Em tempos reproduzi aqui a imagem ao lado e convidei especialistas a pronunciarem-se se a mesma poderia caracterizar as (co)relações em Moçambique.
Do debate que correu sobre o tema no qual Basílio e Chacate reiteravam a necessidade de incluirmos aqui os doadores/financiadores/cooperantes, coloquei a questão de saber como poderíamos organizar esta imagem no nosso contexto. Não veio resposta e insisto. Como podemos organizar esta imagem no nosso contexto?
Retomando um outro assunto referido aqui, e porque igualmente interligado a estrutura da nossa economia que tem os doadores com peso excessivo a ponto de, neste momento, não se saber quando virá a propalada e anunciada/garantida ajuda ao orçamento do Estado, que soluções tem o Estado moçambicano para contornar o boicote camuflado que nos vem dos nossos "parceiros" do G19 e aparentemente aplaudido por determinadas alas intra muros?
Ligado a este tema o Basílio Muhate publicou no seu blog um texto interessante que nos convida pensarmos e debater sobre a bancarização da nossa economia como um desafio que se impõe.
9 comentários:
Júlio
'...aparentemente aplaudido por determinadas alas intra muros?'
Oh Muthisse, essas 'alas' são as mesmas que avisaram que isso poderia acontecer...ou não? Não ficarias tu feliz, se uma tua previsão ou 'analise futurista' se tornasse realidade? hum...
Ora...eu não vejo motivos para tanto alarme...antes dos 5 meses terminarem, os valores serão reembolsados.
Os doadores não nos dão dinheiro de borla. O apoio ao OGE eh uma espécie de 'troca de favores'. E os G19 não quererão perder os favores do 'parceiro' moçambicano...
Este debate corre por email também, Egídio Vaz respondeu (por email) e publica no seu blog http://ideiasdemocambique.blogspot.com/2010_03_01_archive.html#8765857987898481849:
Porquê o diálogo político falhou?
Reflexões em torno da "greve do Grupo de países doadores" ao Orçamento do Estado em Moçambique
Há muito que me sinto tentado a tecer comentários em torno desse asunto. Não querendo ser explosivo nem “chauvinista” acho que ambas as partes têm culpa nesse “impasse”. Explico-me.
1. O Governo de Moçambique tem sido reticente em fornecer informação sobre progressos tangíveis em relação a aspectos ligados a boa-governação, strictu lato. Essas reticências vêm se alastrando desde os tempos da Governação de Joaquim Chissano, tendo se exacerbado na era do Presidente Guebuza.
2. E atendendo a própria natureza da situação, o sucesso no combate à corrupção, na dita “despartidarização do estado”, no fortalecimento do sistema de administração da justiça, são por defeito, aspectos que levam o seu tempo para se alcançar resultados exitosos e por outro lado, exigem maiores investimentos em infraestruturas, recursos humanos e tecnologia, bens a todos faz falta. Porém, o problema nasce com os discursos pouco ponderadas do SG da Frelimo e seus seguidores, que nas suas apreciações políticas sobre a governação em Moçambique desconsideram a poliarquia como sistema político almejado por todos, celebram o “fim da história, enterrando vivos” todos os contendores políticos que reclamam a sua existência.
3. E o maior problema do Governo, segundo os doadores, foi sempre o de ter aceitado as metas, indicadores de desempenho e objectivos negociados com os doadores no âmbito do PAP sem que contra eles apresentasse qualquer resultado tangível ou relatório de progresso circunstanciado, como acordado.
4. A demora, as manobras dilatórias, as desculpas, os relatórios generalistas e muitas vezes prolixos, contrastam com o avantajado estado quase capturado em que o Estado se encontra, pela gang cleprocrata incrustados nos vários níveis da gestão da coisa pública – o caso Aeroportos de Moçambique serve de exemplo paradigmático e, se não fosse o acto quase revanchista o Administrador demitido, se calhar, Cambaza e sua camarilha estariam até hoje passeando pelas ruas de Maputo e afora.
