Que tal trabalhar?
Júlio S. Mutisse
Ideiassubversivas.blogspot.com
Julio.mutisse@gmail.com
A primeira vez que coloquei este assunto à consideração de muita gente quase fui trucidado. Afinal, é sempre bom estar em casa, curtir os feriados, as tolerâncias de ponto e qualquer motivo legal para se estar em casa.
E nem se quer é por não gostar dos feriados, tolerâncias e dos efeitos legais desses dias. Não, até gosto da ideia de que, em princípio, vou descansar e se por ventura for chamado a trabalhar num dia feriado terei direito a um dia de descanso compensatório num dos três dias seguintes conforme manda a lei, para além, claro, de um acréscimo de 100% à minha remuneração normal.
Há muitos motivos para gostar desses dias: para além da possibilidade de participarmos nas cerimónias festivas relativas ao dia (acho que deve ser essa a razão de ser da concessão de um dia sem trabalho nos dias que a lei expressamente declare como feriado ou naqueles em que a Ministra do Trabalho pode conceder como tolerância de ponto), há o descanso inerente e a possibilidade de confraternização com familiares e amigos, motivos suficientemente fortes para gostarmos desses dias.
Salvo erro, temos 9 dias feriados expressamente consagrados na lei. Acresce que, por lei, quando os feriados calhem num domingo a suspensão da actividade laboral é diferida para segunda-feira.
Para além dos feriados há as tolerâncias de ponto que a Lei do Trabalho atribui à Ministra do Trabalho a competência para as conceder devendo anunciar com pelo menos 48 horas de antecedência. Mais do que estabelecer critérios sobre limites, circunstâncias e razões para a concessão de tolerâncias de ponto, a lei estabeleceu de forma clara e expressa o direito de suspender o trabalho sem perda de remuneração. Considerando que temos 43 municípios, cada um com sua data comemorativa, mais os dias festivos das diversas religiões, os dias 24 e 31 de Dezembro e quaisquer outros que, legalmente, a Ministra do Trabalho pode entender como merecedores de tolerância de ponto, contabilizo um mínimo de 60 razões para decretar tolerâncias de ponto com um potencial inibidor do trabalho de milhares de pessoas, imaginando os números por baixo.
Uma referência mínima cabe às razões que a lei considera faltas justificadas. É evidente que não iremos trabalhar quando perdemos um familiar e/ou quando estamos doentes mas, também, não trabalhamos quando planificamos a festa do nosso casamento: a acrescer às férias a que temos direito, ganhamos o benefício de ficar sem trabalhar por 5 dias que, sendo algo previsível e programado, poderia cair nas férias de cada um.
Como disse acima, gosto destas coisas. Casei e fiquei em casa 5 dias, gozei 30 dias de férias a que tinha direito, gozei os feriados todos alguns dos quais calhavam dias que nos proporcionaram fins de semana longos, curti as tolerâncias de ponto concedidas na páscoa, no dia da cidade etc., e, sinceramente, gostei. Seria hipócrita se dissesse o contrário.
Mas a questão não está aí. Não está em saber se gostamos ou não.
A questão está em saber se, como país, e no estágio em que estamos podemos nos dar a esses luxos todos. Num país que devia se mobilizar mais e mais para o trabalho para vencermos o ciclo de pobreza e lutarmos pela prosperidade, será que podemos nos dar ao luxo de ter tantas folgas? Será que fazem sentido todos os motivos legais que temos para não trabalhar?
Eu acho que não. Não faz sentido a cultura do ócio legalmente estabelecida. Se posso viver com os feriados durante os quais devemos aproveitar para reflectir sobre o que cada um deles representa no nosso devir, custa-me a aceitar as tolerâncias de ponto sem critérios claros para a sua concessão (pode ser que seja concedida uma quando fizer 10 anos de casado, afinal meus amigos terão que ir festejar comigo), custa-me aceitar que programe uma festa e a lei me conceda 5 dias frees quando, ponderadamente, poderia programa-la para o decurso das minhas férias etc. É que, somos pobres e pobre que quer sair do ciclo de pobreza tem mais motivos para trabalhar do que para descansar, isso para não falar de quem assume os custos desse ócio todo (quero ser empresário um dia).
Que tal trabalharmos? Se, como refere o Presidente da República a cultura de trabalho e o espírito patriótico, de auto-superação e de bem servir são fundamentais para o aumento da produtividade e da competitividade, há que combater o ócio, inclusive o legalmente promovido, de modo a que nos dediquemos mais ao trabalho.
Que tal trabalharmos mais? É um desafio.
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