domingo, 24 de janeiro de 2010

Os Truques Retóricos de Uma Reacção de Machado da Graça

Conforme referi no post anterior, Tadeu Phiri já reagiu através de um artigo de opinião publicado no jornal Domingo de ontem dia 24 de Janeiro de 2010, ao texto de Machado da Graça publicado na página 6 da edição do Savana do dia 15 de Janeiro de 2010. Devidamente autorizado por Phiri, abaixo vai o texto (recorde este texto e este se quiser ver o filme de início)

Os Truques Retóricos de Uma Reacção de Machado da Graça

Tadeu Phiri

Li a reacção de Machado da Graça ao meu texto, que o jornal Domingo aceitou publicar há uns dias atrás. Achei-a engraçada e é por isso que venho com esta resposta apressada pois encontro-me fora de Maputo. Na sua reacção, Machado da Graça demonstra à saciedade que é retoricamente excelente. Tentou afastar os leitores do essencial da discussão com claras manobras de diversão. Primeiro insistiu muito na questão do anonimato. Lembra uma afirmação que, segundo o meu pai, Machado da Graça teria feito num passado recente. Segundo o meu pai, num debate que estava a ocorrer nos jornais nesse momento, este jornalista teria acusado o seu oponente de estar a socorrer-se do anonimato, pois “todas as pessoas que escrevem bem se conhecem neste país”. Isto mostra que Machado da Graça não acompanhou o esforço que este país despendeu na educação desde 1975. Muitas pessoas que no período colonial teriam morrido analfabetas, hoje têm esta faculdade de escrever bastante bem. E é uma pena que esta pessoa que sempre me pareceu inteligente, não tenha apreendido isso.

Creio que ele pensa que o autor do texto que escrevi é o Augusto de Carvalho, do semanário Domingo, o que é um elogio muito grande para mim. É um elogio porque considero este jurista/jornalista uma das pessoas que melhor escreve no país. Mas este país tem muitos moçambicanos que escrevem muito bem, muitos dos quais educados essencialmente depois da independência. É só visitar uma mancheia de blogs escritos por jovens moçambicanos para se deliciar e se impressionar com o poder de síntese e de argumentação que muitos deles desenvolveram (Elísio Macamo, Júlio Muthisse, Egídio Vaz, Amosse Macamo, Alberto Nkutumula, Bayano Vali, Ilídio Macia, Obed L. Khan, Viriato Tembe, Gonçalves Matsinhe, Nuno Amorim...). Não conheço pessoalmente a maioria destes bloguistas, mas posso garantir a Machado da Graça que estes moçambicanos escrevem tão bem ou melhor que Tadeu Phiri. E nada me autoriza a duvidar da autenticidade da sua identificação e daí saltar para a suspeita de que sejam filhos de Machado da Graça, Augusto de Carvalho, Fernando Lima, Orlando Mendes, Leite de Vasconcelos ou outros antigos gurus da escrita. Não faço isso porque eu próprio sou uma prova de que este país mudou muito nos últimos 35 anos.

Um dos truques retóricos de Machado da Graça consistiu em tentar vender a ideia de que o meu argumento baseia-se no ponto de que ele mudou enquanto que o país não mudou. A partir desta falácia torna-se fácil argumentar, como ele o faz, que muita coisa mudou no pais e que é isso que ele critica. É evidente que não pretendo deixar em branco esta artimanha argumentativa. O que eu criticava no meu texto era a posição de Machado da Graça em relação ao país. Dantes ele colocava o país acima de todos os interesses de fora. Hoje acha que o exterior pode ter boas intenções. Ora, uma vez que ele no passado era contra o capitalismo (e por isso criticava o exterior capitalista) porque acha ele que esses mesmos países capitalistas vão salvar o país contra os corruptos internos? Porque não convoca uma revolução interna e aconselha o rumo cubano? A incoerência do emérito cronista está aqui. Será que Machado da Graça está a dizer que já que a FRELIMO, cuja politica ele defendia, mudou o país agora pode ser entregue de bandeja aos capitalistas externos?