(Continua)
(Continuação)
5. A opulência, o enriquecimento rápido e na maioria das vezes (in)convincentemente justificado; a falta de transparência nos negócios do e com o estado, são dos exemplos que o dia-a-dia documenta e encontra no Presidente da República o exemplo vivo de quem também está preocupado, pelo menos ao nível do discurso. E é sobre essa distância, entre o discurso e a prática que todos nós clamamos por uma ponte. Neste caso concreto, tenho que concordar, aliás, como é da opinião de todos cidadãos exigentes, incluindo a do governo de Moçambique, faltando desse último, um pouco mais de arrojo e coragem para imprimir alguma dinâmica nesse sentido.
6. A carta-resposta do Governo de Moçambique aos PAPs foi, quanto a mim, um irremediável tiro para o ar; um sermão aos peixes (esses seres que não entendem a linguagem dos humanos, ao menos que fossem golfinhos!); foi acima de tudo, a prova dum cinismo, ou pelo menos, de alguém que sabia o que a outra parte pretendia, mas que não lhes convinha fornecer a devida resposta; preferindo assim um discurso esotérico, legalista; cingindo-se à celebração dos feitos da governação anterior, como se a audiência não estivesse a par deles.
7. Na verdade, a carta nem precisava de ser tão longa (18 páginas) e circunstanciada (4 partes, 71 pontos) como foi o caso. Bastava dizer ao grupo dos doadores (1) porquê a informação não flui, (2) porquê as metas não foram atingidas e (3) como pensa supera-las, para que se encontrasse uma base de discussão e um Diálogo Político superador. Não foi o caso, para o gáudio do estilo chauvinista, característico de um Governo enérgico em combater a pobreza mesmo que para tal, sacrificasse as técnicas de uma boa comunicação, da diplomacia e da celebração dos jogos de cintura, necessários para o alcance exitoso do devir comum: a libertação do homem moçambicano da pobreza, nas suas múltiplas dimensões, incluindo na escrita e na comunicação inter-institucional.
(Continua)
Continuação)
Por seu turno, a megalomania do grupo dos PAP foi manifesta, ao ponto de lhes ter entorpecido a inteligência, necessária para o discernimento entre factos, necessários para servir de base para a tomada de decisão, de receios, suposições e senso-comum, próprios de gente cobarde, que usa do seu poder para indiscriminadamente pôr em causa obras que elas próprias ajudaram erguer. Explico-me:
1. A greve desse grupo se inicia em Dezembro de 2009 face aos resultados das eleições, mas antes, fruto do contencioso eleitoral que excluiu a maioria doa partidos políticos da oposição. Em 2010, entrou um novo governo, com um novo plano, uma nova agenda, novas metas. Roça a insensatez, punir um novo Governo, que nada tem a ver com o desempenho do anterior. Por que carga de água vai o Aires Aly ter que herdar e assim arcar com as consequências das desinteligências do governo anterior?
2. Este procedimento, faz-me concluir que o alvo dessa “punição”, na verdade não é o Governo nem o Estado e sim a Frelimo; o Partido Frelimo, se quiserem, pois, os PAPs assumem que tendo sido o mesmo partido a governar desde a altura que eles estão nessa terra, não vêm portanto nenhuma diferença entre o governo anterior do actual, o que é uma pena para a plêiade, que eu bem acredito serem capazes de apreciar a dimensão legal e formal patente neste caso.
3. Isso assemelha-se a termos que obstruir, por exemplo, as actividades políticas ou mesmo duvidar da possibilidade do sucesso político de Daviz Simango só porque o seu irmão mais velho, Lutero Simango, não pude suster o PCN, tendo a sorrelfa “fundido-o” a Renamo, qual atitude traidora, para o desespero da maioria de seus membros! O ponto aqui é que os PAPs agiram preconceituosamente e à margem da boa-fé, ao ter iniciado a greve no fim de um mandato e continuado com ela logo no início do outro; de um novo Governo. Infelizmente, esse preconceito existe, até nos vários relatórios que têm vindo a ser publicados.
