quarta-feira, 14 de abril de 2010

Cadê a Auto-Estima?

Porque será que a nossa capacidade de nos indignarmos com as situações anómalas que acontecem no nosso quotidiano só se revela na plenitude e sugere a necessidade de acção quando as anomalias são mencionadas por estrangeiros ou no estrangeiro, seja por relatórios das “agências” internacionais ou panfletos de algum indignado? Porque é que a nossa capacidade de indignação é nula ou diminuta quando somos nós, donos da terra, a passar pelas situações anómalas que ocorrem um pouco por todo o lado?

A que propósito vem tudo isto? Vem a propósito do debate que corre sobre a actuação da nossa polícia num caso envolvendo turistas sul-africanos relatado aqui, que provocou a indignação de muitos companheiros que, validamente, sugeriram (partindo da situação relatada pelos turistas sul-africanos no link indicado) a necessidade de “as autoridades de Segurança Pública e do Turismo trabalharem em conjunto, senão ninguém volta a Moçambique” bem como a necessidade de “lançar uma discussão de como nos podemos organizar entanto que país para mudar essa imagem.”

A verdade é que as experiências relatadas pelos sul-africanos são o nosso dia a dia e nunca nos levantamos tão indignados como acontece desta vez. Eu próprio relatei as peripécias porque passo ao volante da minha viatura no mesmo fórum onde o “debate indignado” com a situação do sul-africano se levantou e o máximo que obtive foi solidariedade e conhecimento de quem, de entre os debatedores do fórum, conduz veículo similar. Nunca discutimos, de verdade, a actuação da nossa polícia e seus possíveis efeitos não só no turismo, mas em muitas outras esferas incluindo na mentalidade dos nossos filhos.

Bastou a “experiência assustadora” de um estrangeiro que nos indignamos.

Quem se preocupa com as experiências assustadoras às mãos da polícia que eu e muitos outros passam nesta cidade e neste país, muitas vezes relatadas e desvalorizadas nos mesmos fóruns onde se sobrevaloriza a “experiência assustadora” do estrangeiro? Cadê a auto-estima e a confiança nas nossas capacidades necessárias para vencer os desafios que se nos colocam a cada momento? Precisamos do estrangeiro até para constatar que a nossa polícia, em muitos casos, aborda mal e presta um mau serviço aos cidadãos moçambicanos e aos estrangeiros que nos visitam?

Fiquei a saber que uma viatura similar a que conduzo foi usada por bandidos numa das incursões espectaculares ocorridas em Março. Parece que a nossa polícia assumiu ou que a viatura “é criminosa” ou que quem a conduz é, até pelo simples facto de a conduzir, um bandido. Como me parece não haver articulação na actuação da polícia, já me habituei a ser revistado em três road blocks seguidos normalmente separados por não mais do que 5 KM.

Há dias regressava a casa depois de uma jornada de trabalho extremamente cansativa na companhia da família (esposa e filhas) e recebemos ordem para parar de um cinzentinho no posto existente após as bombas da fábrica Mac-Mahon no Jardim. Em pouco tempo o carro estava cercado por outros cinzentinhos, um agente da FIR e outro, presumo, da guarda fronteira. O Polícia de trânsito aproximou-se com o cinzentinho armado com a sua AK47, pediu os documentos do carro e meus, ordenou que todos abandonássemos o carro e, o cinzentinho armado com a sua AK47 em riste, bruscamente abriu a porta do passageiro ao lado do motorista e, acto contínuo, abriu a porta traseira de onde emergiram os outros ocupantes do carro: minhas filhas de 11 e 6 anos de idade.

O máximo que obtive após barafustar contra o modo como estávamos a ser tratados, principalmente na presença de crianças, foi um pedido de desculpas do PT estar em curso uma “caça” a um Mark II creme que é “usado em assaltos” e ordenou que a revista parasse.

