Azias
Júlio S. Mutisse
Nos meus últimos textos de opinião tenho me referido com insistência à
necessidade de deixarmos de lado a forma acrítica como abordamos determinadas
matérias isto, claro, se nas nossas opiniões tivermos em vista produzir ideias
tendentes ao melhor para este país.
O Professor Lourenço do Rosário referiu numa entrevista recente ao jornal o
País edição fim de semana há alguns meses que “somos muito horizontais na abordagem das
coisas, não somos capazes de ver as várias nuances de um mesmo problema.”
Acrescentou ainda que as pessoas “ouvem um determinado discurso; lêem uma
determinada matéria; ou vêem um determinado acontecimento e apreendem como um todo.
Não são capazes de partir isto e tentar analisar o quê compõe este todo e
interpretar cada uma das partes, que é uma atitude normal para uma postura
daqueles que querem ser analistas.” Não podia estar mais certo o Professor do
Rosário nessa entrevista. Colocamo-nos
sempre em extremos e, não poucas vezes, as nossas teses são baseadas num senso comum
de tal forma superficial que chega a bradar aos céus.
Sobre a nossa postura no debate público de ideias o Professor
Elísio Macamo já havia sugerido a necessidade de “identificar uma plataforma
comum de discussão que não elimine as naturais diferenças de opinião que
existem, nem as legítimas sensibilidades políticas que enformam essas
diferenças.” Entendo que quando identificarmos essa plataforma, as ideias do
outro não terão validade apenas porque enunciadas por quem leu os mesmos
livros, viu os mesmos filmes e/ou porque senta na mesma sala em reuniões
políticas; serão válidas por aquilo que encerram. Quando identificarmos essa
plataforma, valorizaremos, de facto, a diversidade sem procurarmos
entricheirarmo-nos em pros e contras qualquer coisa. Quando identificarmos esse
espaço saberemos reconhecer éxitos e criticar o que vai mal independentemente
de pertencermos ao mesmo clube ou partido político.
Reza a história que a Constituição da República de 1990 foi dos marcos mais
importantes da viragem até ao estágio em que no encontramos de profunda
abertura politico democrática, económica e social. Foi a partir daí que ficaram
consagradas, por exemplo, as liberdades de opinião, expressão de imprensa etc
que, inclusive, propiciaram o conglomerado de jornais, revistas e outros meios
que hoje veiculam informação. São coisas aplaudidas, que todos gostamos de
gozar e usufruir. Não tenho dúvidas que o país, quando comparado com muitos, e
mesmo com o período anterior ao advento da constituição de 1990, é um exemplo no
que tange às liberdades de imprensa, expressão e/ou opinião. Mesmo aqueles que
negam estes princípios, de alguma forma, se beneficiam deles. Usam-nos.
Interpelam, difundem e exprimem as suas ideias sem “algemas nas palavras”
usando emprestadas as palavras de alguém.
Recentemente, por exemplo, o filósofo moçambicano Severino Ngoenya,
homem de respeitável e reconhecida ossatura intelectual, foi citado pelo Jornal
o País como tendo dito que o país está “muito longe de atingir a verdadeira
independência nacional, por ainda não se exercerem efectivamente as liberdades
de expressão, pensamento, informação, entre outras, que estão previstas na
legislação nacional.” Infelizmente alegou e não demonstrou por factos (pelo
menos o artigo publicado é omisso quanto ao assunto) o que, para mim, soou como
o filosofar sobre o material sem dar exemplos. A emissão da sua opinião no
sentido acima referido, reportada por um jornal pertença de em empresa privada,
contraria essa mesma opinião; está em contradição consigo mesmo, algo
logicamente inaceitável. Ironicamente
é esta abertura política propiciada pela nossa independência e pelas leis que
adoptamos que permitiu o surgimento de jornais privados e de todos os espaços
onde conscientemente muitos de nós emitimos opinião sobre os mais diversos
assuntos nacionais e internacionais.
Mas não são só estas negações contraditórias deste género que me preocupam.
Me preocupa uma certa azia que se abate sobre muitos que assumem que ter
sentido crítico é dizer tudo contra o Governo do dia ou que, ser politicamente
correcto, é dizer tudo pro esse mesmo Governo. Gente que faz de uma ou outra
situação uma fonte de credibilidade. Estranha forma de estar num país que precisa
de todas as mentes a pensar o país que queremos ser, dentro da tal plataforma comum de discussão que não
elimine as naturais diferenças de opinião que existem, nem as legítimas
sensibilidades políticas que enformam essas diferenças.