Mesmo sobre a mudança da FRELIMO que parece magoa-lo tanto haveria muito para dizer. Este Partido mudou, isto é verdade! Moçambique mudou, também é verdade! Africa mudou, ninguém o pode desmentir (antes, este continente era dominado por Partidos únicos, com o argumento de que isso servia melhor a unidade dos novos Estados). A Europa mudou! A Juguslávia mudou! O muro de Berlim caiu! O Capitalismo tem estado a sofrer ou a beneficiar de várias mudanças! A China mudou! Ora, como é que perante estas mudanças todas a única entidade que não mudou é Machado da Graça? Será que todos estão errados e, ele sozinho, está coberto de razão? O que torna as suas certezas tão inabaláveis? Eu, no lugar deste insigne jornalista, começaria agora mesmo a interrogar as minhas certezas.

Mas, na verdade, não é só a FRELIMO que mudou. O próprio Machado da Graça mudou. Contrariando as suas próprias crenças leninistas, ele confessa que é proprietário de uma empresa. Tenta minimizar este facto informando-nos de que a tal empresa está em permanente crise. Talvés este pequeno truque sirva para não o associarmos com a corrupção que a chamada esquerda, de que ele parece fazer parte, associa sempre aos africanos que ousem ser empresários. É só prestar atenção ao tom com que nos informa que “Armando Emílio Guebuza é um dos mais importantes empresários deste país.” Para depois acrescentar que este facto indica uma atitude de vida diametralmente oposta à de Samora Machel, o único Presidente com que parece se identificar. É caso para perguntar: para não se ser diametralmente oposto a Samora é imprescindível ter apenas uma empresa “em permanente crise”? A partir de que número de empresas, ou a partir de que nível de prosperidade já se estaria em contradiçao com Samora? Temos que assumir que Machado da Graça é o padrão da honestidade samoriana?

Há um segundo truque retórico que ele usa para contrariar o meu texto. Como eu disse que o sistema de justiça ocidental tinha levado tempo para ser instalado, Machado da Graça acha que pela mesma razão devíamos recusar usar automóveis, aviões, etc. Tenho ouvido muito este argumento mas devo dizer, infelizmente, que ele é falacioso, pois sugere uma comparação inexistente. Quando alguém diz que levou tempo para se instalar um sistema politico funcional não está a dizer que não quer trabalhar no sentido de instalar esse sistema, nem está a dizer que quer totalmente prescindir dele. A analogia serve, no caso dos aviões e telemóveis, simplesmente para dizer que as condições em que essas coisas vão funcionar no nosso seio vão ser diferentes e, por isso, vai levar tempo até a gente ser capaz de as utilizar da mesma maneira. A Mcel tem graves problemas; as nossas estradas estão mal; temos muitos acidentes; temos atrasos nos voos, etc. Isto é, essas coisas não estão a funcionar como funcionam, por exemplo, na Africa do Sul ou no Japão. Nós precisamos de tempo e de produzir os recursos necessários para termos um sistema de justiça como o da Dinamarca, estradas como as da Alemanha, gestão de tempo (incluindo o de voos) como a do Japão. É desonestidade que alguem nos venha exigir que tenhamos tudo isso “até Março”.

Enfim, pessoalmente, acho que Machado da Graça só pode ser desculpado de estar a ser desonesto pelo facto de que ele deve ter investido muito tempo a tentar enganar-se a si próprio.

8 comentários:

Anônimo disse...

Porque sera que Machado da Graca decidiu que aquele artigo teria sido escrito por Augusto de Carvalho? Por tadeu ter um apelido bantu? Estes nao podem desenvolver a faculdade de escrever com correccao na lingua de Camoes? Creio que os preconceitos raciais deste individuo sao impossiveis de serem escondidos.

Julio Mutisse disse...

Meu caro anónimo,

Se voltarmos aos preconceitos raciais voltaremos a fugir do cerne da questão. Alguém, em tempos, escreveu um texto publicado pelo notícias intitulado os "Amuralhados Raciais". Infelizmente 35 anos depois de 1975 e quase 10 anos após a saída desse texto encontramos, em certos círculos, uma tentativa (quase que desesperada) de os manter.

Não será a dinamite que acabaremos com esses amuralhados; será com ciência, saber e confrontamento de ideias como eu julgo que o Tadeu está a tentar fazer. É possível que os que escrevem bem e melhor que os demais se conheçam, mas é necessário reconhecer que há gente na forja que está a aprender a escrever e escreve muito bem.