Clarifico que a ideia não é a desconsideração das denuncias feitas por estrangeiros. O meu problema é que corremos a lançar uma histeria generalizada quando os estrangeiros se queixam de situações anómalas quando nós mesmos, vezes sem conta, somos humilhados e passamos pela mesma situação sem que façamos absolutamente NADA. Quantos concidadãos não sofreram de tudo mais um pouco nas mãos da nossa polícia simplesmente porque conduzem um determinado tipo de viatura?

É verdade que temos criminalidade, é verdade que temos o polícia mais despreparado etc., não precisamos é que venha seja lá quem for para nos mostrar que isso existe porque sabemos. Precisamos é agir e não levar e calar.

8 comentários:

Basilio Muhate disse...

Julio

Qual é a conclusão do texto ? é que não precisamos que alguem de fora reclamar sobre algo que nós já conhecemos ?
O Ministro do Turismo disse em tempos recentes que um dos principais obstáculos ao turismo no País é a atitude de alguns agentes da lei e ordem, e os exemplos de turistas vao se multiplicando. Maputo, Inhambane e Gaza tem casos a aumentar.

Quem são os principais clientes para o turismo Moçambicanos em cerca de 90% ? qual é a sua proveniencia ?

A Luta continua e viva a auto-estima !!

Júlio Mutisse disse...

Basílio, é um facto que a polícia actua mal. É tão factual que até alguém com a responsabilidade do Ministro do Turismo já veio constatar que algo não vai bem.

Não precisamos de ninguém de fora para constatar que algo vai mal e agirmos para corrigir.

O que foi feito desde que o Ministro Sumbana teve esse pronunciamento? O que é que mudou na actuação da polícia? Eram necessários estes casos para despoletar a actuação da Polícia?

É acçao que se requer basílio. Isso está a faltar. As fraquezas são conhecidas.

Eu não quero uma polícia polite a pensar nos turistas... quero uma polícia actuante que faça com rigor, isenção e dedicação cumprir a lei seja quem for que prevarique. Quero uma polícia séria. Só isso. Se os turistas não vierem porque somos implacáveis no cumprimento da nossa legislação que se deixem ficar... mau é não virem porque somos mesquinhos como a nossa polícia, muitas vezes, é.

Anônimo disse...

A nossa polícia faz de conta estar a trabalhar, atrapalhando as nossas vidas. Situação identica passei um pouco mas a frente: no hospital G d Machava. Mi esposa aconselhou a vender o maldito de Mark II depois do episódio e de alguém, junto da PIC, ter nos informado que a viatura era a preferida dos assaltantes.

Uma reforma profunda, está sempre a ser adiada na nossa polícia. A mente do nosso polícia está virada para dinheiro. Tudo é feito em função de dinheiro.

Por ora, é só lamentar e lamentar. Não há vontade para a mudança neste sector que nos atormenta.

Por enquanto se te mandam parar, nem que já tenha passado, se estiver dum Mark II, pare. mas pare mesmo. se não....

CMatusse

Julio Mutisse disse...

Meu caro Matusse,

Na ofensiva contra o M2 alega-se que o carro é o preferido dos bandidos, o que torna cada um de nós proprietários desses caros em potenciais/suspeitos bandidos, com direito a tratamento rude e tudo.

Ando sempre com cautela. Mesmo quando a lanterninha acende sem que seja na minha direcção certifico-me que ela não mude de repente e vai daí um sururro que pode acabar não sei como. É que, neste espaço, não caberiam todas as peripécias porque já passei com o meu carro. Já ouvi um tiro para o ar numa madrugada, simplesmente porque ultrapassei uma viatura da polícia e não parei... o "dia está quente" foi a explicação.

Portanto, isso só reforça a ideia de que não precisamos que estrangeiros se queixem para, como sugere, pensarmos uma reforma profunda, profícua da nossa polícia.

Matusse, eu adoro o meu M2. Apesar da insistência da minha esposa não me livro dele. Lembras-te dos carapaus? Tive um, foi conotado da mesma forma, minha esposa insistiu eu vendi. Agora é o Mark II, amanhão será o Chaser (que seria o seguinte), depois o Pajero, depois o Prado e não haverá carro que fique nas minhas mãos. Não, não vendo a polícia que continue a caçar desde que não me mate, continuarei a usar o meu M2.

