (sendo essa a intenção) estamos longe do modelo e do estágio ocidental da democracia. Certo?
Me pergunto também, se temos que conceber a democracia nos moldes em que o ocidente a concebe ou se, antes pelo contrário, devemos adaptar o ideal de democracia a nossa própria realidade de modo a que o conceito seja, verdadeiramente funcional.

Mesmo os países ocidentais, cada um adoptou um modelo que funciona em cada pais. A Itália tem seu próprio modelo que, quanto a mim, propicia a instabilidade (admira-me a longevidade do Governo de Berlusconi), os EUA têm o seu com predominância de dois partidos (nós com mais de 40 podíamos ser vistos como campeões da representatividade democrática?!!!!), Portugal e Espanha os seus etc. Cada um destes países e outros quando falam de democracia têm os seus próprios modelos, conceitos e práticas… não seria tempo de nós, enquanto povo, pararmos num exercício cidadão e pensarmos no que estamos a dizer quando falamos de Democracia? Não seriam de aproveitar os espaços abertos para irmos discutindo que tipo de representatividade democrática queremos?

Acho que se não fizermos isso correremos o risco de nos alegrarmos com a multiplicação de partidos políticos sem que isso represente, de facto, uma verdadeira contribuição democrática. Que modelo democrático de “confiança” é que nós moçambicanos devemos adoptar?

Faço estas perguntas na crença de que sobriamente podemos pensar num modelo que nos sirva.

Faço estas perguntas sem desmerecer quem aplaude os acontecimentos do Norte de áfrica mas com o desejo sincero de que, como povo, ao embarcarmos em qualquer acção tendente a qualquer que seja a mudança, tenhamos bem assente o que queremos e as alternativas que, a cada momento, se colocam.

Abdul Karim disse...

"Faço estas perguntas sem desmerecer quem aplaude os acontecimentos do Norte de áfrica mas com o desejo sincero de que, como povo, ao embarcarmos em qualquer acção tendente a qualquer que seja a mudança, tenhamos bem assente o que queremos e as alternativas que, a cada momento, se colocam."

Muito Bem, Mutisse,

Gostei Mesmo,

O unico senao 'e mesmo pensar que nao sabemos o que queremos, e ao entrarmos numa de nao sabemos o que queremos, avancamos pra uma situacao de disconsideracao da necessidade de Inclusao ou o fim da exclusao social, economica e politica,

A democracia que todos queremos, e que ja foi diversas vezes manifestada por varios actores de estratos sociais, policos e economicos diferntes 'e de uma Democracia Multipartidaria Inclusiva, ou nao ?

"Democracia Multipartidaria Inclusva" 'e termo novo, mas nao encontrei outro pra discrever o que tem estado a ser pedido ha bastante tempo, por muita gente, incluindo no texto do Elisio,

Por outro lado, temos vindo a assistir a tentativa de decalcar modelos russos, coreanos, chineses, portugueses, angolanos, na nossa AR, ( tal como decalcamos o "Bolonha" com resultados visiveis na qualidade de ensino superior )enquanto que se deveria perguntar a todos representantes do Povo na AR, como tu o fazer aqui, directamente e com muita honestidade, ou seja colocar na AR, a pergunta: que tipo de democracia queremos ? e considerar a resposta da Oposicao la presente, se possivel.

A Mudanca esta acontecer, e temos que saber geri-la de forma mais Harmoniosa possivel,

Unidos, Juntos, Inclusos, ninguem nos vence, podes ter a certeza.

Anônimo disse...

Caro Xará, ouvi a RTP a dizer que os números de mortos que circulam nos órgãos de comunicação social eram falsos. A mesma estação colocou o Embaixador portugues em Tripoli a dizer que não tinha havido nenhum bombardeamento aéreo sobre Tripoli. Nem se tinam usado armas pesadas.

Houve manifestações multidinárias de apoio a Gadaffi em Tripoli. Os órgãos de comunicaçào social não dizem isso.