Cabe aqui uma referência à sobreba de alguns opinion
makers nacionais, alguns dos quais travestidos de jornalistas e outros de
“académicos” que dizem
quase toda a barbaridade para um povo que não pode reagir senão bater
palmas não pelo coerência do discurso, mas pelo grau de redundância e aparência
da lógica. É nesta saga de busca de aplausos que muitos dos comentadores e/ou
“académicos” que temos encontram um jornalista(?) apático e meramente
perguntador acrítico, incapaz de aprofundar qualquer assunto porque igual ao
entrevistado ou completamente a leste de qualquer preparo, de qualquer ciência
que lhe permita, mais do que perguntar, entrevistar e produzir saber,
conhecimento, ciência e informação.
Disse Egídio Vaz num comentário algures: “ há uma coisa que o PR diz
sempre: auto estima. Só que só autoestima-se quem sabe. Portanto, sabe quem tem
conhecimento. O conhecimento é uma relação entre o objecto e a ideia sobre ele.
Muitos lêem ou consomem informação externa ou mesmo interna. Mas poucos são os
que dela produzem conhecimento. Para comentar ou acreditar em algo é preciso
algum conhecimento sobre o objecto. E esse não é acessível a todos. Perdoa-os."
Infelizmente é difícil assobiar para o ar e fingir que nada está a
acontecer.
É que, muitas vezes, na tal horizontalidade ou no extremismo referidos pelo professor do
Rosário, muitos estacionam no simplismo analítico e se recusam o aprofundamento
de qualquer ideia que defendam em público. Alguns deixam se ultrapassar pela
realidade que insiste em demonstrar que, às teorias, é necessária uma dose
adequada de adaptação à realidade. Assumir esta realidade poderia ajudar alguns
a relativizarem as críticas e as verdades absolutas que debitam nos comentários
que fazem. Ajudaria, por exemplo, o comentador Regendra a reconhecer que, por
mais bom gestor que se possa ser, e das melhores decisões que se possam tomar,
há factores que fogem, de alguma forma, do nosso controlo com influência
directa nas nossas actividades. Poderia ver isso a partir de uma empresa e
projectar de certa forma para um nível mais global como a gestão de um país.
Esta forma de estar no debate público de ideias é eminentemente perigosa à
sociedade, à esfera pública e ao país real que é "onde se forma a opinião
pública" como disse alguém pois, muitos, incapazes de olhar o país, a
região, o continente e o mundo com profundidade, recorrem a argumentos fáceis e sugestivos com aparência de análise
profunda. A sua incapacidade e limitação impede-os de olhar para além do
superficial ou do que um qualquer “guro” “credível” alguma vez disse; o
palavreado difícil e a referência constante a relatórios e ao mesmo autor de
que, em muitos casos, não se leu mais nada para além da capa leva os incautos a
acreditarem na douta sabedoria do nosso opinion maker improvisado a quem
falta alguma humildade em reconhecer a sua ignorância sobre determinadas
matérias. Falta também o sentido de responsabilidade de que as suas palavras,
com aparência de argumento válido, podem se tornar mais letais que um médico
despreparado, porque o grosso do povo não pode e não tem como fazer
interpretações correctivas do discurso destes. O povo, não poucas vezes,
acredita na autoridade e na verdade evangelizada pelos insuspeitos “doutores” e
não se predispõe a ver que os argumentos
que aqueles usam, só são realizáveis apenas no plano das ideias muitas vezes
descontextualizadas de toda a realidade circundante.
O país tem muitos desafios a que todos devemos estar focados. Não podemos
ficar atados a teorias desencontradas da realidade nem a diabolização do outro
com argumentos descontextualizados e perdidos do país real de onde se deve
formar a opinião.
Para frente é o caminho.
3 comentários:
Mutisse, o inconfundivel e único que saiu da boca do elefante... hehehe. irmão, li o texto gostei. porém, o considero ligeiramente longo e até certo ponto impreciso. Mais, acho que esqueceu-se da queles que não estão num nem no outro lado, com a destruição dos murros que começo no Berlim vão ficar sem chão...
Chacate Makwero, o mais importante nao eh estar num ou noutro lado. O importante eh estar e ser util ao pais para o qual devemos sempre contribuir com ideias para o seu crescimento, quer essas ideias coincidam ou nao com o Governo do dia, quer coincidam ou nao com o nosso partido de eleicao. O perigoso para alem de estar pouco se lixando para o pais e para a forma como ele eh gerido, eh termos que, permanentemente, se do contra porque convem. Acho essa postura perigosa.
Ya, concordo brother, foi só uma provocação para lhe lembrar dos que mia couto chama "Os faz de contas ou Os talvez" quer dizer, nunca sabemos qual é a posição intelectual da pessoa mesmo diante de teorias e factos! Agora, onde não concordo mesmo é que a pessoa tenha comprado uma obra apenas para citar acapa ou enfeitar o estante da sua sala como diz B.Mazula. Isso é inconcebível. o que é possível é a leitura não ter sido aprofundada, diagonal etc...aquele abraço.
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