Não acho que seja uma virtude não mudar; antes pelo contrário. Machado da Graça é e permanece comunista e num comunismo tão descontextualizado já que até Cuba dá sinais de viragem e mudança. Como disse, Se os contextos tivessem permanecido os mesmos é possível que Machado continuasse casado com a FRELIMO. Presumo que tenha havido abertura a mais e para muitas coisas que precipitaram o divórcio.

Sobre truques retóricos já os tinha apreciado nos debates que MAchado tinha com Elísio Macamo, meu irmão Gabriel (quando o cargo governamental ainda não o tinha roubado destas lides), Patrício Langa e outros (grande saga de moçambicanos que também escrevem muito bem). Não me surpreendem e servem essencialmente para fugir do essencial.

Basilio Muhate disse...

Estou atento a este debate entre Machado da Graça e Tadeu Phiri. Um facto inegável é que vai surgindo uma geração de jovens que trazem uma nova vertente do debate político nacional e a blogosfera vai ganhando a hegemonia do debate nos midia em Moçambique.

Anônimo disse...

Elisio Macamo, Gabriel Muthisse, Patricio Langa... Que saudades dos tumultuosos debates que protagonizaram!!! A elegancia de formas e a verve que caracterizava essas intervencoes! Podemos entender o desaparecimento de Gabriel Muthisse. Foi roubado pela politica! No entanto, nao resulta facil entender o modo raro como Elisio Macamo e Patricio Langa aparecem no debate. Este tipo de pessoas deveria ser obrigado a participar no debate a chicote se fosse necessario.

Matsinhe disse...

Moçambique pode se orgulhar de ter criado condições para o aparecimento de gente como a que o anónimo acima refere como de muita outra que vem alimentando o debate de ideias através da blogosfera e outros canais que foram sendo criados cito, entre outros, Arão Valoi, Policarpo Mapengo, Egídio Vaz, Jorge Saiete, Custódio Duma, Jonathan McCarthy, Amosse Macamo, Ori Pota, Alberto Nkutumula (na pele de AK47), o puto Noa Inácio, Bayano Valy, Reflectindo, o irreverente Shirangano (quando não desce do cavalo e insulta), as meninas Yndongah, Nyikiwa, Ximbitani, Zenaida Machado e outra muita gente que pensa o país e se preocupa com ele.

Quando interpelados por qualquer destes individuos que a independência pariu e/ou viu crescer, muitos dos antigos GURUS do saber e do opinar perdem fios de cabelo e usam o seu saber não para discutir ideias mas para tentar nos desmoralizar ou dizer que não existimos. No seu imaginário podemos até não existir mas as nossas ideias estão aqui registadas nestes espaços.

Quem quiser um dia saber o que cada um de nós produziu na vida poderá sempre vir espreitar estes espaços. É possível que até 1980 só se encontrasse o Machado da Graça e poucos que antes da independência tiveram a sorte que nossos pais e nossos avôs não tiveram: estudar. Mas agora, estamos presentes e sem medo, com a rebeldia própria da juventude a mandar passear muitas ideias que só têm lugar nos nossos baldes de lixo.

Basilio Muhate disse...

Matsinhe

Machado da Graca tem um campo de actuacao na imprensa escrita e Tadeu Phiri idem. Pena e que o Machado da Graca nao faca passeatas. Pela blogosfera e nao participe no debate, ou se anda por aqui reserva se ao direito de nao comentar. Ainda precisamos de uma arena de debate franco e em tempo real desses dois escribas.

Matsinhe disse...

O debate pela imprensa não permite uma interpelação em tempo real pelas pessoas que se interessam pelo assunto. Se quisesse interpelar o Tadeu pela mesma via teria que esperar a próxima edição do Domingo ou o crivo do implacável Rogério Sitoi para analisar se o assunto tem interesse ali ou não. Mas a blogosfera, e nestes blogs sem censura é de já para já, directo e permitiria aclarar pontos de vista que se calhar são consiliáveis.

Estou a imaginar o Machado a responder (acho que não o fará) na talhe da foice e a retomar o método usado da outra vez... seria vergonhoso mas se viesse aqui...

Basilio Muhate disse...

Matsinhe

O Machado da graça respondeu em http://comunidademocambicana.blogspot.com/2010/02/pontos-nos-iiiiiii.html

O debate está interessante...