É evidente que o melhor governo não é aquele que assa o seu povo. Mas eu devolvo-te algumas perguntas: qual é a Somálias que preferes, a actual ou a de Siad Barre? qual é o Iraque em que preferirias viver, o actual ou o de Saddam Hussein? O que é que um governante faz perante uma revolta de umas milhares de pessoas que exigem a sua saída? Foge para o estrangeiro aos primeiros gritos da multidão ou procura restabelecer a ordem?

Há outra coisa que as agéncias internacionais não dizem: os manifestantes anti-Gadaffi estão armados. mataram alguns agentes da lei e ordem. Como é que um governo procede perante uma revolta armada? Foge aos primeiros tiros?

Por último, amigo Viriato, os líbios vivem em relativo bem estar económico. Os rendimentos do petróleo chegam praticamente a cada Líbio. A situação social na Líbia é diferente da situação social na Tunísia e no Egipto. Vários analistas coincidem em que aquela revolta não se deve à pobreza. Provavelmente seja a propósito da famosa democracia. Gaddafi não é o corrupto egoista como se costuma encontrar por aí.

E, depois, o preço mundial do petróleo vai atingir os 200 dólares, segundo as análises mais pessimistas. Espero que continuemos a aplaudir nas próximas semanas/próximos meses.

Viriato Tembe

Anônimo disse...

Nunca tinha pensado na forma como Viriato Tembe vê/viu o socialismo moçambicano. Como não tinha herdades agrícolas produtivas para socializar, como não tinha indústria para socializar, como não tinha minas produtivas e lucrativas para nacionalizar, o socialismo moçambicano limitou-se a socializar serviços de saúde, serviços de educação, serviços de habitação e outras coisas que não criam directamente riqueza. Pelo contrário, as coisas que o socialismo moçambicano socializou geravam despesas impossível de cobrir. Ve-se que não podia ter sucesso. Tarde ou cedo tinha que quebrar

V. Dias disse...

Caro Tembe,

Ainda estou a fermentar as ideias, como um bom vinho - leva tempo, mas logo que estiver pronto a preparação, para aqui voltarei.

Nem que leve meses, gosto de trabalhar à sério um paper, perceber e tirar as devidas ilações.

É o caso deste paper de Macamo (ultrapassa a dimensão de um simples texto, apenas). Recuar não é fugir.

Agora amigo xará, fazer-me escolher entre dois regimes bárbaros, crueis, é preciso que antes eu seja adepto desses sistema. Não me podes obrigar a escolher aquilo que não gosto. Para se gostar é preciso querer.

Eu não fico nem com actual nem com a antiga Somália. Fico com uma Somália DIFERENTE. E isso cabe os somalianos decidir. A questão na Líbia é a mesma coisa. Não basta dar de comer um povo, é preciso que esses povos sintam os seus direitos.

Outra questão: porque é que não se faz a vontade do povo. Quem se recusa a obedecer a vontade do povo, que nome é que devemos dar? Democrata? Ditador?

Leia o seguinte trecho:

"Se você colocasse um peixe e seus antepassados na frigideira em fervura e tirar um deles antes de morrer, e perguntá-lo depois sobre a duração do sofrimento, poderia informar-te que durou mil anos, afinal o que se conta é a duração do sofrimento ou a sua dor?"

Zicomo

Elísio Macamo disse...