4. Aquando da azáfama do contencioso eleitoral, os PAPs pediram audiência com o Prof. Leopoldo da Costa, Presidente da CNE, depois com o Presidente da República e não sei mais com quem, tendo na altura deixado bem claro a necessidade da inclusão de todos actores em pleitos eleitorais. Choravam pela exclusão do MDM e dos outros, tendo os últimos, apoiado a candidatura de Guebuza, qual contradição maquiavélica!
5. A mesma exigência foi parte de uma carta enviada ao Governo, onde constava, dentre outros pontos, a falta da revisão da lei eleitoral, tornando-a clara. Parece-me ter sido no contecioso eleitoral que eles encontraram o leit-motiv para declararem greve contra o Governo. Porém, parece-me que aqui, os PAPs entraram perdidamente no mato! Convencidos - e com alguma razão – de que eram do grupo de doadores mais forte e com maior influência sobre o governo na África subsariana, foram ao despautério de fazer exigências directamente relacionadas com discussões/reformas políticas e de governação ao Governo Moçambicano, facto que enferma o vício de nulidade à Luz do Acordo de Cotonou entre a União Europeia e países em vias de desenvolvimento, que estabelece que quaisquer discussões políticas entre países da União Europeia e os PVDs deverão ser veiculadas pelos mecanismos da União Europeia e jamais por algum outro fórum como o G19/PAP!
(Continua)
(continuação)
6. Daí, concluir-se que essa guerra é nula e só pode exacerbar os sentimentos centrífugos, capazes de porem em causa a cooperação bilateral e multilateral, que a todos interessa manter e suster, da mesma maneira. O bom senso impõe o regresso rápido à normalidade, para que a agenda comum de combate à pobreza seja continuada, ao mesmo tempo que se debata com seriedade necessária e frontalidade meridiana, aspectos candentes que soçobram na consciência de cada um dos contendores.
7. Os doadores sabem que ao atrasarem os desembolsos, estarão a torpedear o início de várias actividades do governo, algumas das quais ironicamente, do interesse desse mesmo grupo. Por outro lado, sabem que estão a passar por cima dos acordos assinados entre este grupo e o governo moçambicano à luz da Declaração de Paris sobre a eficácia da Ajuda ao Desenvolvimento, que prevê o alinhamento e a previsibilidade da mesma, por forma a possibilitar a melhor planificação por parte destes governos. Não foi por acaso que se adoptou o método n+1 e noutros casos n+2, que se materializa na declaração de montantes a serem canalizados ao governos com a antecedência de um ou dois anos. E o que se pode perceber da atitude dos PAPs, ao atrasarem propositadamente os desembolsos, a pretexto de falta de claresa e cumprimento de algumas metas?
8. De uma ou de outra forma, esse G19 jamais será o mesmo. Reina no seu seio uma divisão de bradar os céus, tal como foi aquando da Missão de Observação Eleitoral da União Europeia, onde se lutou pelo protagonismo a todo custo. E a guerra com o Governo moçambicano é, quanto a mim, mais pessoal – dos chancelers aqui instalados – do que corporativa como pôde demonstrar no ponto 3.
Caminhos em frente
De uma ou de outra forma, fica claro que as duas partes precisam de aprimorar os mecanismos de comunicação, diálogo político e acima de tudo, serem realistas nas decisões e compromissos que acordarem.
Ao Governo, importa aliar o discurso à prática. O povo está a espera, e clama por soluções urgentes – tem dito o PR nos seus discursos. E, quanto a mim, os resultados estão para ontem!
À Frelimo em particular, é urgente que o seu Secretário-geral procure imediatamente um conselheiro em comunicação, por forma a não embaraçar o próprio Governo e o Partido. Se o tem, então é recomendável que o consulte ou acate suas orientações, sempre e antes mesmo de se aproximar a qualquer trabalhador de comunicação social, aparelho de gravação de voz, imagem ou qualquer outro meio de divusão da informação. O Sr Filipe Paúnde deve saber que o que ele fala é muito mais forte do que o que um Ministro qualquer diz.
