terça-feira, 3 de março de 2009

Em Reflexão (2) - O Que Nos Falta?

O texto anterior com o título Em Reflexão suscitou um debate interessante, onde se levantaram determinadas questões que, no meu entender, urge reflectir sobre elas e debatê-las com o intuito de melhorarmos o diálogo permanente que tem que ser criado entre quem governa e aqueles que são governados.

O Professor Elísio Macamo, no seu estilo característico, interpelou me referindo que uma dificuldade evidente na postura que legitimamente reclamo, "reside no facto de que muitas vezes não está clara a posição a partir da qual interpelamos o exercício do poder."

Segundo ainda o Dr. Macamo, "esta falta de clareza pode comprometer o que de útil temos a dizer. Por exemplo, numa perspectiva académica precisaríamos de identificar o que está em questão e trazer isso à atenção de todos os outros que se interessam por esse tipo de discussão. Numa perspectiva activista podemos simplesmente estar interessados em propôr outras maneiras de fazer as coisas. Esta atitude, infelizmente, tem sido frequente e não ajuda, pois na maior parte das vezes não revela compreensão adequada do problema. Há também a necessidade de ver como grupos profissionais directamente afectados por coisas devem reagir ou posicionar-se."

O Dr Macamo concluiu escrevendo que "a sociedade é coisa tão diversa que a nossa crítica pode pecar por homogeinizar demasiado. no fundo, contudo, o desafio é de cidadania e aí concordo contigo e com os outros comentários aqui publicados."

Esta interpelação levou me a reflectir sobre os desafios que se nos colocam no diálogo que devemos empreender permanentemente com quem nos governa como cidadãos que somos. Como ele se processa? Como pode se efectivar? Que mecanismos devem ser criados? Como interpelar o poder? Que papel e postura devem assumir as organizações profissionais, sindicais, estudantis, juvenis etc neste diálogo.

Não construi uma resposta acabada (por isso trago o tema de volta) mas, essencialmente, acho que a questão fundamental aqui em Moçambique como em outros cantos do mundo, é a falta de mecanismos reais e efectivos de comunicação entre governantes e governados para além da simples difusão de comunicados de imprensa preparadas para o consumo público. Faltam ou escasseiam canais efectivos de ligação entre nós enquanto cidadãos e aqueles a quem mandatamos que nos governem.

Estes canais não se criam por Decreto, resultam de processos históricos que ajudam a criar e manter mecanismos efectivos de responsabilização. Estes mecanismos para mim consistiriam numa estruturação da sociedade (a dita sociedade civil) numa diversidade de organizações verdadeiramente autónomas e dinámicas que efectivamente interacjam entre si e estejam em permanente contacto, concertação e negociação entre si e com o Governo.

Entrariam aqui, associações empresariais, associações profissionais, associações juvenis (as juventudes partidárias por exemplo, o CNJ, e outras) sindicatos, partidos políticos (sérios e responsáveis), clubes, associações locais a nível dos bairros etc. Se estes mecanismos forem criados e efectivados, a comunicação vai fluir e nisso ganharemos todos.

É que, para mim, um Governo que efectivamente se preste a responder perante o parlamento e perante sectores devidamente estruturados da sociedade, obriga-se a estar devidamente preparado para atender às pressões que possam sair ou daí possam advir e, ao mesmo tempo, cria em nós enquanto cidadãos e membros de algo organizado, a exigência de nos organizarmos cada vez mais e a estarmos informados com responsabilidade de modo a dialogar com o Governo. Sublinho DIALOGAR e não fazer exigências como, me parece, é a tendência das ditas organizações existentes de momento.

No mesmo diapasão parece que alinha o Agry. Comentando ele referiu que "A ausência de vigilância é um primeiro convite à arbitrariedade e ao autoritarismo. As regras do jogo, exercidas numa democracia (ainda que meramente formal) têm de ser observadas por todos os intervenientes, o que exige uma luta permanente e sem tréguas. O aperfeiçoamento de mecanismos (Partidos, sindicatos, sociedade civil) é um processo longo e precário. A imutabilidade é um conceito pouco científico. O que a experiência nos diz, é que a “resistência” espontânea, sem organização, voluntarista desemboca no caos."

Será só isso, um sistema de diálogo que nos falta? Que devemos fazer para tornar clara a posição a partir da qual interpelamos o exercício do poder?

Aproveitando as interpelações do Nelson e do José no primeiro Em Reflexão que postura devem ter os "outros quadros" convidados para as sessões do Conselho de Ministros alargados a outros? Que papel devem estes jogar neste quadro de diálogo que pretendemos que se crie? De onde devem sair estes "outros quadros" para os objectivos preconizados nesses encontros?

5 comentários:

Anônimo disse...