caros amigos,
obrigado júlio pela publicação do texto. acho a discussão interessante. noto uma tendência para a diferenciação, o que é sempre bom na análise deste tipo de coisas. vou apenas responder ao comentário do jorge saiete que me interpelou directamente. a falta de confiança na democracia tem a sua razão de ser na forma como ela é preticada entre nós. porque a democracia é praticada desta maneira entre nós tem várias respostas. não creio que todas elas conduzam simplesmente ao sentido anti-democrático dos nossos governantes. quiz sublinhar apenas um aspecto ao duvidar do compromisso com a democracia de certas pessoas que acham que o nosso país também precisaria deste tipo de sublevação. esse aspecto é do papel de cada um de nós na garantia do sucesso da democracia. será que já esgotamos tudo o que o quadro democrático nos proporciona para garantir que a democracia funcione? acho que não e isso não é só culpa dos governantes. é nossa culpa, nosso comodismo, oportunismo, etc. quantos juristas que reclamam corrupção já tiveram a ideia de se juntarem, formarem uma associação pela integridade e isolar aqueles que consideram corruptos? quantos empresários já se juntaram para criar um códico ético que isola aqueles que minam o ambiente de negócios? quantos partidos de oposição já procuraram alianças com este ou aquele sector da população para organizar protestos (que são meios legítimos numa democracia) contra medidas governamentais? a democracia não depende apenas dos governantes. depende daquilo que cada um de nós está preparado para fazer para que ela funcione. depositar toda a confiança em levantamentos populares que nenhum de nós vai ser capaz de controlar é a pior receita. se nos países ditos democratas a democracia dependesse apenas dos seus governantes, não restaria nenhum para contar a história.
preocupa-me muito a rapidez com que queremos jogar fora uma coisa cujo potencial ainda não exploramos.
abraços

Anônimo disse...

Caro Viriato, sempre essa tendência maniqueista na análise dos fenómenos sociais. Os bons e os maus. Kadafi é mau, deve ser derrubado! Proclama Viriato Dias. Os revoltosos (que andam a matar negros também) são bons, porque querem derrubar Kadafi! Conclui Viriato Dias.

Qual é o projecto político dos revoltosos que varreram regimes minimamente estáveis na Tunísia, Egipto e, agora, na Líbia? Nenhum de nós sabe, mas Viriato Dias acha que é a democracia. Democracia praticada por integristas que reclamam a adopção da Sharia na condução dos negócios da nação (com as suas lapidações, como temos visto no Irão e no Sudão)? Isso se vê depois, diz confiadamente Viriato Dias. O mais importante é derrubar os maus dos Mubaraks, Ben Ali e Kadafi.

Para teu consolo, caro Viriato, posso te dizer que eu também não gosto de Kadafi (particularmente deste). Acho-o megalómano e psicopata. Mas gostaria que me dissessem o que vem depois deste déspota megalómano? Um caos semelhante à da Somália? Um morticínio diário como o do Iraque? É evidente que se o que vais substituir Kadafi for a anarquia, o caos e o morticínio, eu preferia este déspota. Mais ainda se considerarmos que o caos na Líbia vai ser pago por todos nós, na forma de uma factura mais pesada de combustível.

Viriato Tembe

V. Dias disse...

Viriato Tembe, meu caro!

Faz-me rir o xará. Agora vem dizer que não gosta de Kadhafi. Eu até compreendo porque, sabe! Os jornalistas e não só estão a apresentar as provas da crueldade deste senhor.

E eu não tenho a menor dúvida de que é um império cuja réplica existe no nosso país. O papo da riqueza por via da criação de patos, do nosso querido presidente, ainda não foi devidamente explicada.

Eu e a minha família, aqui em Bruxelas, tentamos levar avante o negócio de criação de patos, mas nada. Não deu um único tostão de lucro. Magia, não é?

Voltando à meada. Caro amigo, entre um regime mau, hediondo e bárbaro (tiranete) e um que não se conhece, não se sabe qual será, (aqui está o teu medo!!!) é melhor escolher um sistema justo, que não mate o seu próprio povo.

Porque é que há este vírus entre os nossos sábios em associar estas manifestações no mundo árabe com a provável ditadura na Somália? Por acaso a queda de Siad Barre, na Somália, teve os mesmo desígnios que a queda de Kadhafi, Mubarak, Ben Ali?

Chamuale, estes regimes não servem para nada. Já te disse aqui, anteriormente, que não há hipótese de haver um sistema tipo Somália no Norte de África, justamente porque os povos estão abertos, mais formados e vigiados. Atentos do que nunca.

Zicomo

PS: Amigo xará, quando vê as imagens pela televisão não sente ver aquela gente a ser massacrada por esses regimes? Chamuale, os tempos são outros, FUNGULAMASSO, pá.