JOSÉ disse...

Os abusos cometidos pela Polícia são inaceitáveis, independentemente de a vítima ser moçambicana ou estrangeira, a única diferença é que os casos envolvendo estrangeiros aparecem com demasiada frequencia na Imprensa internacional, manchando a imagem de Moçambique. Ser vítima de abusos no estrangeiro, desconhecendo a lingua e as leis, é sem dúvida uma experiencia perturbadora e marcante. O caso ainda torna-se mais grave por Moçambique não ter mecanismos para lidar com estas situações. Por exemplo, não há um departamento na Polícia que lide especificamente com reclamações sobre o mau comportamento dos polícias e não há nenhum centro de apoio aos visitantes.
Há muitos oportunistas que pensam que os estrangeiros são alvos fáceis, poderia contar muitos casos que conheço das ruas de Maputo e das fronteiras.
Acho estranho que os polícias não tenham sempre bem visível a sua identificação e que usem a Ak 47 de forma a intimidar as pessoas.
Há muito que se fala na reestruturação da Polícia mas tarda em verificarmos os resultados práticos. Enquanto isso não acontecer, muitos policias anulam os esforços positivos do Governo em promover Moçambique como destino privilegiado para turismo e negócios.

Julio Mutisse disse...

José, meu caro amigo, só posso concordar consigo quando dizes que os "abusos cometidos pela Polícia são inaceitáveis, independentemente de a vítima ser moçambicana ou estrangeira." Nós moçambicanos, donos desta terra, temos que ter capacidade de nos indignarmos perante os maus tratos praticados contra nós, pela nossa polícia, na nossa terra.

É verdade o que diz meu ilustre amigo sobre a visibilidade das denúncias dos estrangeiros que aparecem na "Imprensa internacional, manchando a imagem de Moçambique" mas a nossa capacidade e necessidade de agir não deve sobressair apenas quando esses casos são despoletados na Imprensa internacional, manchando a imagem de Moçambique...

Formalmente existem mecanismos para nos queixarmos dos abusos, não só da polícia mas de qualquer agente da Administração Pública. O que é necessário é operacionalizar esses mecanismos (linhas verdes, livros de reclamações etc)... torná-los reais, úteis e não ser algo colocado ali porque estampado na lei.

Outro meio que temos de usar são os mecanismos de pressão a todos os níveis... A Alice Mabota e a sua LDH, a LHD, os CIP's e todas organizações da sociedade civil para além da acção de cada um de nós enquanto cidadão militante e consciente.

Chacate Joaquim disse...

Júlio Mutisse,

A nossa polícia está metida no submundo do crime isso é uma verdade absoluta há factos que revelam isso. no entanto, o nome "autoridade" parece que dá azo até à práticas criminais.

Veja por exemplo, um estrangeiro negava proceder como a polícia mandava por julgar ilegal, o Ministro veio ao público dizer que "...não vamos permitir desacatos à autoridade" não obstante reconhecer os agentes estavam a agir fora do recomendável.

Diga me júlio, será necessário nos proteger da nossa autoridade? Como?

Indo à questão que menciona, de nos preocupar quando as coisas vem de fora, está no que temos vindo a dizer a crítica não é feita pelos opositores! É que a nível interno quando alguém diz algo que vai mal é porque deve ser bem visto pode não ser nosso!... isso é que dá crédito à críticas e reclamações externas porque os que emitem já são protegidos de nautralidade.

Gil Cambule disse...

É o que acontece no País do «queixa andar»!
Desde logo, é muito questionavel a legitimidade dos famos «cinzentinhas» mandar parar carros e exigir documentação na Estrada. Por mais que aceitemos que tal actividade se enquadra na manutenção da lei e ordem, há que convir que essas competências são da Polícia de Trânsito.
Entretanto, o «cinzentinha» nessas rusgas, ganha num dia só o que corresponderia a um ano de trabalho na sua actividade normal.
Há quem prefere fingir que não vê!