Em primeiro lugar queria recordar que estou numa espécie de período sabático. O blogue, Navegador Solidário, está surdo-mudo.Era suposto que o seu autor estivesse, nesta altura, bem distante da Web mas... nem sempre nos é permitido fazermos o que nos propomos.
Mutisse, recordo o último parágrafo: “reflexões superficiais de quem defende a participação de todos na construção de sociedades justas”.
Aqui, está implícito o carácter generalista do meu comentário. Produzindo-o, vesti a toga de advogado do diabo.
Pretendi, tão-somente, recordar posturas da vida e dos jogos políticos, em todas as latitudes.Não há, na minha opinião, democracia africana e democracia asiática, ditaduras ferozes e ditaduras assim, assim. Não é a cor das lentes que modifica a realidade objectiva.Ela está lá e é independente do observador.
Com isto, quis recordar que,apesar do seu carácter generalista ,o comentário surge, por um lado, a corroborar o seu convite à reflexão e, por outro, sugerir caminhos já experimentados (por muitos) os quais, na minha opinião, devem ser tidos em conta.Não devemos ser míopes perante a experiência acumulada. A experiência politica em Moçambique já abandonou a infância, seguramente.
Um governo, qualquer governo, no quadro de uma democracia (ainda que formal, insisto) não pode envolver-se em
práticas autoritárias com risco de perder a legitimidade que lhe foi conferida pelo voto dos cidadãos.
Se optarmos pela via rígida do formalismo burocrático e nos deixarmos enredar por concepções demasiadamente legalistas, o divórcio entre os cidadãos e o Poder será inevitável.As estruturas representatativas como a Assembleia, por exemplo, não se destinam a substituir e a silenciar os cidadãos. Cabe a estes ( ou a ambos), encontrar formas que permitam conciliar o direito legitimo à mais ampla participação de todos e o normal funcionamento das instituições do Estado de direito.
A concepção que eu tenho de democracia não se esgota em actos eleitorais. Isto é demasiadamente redutor e elitista
Termino na convicção que por aqui irão desfilar outras opiniões, outras experiências,respondendo assim, ao convite
do autor deste blogue.
Gostei de passar por aqui, regresso à situação de surdo-mudo
Abraço

Anônimo disse...

Desafio estimulante este de pensar a nossa participação enquanto cidadãos no processo político e democrático Nacional. às questões que colocas há outras que podem ser acrescentadas, há interesse dos actuais governantes em ouvir grupos organizados fora do controlo partidário? a arogância de ser um partido dominador (com risco de se acentuar nas próximas eleições) não é um entrave para se abrir a estes debates.
Espero que os tais outros quadros chamados ao CM alargado tenham tido uma postura diversa a dos editores dos jornais moçambicanos num almoço com o Pr semana passada. é que ao que me contam ao invés de criticá-lo olhos nos olhos, dizerem as suas ideias, o que pensam estar a andar mal como o fazem acobardados no "anonimato" do jornais que editam, ficaram-se pelo simples "está tudo bem excelência" e depois criticam o pobre homem quando diz que o estado da nação é bom.

PC Mapengo disse...

“Será só isso, um sistema de diálogo que nos falta?”

Não é apenas um sistema de diálogo que falta, mas instituindo este já é um bom ponto de partida para uma contribuição válida na construção de uma sociedade. Mas também não precisamos de “um diálogo de diplomatas” onde só se diz o que agrada aos ouvidos.
As democracias africanas – Agry rejeita a ideia de democracia africana, europeia ou asiática, mas não podemos negar que apesar de se reger pelas mesmas regras e ter características comuns, elas têm suas especificidades. Dizia que muitas das democracias africanas, talvez pelas origens ditatoriais que caracterizaram as suas políticas antes da colonização, concretamente na era dos reis, e depois da independência com o monopartidarismo onde os “Será só isso, um sistema de diálogo que nos falta?”

Não é apenas um sistema de diálogo que falta, mas instituindo este já é um bom ponto de partida para uma contribuição válida na construção de uma sociedade. Mas também não precisamos de “um diálogo de diplomatas” onde só se diz o que agrada aos ouvidos.
As democracias africanas – Agry rejeita a ideia de democracia africana, europeia ou asiática, mas não podemos negar que apesar de se reger pelas mesmas regras e ter características comuns, elas têm suas especificidades. Dizia que muitas das democracias africanas, talvez pelas origens ditatoriais que caracterizaram as suas políticas antes da colonização, concretamente na era dos reis, e depois da independência com o monopartidarismo onde os libertadores acreditavam saber tudo o que é bom para os seus povos. As democracias africanas, escrevia eu, conservaram algo de ditadura e os políticos africanos não estão preparados para ouvir algo contra as suas ideias. Um sistema de diálogo pode a princípio abrir espaço para antagonismos que muitos não estão preparados. No entanto isto não significa desistência. É preciso que se faça pressão para a criação de um espaço, que não seja simplesmente a Assembleia, mas todas instituições e grupos vivos da sociedade onde se possa de uma forma clara se dizer o que realmente está a acontecer e quem fez o quê. Não bastão Comunicados de Imprensa onde aparecem sempre “o balanço é positivo”

Júlio Mutisse disse...