(Continua)
(Conclusão)
Ao dizer por exemplo, que os cargos de direcção do Estado são somente para membros da Frelimo, ou que as Células da Frelimo só serão desmanteladas mediante a decisão contrária provavelmente do próximo Congresso, o Sr Filipe Chimoio Paúnde devia perceber que está a pôr em perigo o Plano do Governo de Moçambique e da própria Frelimo, que tem na Unidade Nacional, no respeito pela diversidade em todos sentidos e no trabalho colectivo e inclusivo, o seu apanágio.
Essas afirmações saídas da boca como a dele, dão azo aos receios e preconceitos nutridos pela comunidade internacional, que, contra a vontade do Sr Paúnde, regulam a actual ORDEM POLÍTICA E ECONÓMICA INTERNACIONAL. Ele deve saber que vivemos o auge do multilateralismo e da convergência global neoliberal, alérgicos a discursos egocentristas, e que a diplomacia de canhoeira não encontra espaço na actual era.
É por isso, premente e inadiável, que a Frelimo, através dos seus órgãos, seja mais responsável e tome um discurso mais inteligente, capaz de mobilizar e reanimar todos actores, todas forças e desabrochar todas as iniciativas latentes em cada um dos moçambicanos, para o bem desta nação.
Um discurso chauvinista tende a ser imperialista, que caminha em direcção ao irreconhecimento da alteridade e do pensar diferente. Como SG, ele devia tomar mais cuidado ao exprimir as suas opiniões sobre a vida do seu Governo, suas políticas e a política em geral. Ele precisa reconhecer que apesar de o seu partido ter ganho de forma convincente, a poliarquia é o sistema político que almejamos atingir e para tal, a Frelimo é vivamente convidada a dar o seu inestimável contributo.
Os doadores vivem em Moçambique, vêm STV, TVM e Miramar; têm nos moçambicanos os seus adidos de imprensa, consultores em Comunicação e Relações Públicas; a maioria dos oficiais de programa e de projecto dessas chancelarias são também moçambicanos; vivem, sentem, ouvem e sofrem; rejubilam, ovacionam e agradecem os feitos deste Governo e do partido. E também influenciam a forma de pensar desses chancellers. Saber articular vários interesses é dever de um político de grande craveira como é o Sr Paúnde, a quem nutro respeito e por isso vai aqui o apelo.
E, a nível do Governo, é chegado o momento de procurar uma outra pessoa para se relacionar com os doadores. Oldemiro Baloi e o Ministério de Negócios Estrangeiros e Cooperação são, quanto a mim, as pessoas ideais. A carta que o Ministério de Planificação e Desenvolvimento endereçou aos doadores foi uma vergonha descarada; um caso prático do que não se deve fazer em comunicação interinstitucional e em momentos de crise como estes.
É uma carta que cansa a vista; entorpece a mente e convida a um cochilo. Para quem já está devidamente informado sobre os feitos do governo, não se percebe o detalhe em 71 pontos, para em nenhum deles, responder cabalmente as preocupações dos doadores, tão claras que foram.
E a falta de modéstia foi patente. Chamaram-na por documento de trabalho que visava “colmatar o défice de informação que poderá determinado o conteúdo das cartas fera MAPM 101-1 e MAPM 101-1...”.
Porém, o redactor esqueceu-se que na carta de cobertura, estava claro que se tratava de um OFÍCIO 032/MPD/GM/2010 em resposta às preocupações levantadas nas cartas [dos doadores] de 09 e 10 de Dezembro de 2009.
Por acaso algum dia um Ofício - compreendido como correspondência oficial enviada normalmente a funcionários ou autoridades públicas, expedido por órgãos públicos, em objecto de serviço - constituiu um documento de trabalho?
E eu que sei muito bem como e quando se produzem os documentos de trabalho no âmbito das relações de cooperação, fiquei simplesmente horripilado. É uma pena. Grande.
thanks julio pela republicação. abraços.
Tive a oportunidade de ler este texto do E. Vaz no seu blog e tecer um comentário a respeito.
Talvez aqui seja a oportunidade de colocar questões que me parecem andar um pouco esquecidas:
1.As exigências dos doadores são ou não razoáveis? Fazem ou não sentido?
2. Foram devidamente respondidas na extensaa carta do nosso M. de Planificação Aiuba Cuereneia?
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