Agry, é bom saber que gostou de passar por cá e espero que o seu período sabático termine o mais rápido possível. Há muito que pensar deste nosso belo Moçambique.

Acho que o desafio é mesmo esse de não deixar que haja essa separação entre governantes e governados. A burocracia (a que o PR jurou combater) entrava e o legalismo excessivo acaba servindo como desculpa. Temos que avançar para a criação de mecanismos reais de diálogo dentro do nosso contexto.

É evidente que a AR não podem substituir os cidadãos. Estes devem organizar-se para serem interlocutores válidos para com o Governo; os partidos políticos extra parlamentares devem assumir o seu papel como grupos representativos de cidadãos com uma visão sobre o desenvolvimento do país e não assumir a ida a AR como um fim, sem nada a acrescentar; as organizações existentes tem que produzir ideias claras do que pretendem em função dos interesses das suas organizações.

Isso é possível no nosso contexto, onde as pessoas pensam que pensar diferente é estar contra elas? Sim, é. É possível sim. A OJM, só para citar um exemplo, pode dentro do partido FRELIMO, representar eficazmente os interesses da juventude fazendo passar os anseios da juventude, as nossas pretensões, dizendo não ao que não nos convém e forçando políticas para o segmento populacional que esta organização deveria representar no seio do Partido. Acho que devia ser essa a essência da OJM dentro do contexto que abordamos a questão aqui.

Caro Anónimo, eu acho que sim. Nem que seja para dar uma ideia de abertura e de democracia. Mas acho que é mais do que isso. Há pecepção de que o país só ganha quanto mais actores forem envolvidos a pensar soluções do país. Por exemplo, no caso dos 7 milhões, os beneficiários não devem, quanto a mim, serem apenas receptores de dinheiro, e me parece que não são (olha que estou em Maputo e ainda n pedi o fundo de desenvolvimento local poque não tenho, nem pensei ainda num projecto concreto), são antes de mais, actores que tem uma visão sobre o desenvolvimento naquele local, naquele espaço territorial que é o distrito. Ao conceder qualquer quantia, o Governo está a dar a sua concordância quanto a um projecto pensado por outros sobre o desenvolvimento da nação a partir daquele espaço.

è possível que o poder suba a cabeça quando não se tem opositores a altura, quando a sociedade não se organiza nem aparece, quando os intelectuais se acobardam e quando todos decidem prestar vassalagem. O exemplo de organização que veio da Beira, é capaz de ter sido interiorizado no sentido de, mesmo em espaços localizados como a cidade da Beira, há capacidade dos cidadãos se organizarem e darem voz às suas pretensões. Então meu caro, sendo a FRELIMO um partido maduro, não deixará de ter aprendido essa lição também, e realizar que há vozes com que se deve contar sempre.

Quanto ao que dizes dos editores, por desconhecer não comento. Mas não se esqueça que em África, chefe é sempre chefe, há sempre receio até de olhá-lo nos olhos, quanto mais falar e dizer o que este pode, eventualmente, não gostar... infelizmente é esta postura que muitos têm e que nos faz não ir a lado nenhum.

Mapengo, Formalmente até podemos dizer que existem mecanismos instituidores do diálogo. O problema é a prática desse diálogo.

Teremos que esperar que as nossas lideranças aprendam a conviver com a crítica ou temos que forçá-las a aprender a conviver com ela? Acho que a segunda via é a mais viável. Ensinar as nossas lideranças e os acólitos a volta, a conviver com a ideia de que apresentar-lhe uma alternativa diversa de resolução dos problemas dos moçambicanos não é estar contra ele e do outro lado da barricada. Antes pelo contrário, pode ser estar com ele e querer que elas continuem sendo lideranças.

Elísio Macamo disse...

júlio, acho bastante salutar esta maneira de abordar os assuntos da nossa terra. noto uma melhoria significativa em muitos blogues que de forma paulatina estao a abandonar as abordagens bombásticas a favor de críticas mais reflectidas. acabo de publicar um texto no meu blogue que pode constituir um complemento interessante para esta reflexao que iniciaste. a questao que colocas, e que me parece legítima e importante, é se nos falta um sistema de diálogo. acho que a resposta é uma pergunta: o que estaria na base dos mecanismos reais e efectivos de comunicacao entre governantes e governados? de que estariam eles a falar? parece-me ser isto que falta. qual é o conteúdo da política em mocambique? porque se faz política entre nós? quando nos posicionamos, posicionamo-nos em relacao a quê? cumprimentos